O que a vitória da chapa É Tudo pra Ontem no DCE Livre da USP diz para a esquerda brasileira
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O que a vitória da chapa É Tudo pra Ontem no DCE Livre da USP diz para a esquerda brasileira

E por que o Movimento Estudantil não pode se limitar a somente apoiar Lula e esperar as eleições de outubro

Bruno Mahiques 16 jun 2022, 15:26

Nos últimos dias 07, 08 e 09 de junho ocorreram as eleições para o DCE Livre da USP. A chapa É Tudo pra Ontem, construída pelos movimentos Juntos, Correnteza, UJC e Ecoar, além de estudantes independentes, foi eleita com a maioria absoluta dos votos – 6209 (61,96%). Depois de quase cinco anos tendo as gestões Nossa Voz (compostas por diversas juventudes do PT, UJS, Levante Popular da Juventude e JPL) à frente do DCE, os estudantes da USP optaram em sua maioria por eleger uma gestão mais à esquerda para conduzir a entidade. Diante disso, é necessário extrair conclusões do que levou a essa reviravolta no Movimento Estudantil da USP.

Em 2022 se completam 5 anos da conquista das cotas na USP, uma das maiores conquistas da história da universidade, que vem aproximando o perfil dos estudantes da universidade do perfil da juventude brasileira. Esta conquista tem trazido cada vez mais as necessidades gerais da juventude para dentro da universidade e para dentro do Movimento Estudantil, dando relevância às lutas pela permanência estudantil e pelas condições de permanecer na universidade, e aproximando as pautas do movimento estudantil das necessidades concretas da maioria da juventude brasileira.

A crise multifacetada que vivemos afeta de forma mais profunda os jovens, comprimindo as perspectivas de futuro de uma geração. Desde 2016, são mais de 20% dos jovens de 18 a 24 anos que estão desempregados, e entre os empregados é cada vez maior o número de empregos precários, sem qualquer garantia de direitos ou perspectiva de se aposentar, especialmente para a juventude negra. E se o presente é de incertezas, o futuro não traz melhores esperanças: depois de dois anos da pandemia do COVID que levou mais de 650 mil vidas no Brasil e alterou completamente as formas de socialização, vemos uma guerra de proporções internacionais trazer de volta aos noticiários o debate sobre as armas nucleares. Além disso, seguem se aprofundando as mudanças climáticas, com os dados recentes que mostram uma maior probabilidade de que o mundo fique, nos próximos 5 anos, 1,5ºC mais quente que na era pré-industrial.

Toda essa situação se intensificou com os anos de Governo Bolsonaro e sua agenda autoritária e ultraneoliberal. Se por um lado, o governo tem buscado desregulamentar qualquer impeditivo a uma exploração mais intensa dos trabalhadores e a uma espoliação dos recursos naturais, agindo em nome dos grandes latifundiários, banqueiros e bilionários que querem manter suas elevadas taxas de lucro; por outro, busca a todo momento criar as condições para impor um regime autoritário no Brasil, aparelhando instituições, verbalizando elogios aos crimes da ditadura militar, e normalizando a agenda de genocídios protagonizados ou apoiados pelo Estado, como as chacinas racistas promovidas pelas polícias nas favelas brasileiras, além do recém desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.

É contra todo esse cenário que a juventude tem protagonizado os principais processos de luta no Brasil desde as grandes manifestações de 2013. Depois de grandes mobilizações das mulheres por todo o país no Ele Não ainda nas eleições de 2018, foram os estudantes que ocuparam, às centenas de milhares, as ruas do Brasil no Tsunami da Educação contra os cortes nas universidades e as primeiras ameaças golpistas de Bolsonaro. Em 2020, inspirada na onda de protestos antirracistas nos Estados Unidos, a negritude foi às ruas, mesmo em meio à pandemia, para parar a escalada golpista de Bolsonaro. E no ano passado, após o assassinato de 13 jovens negros durante uma ação militar no Jacarezinho e diante do escândalo na compra de vacinas, os jovens foram parte da jornada de manifestações contra Bolsonaro que reuniu centenas de milhares por todo o país. Além disso, a juventude foi linha de frente da construção de diversas campanhas de solidariedade, do apoio às lutas das trabalhadores da saúde e dos trabalhadores de aplicativos por melhores condições de trabalho, e na luta em defesa da Amazônia e dos povos originários. Esse conjunto de elementos trouxe a toda uma geração a conclusão comum de que 2022 é o ano decisivo para a derrota de Bolsonaro, e foi sob esse marco que ocorreram as eleições do DCE Livre da USP.

Podemos dizer que permearam as eleições duas questões principais: a primeira é sobre como o DCE deveria se apresentar para resolver os problemas concretos e imediatos dos estudantes, especialmente a respeito das demandas de permanência estudantil; a segunda é sobre como o Movimento Estudantil deveria se organizar para derrotar Bolsonaro num ano decisivo como o que vivemos. Vejamos a resposta que cada uma das principais chapas apresentou.

