A situação às vésperas das eleições francesas

A situação às vésperas das eleições francesas

Sobre as eleições francesas.

Luc Mineto 21 fev 2022, 18:01

A França também vai ter eleições para presidente, nos domingos 10 abril e 24 de abril. As pesquisas oferecem uma visão pouca alentadora: o neoliberal de direita Emmanuel Macron, LRM (a República em Marcha), vai ser candidato a reeleição e está liderando as pesquisas com uns 24% das intenções de voto. Os candidato(a)s da extrema direita juntos chegam a mais de 30 %. Enquanto a esquerda vai ao pleito dividida entre vários candidatos que mal chegam a mobilizar 25% do eleitorado.

Macron, um candidato a reeleição que pertence à direita

Emmanuel Macro e cria política dos socialistas (foi ministro da Economia no último governo de Francois Hollande) mas nunca foi de esquerda. Ele pertença ao grupo seleto de altos funcionários do estado, formados na ENA (Escola Nacional de Administração) que depois de poucos anos vão, com seus valiosos contatos, integrar grandes grupos industriais ou financeiros. No caso de Macron foi no banco de negócios Rotschild e Cia que ele virou socio gerente e virou milionario.

Sendo assim, seu primeiro mandato de presidente foi sem surpresa: ele foi o presidente dos ricos. Ele tirou os valores mobiliares e os investimentos da base de cálculo do Imposto sobre as grandes fortunas. Estima-se que esta única medida favorizou poucos (300 000 pessoas) e custou 3,2 biliões de Euros ao orçamento do estado. 

Enquanto se mostrava cheio de bondades para os mais ricos, acumulava as medidas contra os trabalhadores. Em 2018, a aceleração da privatização e do desmantelamento da SNCF, a sociedade nacional de transportes ferroviários encontro forte oposição. A reforma do sistema de aposentadoria queria impor o modelo liberal bem conhecido: favorecer o modelo de capitalização sobre o modelo de distribuição, aumentar a idade legal da aposentadoria, exigir dos trabalhadores mais tempos de contribuição. A mobilização dos trabalhadores forçou o governo a engavetar, por enquanto, este projeto.

Durante o governo Macron a violência da polícia contra as populações da periferias e as mobilizações populares atingiu níveis muito elevados. Contra os a mobilização dos Gilets Jaunes (Coletes Amarelos) a polícia fez uso sistemático de balas de borracha e granadas de efeito moral. Foram 3 mortos, 32 perderam parcial ou totalmente a visão, 5 tiveram mão arrancada e mais de 2 500 pessoas foram feridas. 

Ainda o governo Macron garantiu a continuidade das intervenções do exército francês no médio oriente e na África, especialmente no Mali. 

Uma direita (extrema ou radical) em posição de força

Atras do Macron, e tecnicamente empatados, um trio enfurecido está disputando uma vaga para o afrontar no segundo turno: dois candidato(a)s da extrema direita e uma da direita. Para simplificar pode-se dizer que as três correntes que levaram o Bolsonaro ao poder em 2018 encontram se representadas nessas eleições francesas por um candidato(a).

  • Marine Lepen du RN (Encontro Nacional) incarna a extrema-direita com pretensões populares. Ela se apresenta como a defensora dos de baixo contra os de cima e visa seduzir os decepcionados das esquerdas. Essa estratégia em parte funcionou. Os galpões eleitorais do RN na periferia a de Paris, no norte da França ao redor de Lille ou no sul em Marselhês já foram fortalezas do partido comunista ou do partido socialista em outra época.
  • Eric Zemmour de Reconquête (Reconquista) é a extrema-direita ideológica. Chamou seu grupo de Reconquista por acreditar que a França foi invadida por bárbaros. Pretende proibir o uso de nomes de originem estrangeiras: mínguem na França poderia chamar seu filho de Mohamed, nem Zlatan. Se não bastasse, ele já se pronunciou contra “casamento para todos e todas” e não esconde sua homofobia.
  • Valerie Pecresse do LR (Os Republicanos) representa a direita ultraliberal. Mas para ganhar as primarias do seu campo teve que multiplicar as garantias à ala mais à direita do seu partido e já demonstrou sua disposição de reprimir as populações das periferias: “o karcher (lava-jato) vai voltar a funcionar” diz ela, e o lava-jato aqui é metáfora de uma limpeza policial, social e racial. 

Mas as diferenças entre eles no final pesam pouco além dos discursos: elas e eles estão unidos pelo ódio aos pobres das periferias, aos trabalhadores e aos imigrantes (e sua forma especifica a islamofobia). As pesquisas até então caracterizam uma situação de empate técnico entre ele(a)s, tendo cada um algo ao redor de 15%, com leve variações para cima ou para baixo.

Uma esquerda tradicional dividida e fraca

A esquerda, ao ver o número das pesquisas, mal tem condições de perturbar a briga das direitas: todos os seus candidatos reunidos mal chegam a 25% das intenções de votos.

