O 25 de Abril e os passos do morenismo em Portugal
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O 25 de Abril e os passos do morenismo em Portugal

Entrevista com Acácio Pinheiro (Convergência/Bloco de Esquerda).

Revista Movimento 15 jun 2022, 16:16

Em Portugal, a Revista Movimento entrevistou Acácio Pinheiro, que se descreve como um velho militante trotskista, ligado à corrente morenista. Atualmente compõe o Bloco de Esquerda, através da Convergência e segue com entusiasmo a política do MES/PSOL no Brasil. Tivemos uma conversa sobre o período da Revolução do 25 Abril e os passos da nossa tradição política à época.

Revista Movimento: Como foi o início da sua militância?

Acácio Pinheiro: Foi com 15, 16 anos em 1972, com os católicos progressistas. Eu radicalizei com as questões da guerra colonial, com a divulgação de relatos de atrocidades, nomeadamente em Moçambique e também a seguir com o Golpe de Estado que fracassou mas terminou com o assassinato de Amílcar Cabral na Guiné. Mais tarde, já mais politizado, quando tivemos notícias do Golpe de Estado de Pinochet no Chile em setembro de 1973.

Comecei a militar nos movimento estudantil secundarista nos liceus e me tornei marxista, através da informação que me vinha chegando. Nessa altura, liguei-me a correntes de uma militância que veio a se tornar trotskista, ainda que não fosse claro à época. Nós fomos acompanhando correntes trotskistas, como o morenismo na Argentina e o SWP norte-americano.

Revista: Qual era o grupo que você compunha?

Acácio: Fizemos parte dos grupos estudantis ligados aos Comitês Toupeira Vermelha, que em final de 1973 se constituiu como LCI [Liga Comunista Internacional], do qual Francisco Louçã era dirigente. Nós éramos um grupo amplo que existia nos liceus, fazendo trabalho associativo e atuando em campanhas contra a guerra colonial e em solidariedade com o Chile.

Nós divergimos do caráter muito propagandista e de alguma maneira pouco interessado na atividade concreta desse grupo, já que éramos ativistas de liceu e de campanhas, mais ligados a agitação, digamos assim. Esse percurso nos distanciou da LCI e em junho de 1974 tivemos contato com Hugo Blanco e Gerry Foley, um americano que vinha do SWP, em visita política a Portugal.

Fomos tendo relações com o GMR [Grupo Marxista Revolucionária], que tinha um passado mais ilustre e antigo e com quadros, que hoje levou ao MAS [Movimento Alternativa Socialista], do qual fomos camaradas de João Pascoal e depois de Gil Garcia. A origem está todo aí, nos princípios de 70, com os movimentos associativos nos liceus e a presença da LCI nas universidades e um diálogo com as correntes internacionais, que nos trouxe ao PRT, que surge com uma concepção morenista através de dissidentes da LCI, membros do GMR e da UOR [União Operário Revolucionária] e militantes dos liceus.

Revista: Como vocês eram?

Acácio: Eu tinha uma equipe com Luís Leiria, fazíamos uma dupla interessante, eu com características de agitação, mais ativista, e ele com um pendor mais intelectual, fazendo propaganda. Trabalhamos em conjunto desde 1972. Ao 25 de Abril tínhamos um pequeno núcleo à nossa volta, que incluía o Valério Arcary, que foi nosso colega de liceu e mais alguns companheiros, que com a separação com a LCI ficaram do nosso lado. Valério ficou conosco e foi um dos dirigentes do PRT até 1977.

Foi uma geração que tinha cerca de 17 anos no 25 de Abril, nascidos em 1956 a 58 e estávamos a acabar o Liceu. Era um grupo muito jovem e uma dificuldade era que praticamente ninguém do partido [PRT] tinha direito de voto ainda. Na primeira eleição, só conseguimos nos candidatar em 4 distritos (Lisboa, Setúbal, Porto e Coimbra), onde estava concentrado o movimento estudantil. Os principais quadros podiam fazer campanha e não podiam ser candidatos. Já a Liga [LCI] tinha em média 10 anos a mais que nós. Não tivemos muitos votos, mesmo assim não foi mal, tivemos cerca de 5 mil votos e nas segundas eleições um pouco mais.