A chapa Nossa Voz (1141 votos), composta por militantes da juventude PTista Disparada, buscou se apresentar, assim como nas eleições anteriores à pandemia, como a chapa das propostas concretas. Seu argumento central passava por reivindicar inúmeras conquistas – muitas delas desconhecidas dos estudantes – obtidas pelas última gestão, apresentando uma ideia de que seria suficiente ter uma gestão eficiente e cheia de propostas para que se resolvessem os principais problemas dos estudantes, e que para tirar Bolsonaro deveríamos votar em Lula; mais que isso, não seria necessário apostar no Movimento Estudantil como ferramenta para garantir grandes conquistas, já que tanto para a derrota de Bolsonaro quanto para as conquistas da universidade bastaria que eles fossem eleitos.

A chapa Por Todos os Cantos (1145 votos), formada por outras juventudes PTistas, pela UJS, pela JPL e pelo Levante Popular da Juventude, todos coletivos que integraram a última gestão Nossa Voz, se apresentou de forma dúbia: ora reivindicavam supostas conquistas da gestão, ora se apresentavam como oposição, mas sem propor grandes iniciativas para o Movimento Estudantil, e apresentando somente o voto em Lula para derrotar Bolsonaro.

A chapa USP Sem Medo (825 votos), conformada pelos coletivos Afronte e RUA, se apresentou nas eleições com um perfil próprio mesmo após reiterados convites para que fossem parte de uma chapa unitária de oposição. Sua política partia do pressuposto de que não havia espaço para se discutir temas mais internos ao movimento estudantil porque não havia ocorrido luta massiva na universidade no último período. Assim, optaram por afirmar a necessidade do voto em Lula como parte da necessidade de esperançar o futuro, sem apresentar uma perspectiva de Movimento Estudantil categoricamente oposta às últimas gestões da entidade.

Vencedora das eleições com mais de 6 mil votos, a chapa É Tudo pra Ontem foi parte da construção das principais lutas internas da universidade desde o início do ano, o que rendeu a maior chapa inscrita no processo eleitoral, com mais de 800 membros e apoiadores. Nas eleições, buscou conectar as lutas pela permanência estudantil com a necessidade de um novo DCE, que expressasse, tanto no perfil mais popular e enegrecido, quanto no método da aposta na mobilização, a nova geração que ocupa a universidade depois das cotas. Para derrotar Bolsonaro, apontou Lula como o candidato mais viável para derrotá-lo eleitoralmente, sem invisibilizar outras candidaturas da esquerda que se apresentam no primeiro turno, mas apostou na chave da mobilização de rua como o principal método para derrotar a extrema-direita, e na necessidade de um DCE independente de qualquer governo e reitoria. 

Em síntese, podemos dizer que foi derrotada nas eleições uma avaliação – majoritária hoje na esquerda, e expressa, de formas diferentes, nas três primeiras chapas apresentadas aqui – de que vivemos uma grande derrota histórica no Brasil e no mundo, e que não é possível almejar uma saída que vá além de eleger um novo governo de conciliação de classes no Brasil. Essas chapas avaliaram que há muito poucas brechas para apostar numa mobilização independente a partir de baixo, e que devemos aceitar Lula e o PT como os principais líderes da esquerda.

Em contrapartida, foi majoritariamente vitoriosa a ideia de que vivemos sim uma crise profunda e inúmeros ataques contra a classe trabalhadora e a juventude, mas que existe espaço para construir algo novo, a partir de baixo, que não se limite a agitar o voto em Lula no primeiro turno de forma acrítica e descolada da necessidade de organizar mobilizações concretas para derrotar Bolsonaro.

A necessidade do voto em Lula no primeiro turno é fruto dos limites que tiveram as mobilizações de 2021 que não derrubaram Bolsonaro – alguns deles impostos pela própria direção do PT, que buscou orientar o sentido da mobilização para a disputa eleitoral, e não para a massificação e intensificação dos atos. Trata-se de um voto pragmático para a derrota eleitoral de Bolsonaro diante de um adiantamento da polarização eleitoral para o primeiro turno, e da possibilidade da derrota de Bolsonaro sem precisar levar a disputa até o segundo turno.

Mais que isso, o voto em Lula não pode vir desvinculado da aposta na indignação social crescente como combustível à mobilização para derrotar a extrema-direita, como faz a direção do PT e como fizeram as duas chapas PTistas nas eleições da USP. A mobilização social é necessária para não só derrubar Bolsonaro, mas para que ele e seu governo sejam julgados e presos pelos crimes que cometeram; do contrário, abriremos espaço para que ele tente organizar uma aventura golpista mesmo diante de uma provável derrota eleitoral.

Para dar conta dessa necessidade, é necessário construir uma esquerda anticapitalista, que supere os limites da experiência PTista, e não se resuma a aceitar a miséria do possível, o toma lá dá cá das negociatas por cima expresso na própria composição da chapa Lula-Alckmin. Para isso a vitória da chapa É Tudo pra Ontem é uma grande conquista. Acreditamos que o Movimento Estudantil e o DCE da USP devem ser ferramentas dos estudantes, independentes a qualquer governo, inclusive a um eventual Governo Lula em 2023, e confiamos que os coletivos da chapa USP Sem Medo, mesmo tendo optado por se apartar desse grande movimento que ocupou o DCE Livre da USP, irão se somar nessa batalha.

Vida longa ao Movimento Estudantil combativo e às lutas da juventude. Viva a juventude anticapitalista do Juntos! E bora pra luta porque É Tudo pra Ontem!


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