– Jean Luc Mélenchon, candidato da France Insoumise (França Insubmissa) é o único a esquerda a passar dos 10%. Em 2017 já tinha demostrado o potencial de uma campanha minimamente a esquerda, chegando a 20% dos votos (e por pouco não tirando a fascista Marine Lepen do segundo turno).

-Atras dela, vários candidatos, o ecologista Yves Jadot (6%), o comunista Fabien Roussel (4%) e a socialista Anne Hidalgo (2%) lutam para sobreviver eleitoralmente. Christiane Taubira beneficia de uma certa simpatia por, enquanto ministra de justiça de no governo Hollande, ter promovido a “casamento para todos” e ter sido, mulher e negra, alvo do ódio da direita e de extrema direita. Mas isso não consegue esconder o vazio das suas propostas. Apesar de ter sido declarada vencedora das autoproclamadas “primarias populares” ele fica, por enquanto grudada nos 3 a 4%.

O implacável declínio da esquerda tradicional

Esses números são de doer. 40 anos atrás, Francois Miterrand era eleito presidente da república liderando uma aliança eleitoral entre socialistas, comunistas e a pequena formação dos Radicais de Esquerda. Pela primeira vez desde a Frente Popular de 1936 a esquerda voltava ao poder. 

Durante 2 anos, o primeiro-ministro Pierre Maurois, socialista das antigas oriundo da bacia mineira do norte da Franca, liderou uma série de reformas progressistas. A lei de nacionalização integrou no setor público as 5 maiores indústrias francesas, 32 bancos e 2 companhias financeiras. Os trabalhadores foram beneficiados com a redução da duração semanal do trabalho de 40 para 39 horas e com uma quinta semana de férias renumeradas. 

Mas logo veio a virada pelo realismo, e estava aberta um longo período de alternância política onde presidentes, e governo de esquerda e de direita irão se suceder e a diferença entre uns e outros ficava cada vez mais difícil de perceber. A esquerda tentava combater a direita nos seu terreno: o rigor econômico, a repressão, a luta contra a imigração e as aventuras neocoloniais. Neste processo ela perdia o seu eleitorado tradicional que ficou desnorteado com essas viradas, e as novas gerações deixaram de se identificar.

Um primeiro sinal de alerta veio nas presidenciais de 2002, quando o socialista François Jospin foi tirado do segundo turno pelo crescimento de Jean Marie Lepen (sim, o pai da Marine). Mas talvez o fundo do poço foi na presidência de François Hollande; nunca a esquerda tinha sido tão longe de seus valores. A virada do rigor foi se acelerando e o exército francês multiplicou as OPEX (operações exteriores) no médio oriente (Líbia, Síria, Iraque) mais sobretudo iniciou a operação BARKANA contra os povos do Mali. Sem falar que propulsou no ministério de economia um jovem tecnocrata ambicioso, Emmanuel Macron…,

A esperança vem das lutas populares 

O fraco desempenho anunciado dos candidatos da esquerda, mais do que sinalizar uma adesão maciça às ideias da direita ou do fascismo (apesar de infelizmente este fenômeno existir), traduzem a desorientação que tomou conta das classes populares e dos trabalhadores aderiram em massa. As capitulações sucessivas da esquerda os deixaram desiludidos e descrentes da importância das eleições.

Mas a atualidade social desses últimos cinco anos mostrou que os trabalhadores, as classes populares, os jovens, as mulheres não desistiram da luta.

  • Em primeiro lugar, obviamente lembramos do movimento dos Coletes Amarelos, a mobilização dos que foram deixado(a)s de fora da festa da ciranda financeira neoliberal. São os desempregados, os que só conseguiram um emprego precário, parcial e mal pagou, situação agravada pela modificação da legislação trabalhista em 2018. O preço dos aluguéis os afasta dos centros urbanos e periurbanos e devem morar longe de tudo. O acesso a saúde foi se degradando na medida em que a austeridade promovida por Macron e seus antecessores fechou serviços de centros hospitalares regionais. Eles ficam cada dia mais dependentes do uso do carro e são impactados pelo aumento do preço dos combustíveis. Mas sobretudo eles lutam contra um governo central autoritário, elitista que os menospreza em cada uma das suas decisões. Eles querem afinal ser vistos, por isso os “coletes amarelos” uniforme dos trabalhadores anônimos, do dia a dia. Se no início a direita tentou infiltrar o movimento, as esquerda, notadamente o NPA e France Insoumise, soube ganhar influência e vimos com emoção os Gilets Jaunes retomar essa velha palavra de ordem: “estamos aqui pela honra dos trabalhadores e por um monde melhor”.
  • A mobilização dos migrantes da primeira e da segunda geração também se mantem alta, atiçada pelo racismo, o ódio ao estrangeiro e a islamofobia que assola a sociedade francesa. O Black Live Matter teve uma grande influência na França, onde ele ecoou com os protestos pela morte do jovem Adama Traoré, filho de migrantes do Mali e morto num quartel da gendarmaria após sua interpelação em 2015. Outro aspecto da luta dos migrantes são as mobilizações recorrentes nos centros de distribuição do Chronopost para regularização dos que lá trabalham, as vezes à anos, sem ter documentação. Essas mobilizações contam com o apoio e a participação dos sindicatos históricos.
  • O movimento tradicional dos trabalhadores do setor público também não ficou parado. As mobilizações contra a o desmembramento da SNCF e a reforma da previdência foram importantes. Por causa delas, o Macron teve que deixar de molho a sua reforma da previdência.