Revista: Como surgiram os primeiros passos do morenismoem Portugal?

Acácio: Realmente começa com o Hugo Blanco, que chega para testar a revolução. Eu e o Luís [Leiria] tivemos uma imensa sorte, quase que um destino, de sentarmos num debate sobre a Revolução Russa e a história das revoluções ao lado de um barbudo que estava no chão e que não falava português embora ia nos percebendo.

E nós sabíamos um pouco de castelhano por conta da revista Siglo XXI, do México, que tinha influência aqui. Ao meio da conversa percebemos que ele era um grande dirigente campesino, já tendo sido candidato e começamos a conversar. E por ter sido um ativista do campo e dos sindicatos, nos deslumbrou, que só tínhamos contatos com estudantes intelectuais, e por seu passado importante. Na altura tinha uma grande aproximação ao morenismo.

Com ele vinha um quadro dos Estados Unidos, Gerry Foley, um dos grandes editores da Intercontinental Press. Fiquei sempre mais tempo com o Hugo Blanco, que ficou quase um mês aqui. E o Luís Leria com o Gerry, porque falava inglês e se identificou com ele pelo jornalismo e que depois de regressar passou a nos enviar propaganda.Fizemos uma carta de apresentação ao PST argentino, ao partido mexicano e ao australiano, por sugestão do Hugo Blanco. Depois de cerca de um mês, o PST argentino mandou o Aldo Casas e a Lidia, que nos ajudaram a construir e organizar o partido. Passado algum tempo,talvez dois anos, vieram os brasileiros, que não correu muito bem, por serem pouco estruturados como morenistas. E mais tarde o Pedro, o vosso Pedro [Fuentes]. Com quem trabalhei bastante porque era um homem mais obreirista, mais interessado na penetração no movimento operário e nos sindicatos. Dirigiu a nossa campanha de proletarização, de colocar os jovens nas fábricas e sindicatos. Algo que não correu muito bem por conta das circunstâncias, porque fomos parar em sindicatos pouco politizados, com trabalhadores bastante atrasados do interior do país, porque achamos que seria mais fácil pelo PC não estar lá. Mas foi uma experiência importante. E daí se forjaram muitos dos dirigentes que durante uma década ou duas foram construindo o partido.

Revista: E o Moreno?

Acácio: Moreno veio duas ou três vezes, nunca esteve muito tempo. Quem nos dava mais assistência de topo era o MarioDoglio, veio para Europa representar o morenismo, no período em que houve a ligação com o mandelismo. Um teórico, e que fazia bem a formação de quadros, com cursos mais adiantados, com velhos documentos da Argentina.

Tivemos um período que eu reputo pouco interessante, após a fusão e pouco mais tarde a separação com os mandelistas[LCI] quando nós, os morenistas, nos juntamos aos franceses, com o Lambert, que esteve aqui e fez uma unificação que não correu muito bem. Isso levou a praticamente ao dispersar do nosso grupo, em que parte entrou no partido lambertista [POUS], que era menor que nós e com uma tradição completamente diferente, outra que foi para o PSR [Partido Socialista Revolucionária], com o Francisco Louçã, e nós que não aderimos a nenhum.

Depois durante uns anos tivemos um período relativamente mal, perdendo os principais dirigentes, os quadros, por se profissionalizarem não como militantes mas como acadêmicos. Passados dez anos do 25 de Abril, Luís Leiria já tinha ido ter com Valério para o Brasil. Já que em Portugal a Revolução arrefeceu e a situação no Brasil estava favorável com as Diretas Já. Outros foram para a universidade.

Nos reagrupamos outra vez a partir da queda do muro de Berlim, quando pensamos que as revoluções políticas iriam vir, algo que não se verificou. Os partidos se foram mas o morenismo de alguma maneira ficou. Fomos educados na casa dos 20 anos pela política, pelos textos, pela visão do morenismo e seus grandes quadros que passaram por aqui.

