O aumento da fortuna do homem mais rico do mundo em 2021 foi maior que o PIB da Tanzânia, país que tem 60 milhões de habitantes
A recente lista de bilionários publicada pela revista Forbes evidencia o nível profundo de desigualdade social no mundo.
Há alguns anos procuro acompanhar a publicação da lista de bilionários da revista Forbes. Não deixo de me surpreender que algo que considero escandaloso, seja divulgado com ares de naturalidade e até de alegria. Talvez seja um momento que ao menos parte dos bilionários espere com ansiedade. Talvez alguns destes bilionários tenham séquitos de puxa-sacos que contribuam para reforçar uma certa “magia” da publicização dos resultados. Os bilionários certamente vivem em “mundos à parte” da maioria dos seres humanos. Mas nem por isso se poupam de propagar mensagens edificantes e até financiam organizações e institutos para fazerem isso. Afinal, em um mundo bastante marcado pela hostilidade, é preciso defender valores e exemplos a serem reconhecidos e seguidos.
Nesse sentido, quando vejo os velhos e novos bilionários da Forbes, penso em qual é o protótipo construído de herói de nossos tempos. O empresário bem sucedido é um forte candidato a assumir tal posto. Mais recentemente, muitos também consideram como heróis (ou mitos), determinados agentes políticos obstinados, através de repressão estatal e condução “adequada” da dívida pública, em impedir que intervenções estatais (“travestidas de interesse público”), criem obstáculos para o sucesso daqueles que querem e sabem ser livres. Junto ao reconhecimento do herói, é preciso também fortalecer as crenças e valores ligados ao sucesso, e há um conjunto amplo de iniciativas de coaching e empreendedorismo voltadas para esse desafio.
Os dados de acúmulo colossal de riquezas, para mim, passam longe de qualquer sentido ritualístico positivo. Diante da prevalência e do aumento de problemas crônicas de pobreza, desde fome e acesso a saneamento básico a diversas modalidades de adoecimento mental, é surpreendente e mesmo distópico o que vivenciamentos. Os rendimentos de suas riquezas em um ano de alguns indivíduos foram superiores à soma de todas as riquezas produzidas por países de dezenas de milhões de habitantes. Isto, longe de ser algo natural, um acaso das circunstâncias ou da meritocracia, é uma expressão da forma absurda como a riqueza é produzida e distribuída no planeta. A coisa se agrava mais se considerarmos somente os pobres das populações dos países. Isso porque os agentes políticos e econômicos dos países pobres são, menos ou mais, aliados dos megabilionários e são recompensados por isso.
Mas há quem defenda de forma empedernida o direito de indivíduos acumularem em um ano uma quantidade de riqueza que um trabalhador comum levaria milhões de ano para juntar (isto é, se pudesse apenas guardar seu salário e não ter que se virar para sobreviver com ele).
As críticas às desigualdades e aos mecanismos econômicos de ampliação da concentração de riquezas e do poder político ligado a ela, são taxadas pelos defensores do capitalismo como ideologia da inveja, ideologia do atraso, ou coisas do tipo. Mas faz sentido que um homem tenha um rendimento maior que o de dezenas ou centenas de milhões de pessoas? E ainda mais: faz sentido que a desigualdade impeça que inúmeros seres humanos tenham direito a possuir o mínimo necessário à sobrevivência, como água, comida e casa?
Inveja
- desgosto provocado pela felicidade ou prosperidade alheia. 2. desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é de outrem.