O Pessoal da área de saúde foi vítima em 2018 e 2019 das medidas de austeridade de Macron. Tiveram que enfrentar a pandemia com efetivos e meios reduzidos. Uma das primeiras expressões do descontentamento deles aconteceu logo na primeira fase da pandemia: O governo demagogicamente deu uma medalha dourada para cada trabalhador, e os trabalhadores coletivamente e demonstrativamente as jogaram no lixo. Logo depois vieram formas mais tradicionais de luta: greve, protestos, dia de ação.

O ponto culminante dessas mobilizações dos trabalhadores dos setores tradicionais foi sem dúvida o dia de ação unitária do 27 de janeiro 2022 contra a carestia e por aumento dos salários. Beneficiou de uma chamada unitária das organizações sindicais, foi um sucesso de mobilização, reunindo trabalhadores dos setores da saúde, da energia, dos transportes e do ensino. 

  • A juventude não ficou por traz. Se não houve em 2020 por causa da pandemia de Covid-19, as mobilizações da Marcha pelo Clima foram importantes m 2018, 2019 e 2021 reunidos milhares de pessoas em Paris e varias cidades do interior. A mobilização prevista em março tem tudo para ser mais um sucesso
  • Durante a pandemia, no mundo inteiro, a violência contra as mulheres redobrou, e na França não foi diferente. O coletivo #NousToutes (Nos Todas) é um coletivo feminista comprometido com a luta contra a violência sexista, sexual, econômica, psicológica, verbal e física contra mulheres e crianças. Reúne indivíduos, associações, sindicatos e organizações políticas. 
  • Seria um erro grave projetar na situação francesa uma visão brasileira e reduzir os movimentos contra o “passe vacinal” à gesticulação de complotistas antivacina desmiolados. Estas mobilizações tem suas origens na carestia da vida e nas restrição das liberdades publicas vindas de um governo percebido como distante, arrogante e das elites. Senão como explicar a amplitude das mobilizações que sacudiram em janeiro 2022 os chamados departamentos et regiões do ultramar, os resquícios do império colonial francês?

Philippe Poutou, o candidato do NPA

O NPA (Novo Partido Anticapitalista) lançou no final de 2021 a candidatura de Philippe Poutou, operário metalúrgico, sindicalista, licenciado após anos de luta contra o fechamento da usina Ford onde ele trabalhava e hoje vereador eleito da cidade de Bordéus. Mais um candidato da esquerda? Não, Philippe Poutou e o candidato da esquerda orgulhosa de ser, aquela que não tem medo de se afirmar como tal, que mantem erguidas as bandeiras do anticapitalismo, do anticolonialismo, do internacionalismo. A candidatura do Philippe Poutou vai ser a voz dos que lutam de verdade na França de hoje, contra o custo da vida, contra o racismo, a islamofobia e a repressão aos emigrantes. A candidatura dele também será da defesa dos diretos das mulheres, dos gays, das pessoas trans lá como aqui vítimas de violências no dia a dia. A candidatura Poutou vai afirmar a necessária vacinação da população, e ao mesmo tempo defender os que a burocracia do estado sob pretexto de vacinação, quer reprimir e excluir; hoje tem trabalhadores do setor da saúde e bombeiros que formaram durante 2 anos a linha de frente contra a pandemia que estão ameaçados de demissão.

O empecilho das 500 assinaturas

Uma particularidade da legislação francesa ameaça a candidatura do Philippe Poutou. Qualquer um pode ser candidato a presidente, sem depender de partido nenhum mas tem que apresentar ao Conseil d’Etat (Conselho de Estado, um misto de STF e STE), até sexta feira 4 de março, 500 cartas de apresentação que basicamente somente senadores, deputados e prefeitos podem assinar, e a favor de um só candidato. Este dispositivo é altamente antidemocrático, só favorece os partidos estabelecidos a tempo, com amplas bancadas. E não e só Philippe Poutou que tem problemas com esta exigência. Hoje somente 4 candidatos e candidatas hoje em dia tem essas assinaturas. Até candidatos de peso eleitoral como Marine Lepen e Eric Zemmour e antecipam dificuldades. Por enquanto Philippe Poutou já recolheu 180 e o NPA está massivamente mobilizado, com grupos de militantes percorrendo o interior da França para encontrar prefeitos democráticos, que sem aderir às opiniões de Poutou e do NPA, reconhecem o seu direito de ser candidato.


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Pedro Micussi