Revista: Como foi essa relação?

Acácio: Os quadros mais importantes vinham à Europa com uma grande frequência no momento em que houveram acordos com o mandelismo. Os latinos americanos vinham, ficavam 2 ou 3 dias em Portugal, e se reuniam com a direção e depois iam para França ou Espanha. E deu para conviver com muita gente. Houve uma altura que o Moreno apostou nos brasileiros, numa organização que estava a aparecer [a Convergência Socialista no PT] e que deu no que hoje é o PSTU e parte do MES e outros setores do PSOL. Também com os colombianos, com um grupo que era meio esquerdista e castrista, mas que era grande e veio aderir ao morenismo.

Fizeram um truque que costumavam a fazer quando apanhavam um grupo já com algum número, promoviam os dirigentes para a Europa, para dar proeminência e espaço no SU [Secretariado Unificado da IV Internacional], como uma forma de ficar com o partido livre para atuar sobre a base com quadros argentinos. E quando eles regressavam da Europa, já não eram mais os líderes do partido.

Revista: E quais foram os rumos de vocês?

Acácio: Nós tivemos percursos diferenciados depois. Luís Leiria foi para o Brasil, José Luís Garcia, que era do nosso grupo, se tornou um acadêmico. Fui um dos poucos que me recusei a entrar no lambertismo [PST], inclusive numa briga com Moreno e Lambert que estavam aqui na época. Nos anos 90, entrei na Política XXI com o Miguel Portas e os dissidentes de esquerda do PC, depois acabamos por ser fundadores do Bloco, com o Luis Leiria, entretanto de regresso a Portugal. O Gil Garcia e o João Pascoal romperam também com os lambertistas, fizeram um grupo chamado LST [Liga Socialista dos Trabalhadores] e depois a FER [Frente de Esquerda Revolucionária] e a Ruptura, no movimento estudantil. Antonio Louçã tinha um grupo pequeno e se relacionava com todos.

Reagrupamos todos no Bloco de Esquerda, na fundação, com o PSR e o Política XXI e com a entrada da FER, que em 2011 veio a romper e fundar o MAS. Temos hoje um certo afastamento da maioria, com a Convergência. E o grupo majoritário é composto por um grupo de origem mandelista ligado ao Francisco Louçã, que codirige o bloco, mas onde permanecem vários morenistas, nomeadamente o Luis Leiria.

Revista: Se você pudesse dar um recado pra nova geração que começa militar hoje em Portugal, o que diria?

Acácio: É algo que guardo da minha experiência, que de alguma maneira caracteriza os trotskistas e muito particularmente os morenistas. A questão mais importante é a independência de classe, ter noção de que os trabalhadores só se libertarão por suas próprias mãos. Não podemos ter muita confiança nem fazer grandes acordos políticos com grupos que, ainda que progressistas, não sejam classistas. Algo que vejo hoje em dia o MES apresentando, que é a capacidade de compreender que podemos lutar juntos, mas que devemos marchar separados mantendo a nossa bandeira levantada.

Outro ponto é a importância dos princípios, que começa com a independência de classe e com princípios de natureza moral e organizativa. O respeito pelos e pelas camaradas, a integridade moral, a luta contra a burocracia, manter a ligação com a classe.

A terceira questão tem muito a ver com o Moreno. A importância das táticas e flexibilidade, para não nos tornarmos seitas e demasiado ideológicos que sempre nos levam a estar contra tudo e todos. A capacidade de perceber os sentimentos das pessoas, de conseguir falar com elas, trabalhar com elas, sem fazer nenhuma concessão dos princípios. Tendo noção de que é preciso trabalhar com a massa em seus organismos, salvaguardando os princípios. E ter fé, é preciso ter fé no futuro da humanidade, o marxismo é uma forma de fé. Lutamos por algo que não se pode provar de antemão e que nos leva a levantar de manhã e fazer qualquer coisa pelos outros


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Pedro Micussi