Contribuição sobre a América Latina
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Contribuição sobre a América Latina

Pedro Fuentes analisa a nova onda de ascenso latinoamericana e os novos governos do chamado progressismo.

Pedro Fuentes 3 ago 2022, 09:10

Esta minuta pretende ser uma contribuição para o debate sobre a nova onda de lutas e os novos governos que estão surgindo em nosso continente.

1 Duas grandes ondas de ascenso na América Latina

Neste século XXI, tivemos duas grandes ondas de revolta em massa na América Latina. A que começou nos anos 2000 com as insurreições ou rebeliões no Equador, Argentina, Bolívia e a derrota do golpe na Venezuela, cuja expressão política mais visível foi o bolivarianismo. E mais de uma década depois, uma nova onda anunciada nas mobilizações de 2018 (Nicarágua, Porto Rico, Haiti), e que se desenvolveu fortemente em 2019 nas mobilizações andinas do Equador, Chile, Bolívia, Peru e depois Colômbia, e mais recentemente Equador novamente e a que agora está em andamento no Panamá.

Ambas as ondas de rebeliões ou insurreições deixaram marcas profundas nos países, o que explica os resultados eleitorais subsequentes. Com exceção do Equador nas eleições de 2021, em todos os casos surgiram novos governos, diferentes dos governos burgueses dos partidos tradicionais, que foram genericamente chamados de “governos progressistas”, embora, como veremos, eles foram e são diferentes.

Ver a continuidade – os elementos comuns a estas duas ondas – e a descontinuidade – os elementos diferentes ou novos – entre os dois processos é um exercício indispensável de análise para definir a atual situação latino-americana, para ver suas desigualdades e contradições com o objetivo de especificar a política e as tarefas que são estabelecidas, assim como para fazer prognósticos sobre sua perspectiva.

2 A década de 2000.

Da ascensão das massas neste período de grandes mobilizações, rebeliões semi-insurrecionais ou insurrecionais (lembre-se dos levantes argentinos, dos levantes no Equador, da Guerra da Água e da derrota de Losada na Bolívia, da derrota do golpe na Venezuela…), surgiram dois tipos de governos que podemos diferenciar claramente. Os de Lula, Mujica, Bachelet, Kirchner que podemos caracterizar como conciliação de classes, já que fizeram algumas reformas ou concessões sem tocar nos regimes e muito menos no sistema de dominação imperialista. Em um extremo deste tipo temos o governo Lula, que era claramente social liberal e integrou em seu gabinete verdadeiros representantes burgueses do agronegócio, da indústria e dos bancos. Também consideramos o governo de Kirchner como fazendo parte deste tipo de governo, embora neste caso ele tenha tido atritos com a burguesia agrária. Entretanto, o denominador comum de todos eles é que permaneceram dentro da estrutura dos antigos regimes democráticos burgueses e sem medidas econômicas que tocaram substancialmente a burguesia ou o imperialismo.

Por outro lado, os governos de Chávez, Evo Morales e Correa, especialmente os dois primeiros, fizeram uma ruptura política com a burguesia, ou seja, mudaram os regimes políticos mesmo que o Estado permanecesse burguês, e do ponto de vista econômico realizaram nacionalizações chaves, como no caso da energia. A Bolívia alcançou o estado plurinacional, que foi rapidamente reconquistado após o golpe de Estado de 2019. Contra aqueles que colocaram todos os governos que surgiram em 2000 como iguais ou no “mesmo saco”, é preciso lembrar que o Brasil sob Lula desempenhou um papel para deter o desenvolvimento do bolivarianismo e agiu como um sub-imperialismo. Os processos mais avançados (Equador, Bolívia, Venezuela) foram uma continuação das insurreições ou processos revolucionários democráticos populares que derrubaram os governos burgueses tradicionais no Equador e na Bolívia. Na Venezuela, foi o Caracazo de 1989 que antecipou o Chavismo que ganhou força com a derrota do golpe militar de 2002; no Equador, as rebeliões de 1998 e depois de 2000. Na Bolívia foi a Guerra da Água (2003) e depois a revolta cocalera que derrubou Losada (2005), o “argentinazo” de 2001, que deu origem ao Kirchnerismo, um governo burguês à esquerda de Lula.

Os governos anti-imperialistas radicais (Evo, Correa, Chávez), como os de maior conciliação de classe e liberais sociais (Lula, Bachelet, Mujica, Kirchner) foram processos relativamente estáveis, ou seja, duraram quase uma década ou chegaram perto disso. Como já dissemos, os sociais liberais ou os de conciliação fizeram meras reformas ou concessões; os radicais tomaram medidas econômicas (nacionalizações) e modificaram os regimes políticos com novos constituintes.

3 As condições favoráveis da primeira onda

Esta primeira onda ocorreu em meio a duas condições favoráveis. Por um lado, havia a situação econômica do aumento dos preços mundiais das commodities, que proporcionou o vento de cauda para quase uma década de crescimento do PIB. E por outro lado, no início, houve a derrota da ALCA, um plano de semicolonização ianque, que foi rejeitado graças à ascensão das massas e também porque os setores burgueses se opunham a ele. Com isso, há uma retirada do imperialismo americano, embora mantenha sua influência no norte e no centro da América Latina. Nessa época, o imperialismo chinês também se torna mais presente, o que significa uma nova situação geoeconômica na América Latina que continua até hoje (o imperialismo chinês começou a fazer investimentos especialmente no extrativismo mineiro, embora também esteja na indústria e no setor financeiro). Em qualquer caso, não se pode ignorar que, apesar de seu declínio, o imperialismo americano continua a ter a principal influência política e econômica.

4 Esta situação crescente na América Latina produziu a alternativa bolivariana

O Chavismo foi uma liderança com um programa anti-imperialista de integração latino-americana, nacionalização e uma economia mista. Diante disso, em diferentes momentos, praticamos uma política anti-imperialista de frente única, apoiando medidas progressistas sem perder nossa independência política. Esta liderança levou adiante o projeto ALBA, que, embora limitado a alguns países, quebrou o isolamento de Cuba. A possível integração latino-americana foi retardada pela política a serviço da grande burguesia e especialmente pelo governo brasileiro.

O destaque deste período foi o surgimento de uma vanguarda anti-imperialista e anti-capitalista entusiasta (lembre-se que Chávez falou do socialismo do século XXI). O PSOL com suas próprias características fez parte deste processo, e nós participamos ativamente dele.

5 A situação reacionária

Os governos reacionários de Piñera, Bolsonaro, Uribe-Duque, Macri, aos quais devemos acrescentar Maduro e Ortega (por que não a virada mais repressiva do regime cubano?), são mais do que um mero interregno acidental entre duas ondas. Seria uma análise fácil e linear considerá-los como tal. Há uma interrupção importante onde o triunfo de Trump, os golpes reacionários em Honduras, Paraguai e depois no Brasil aparecem. Se o compararmos com o período neoliberal dos anos 90, este período reacionário foi mais curto, instável e desigual. Uma das características fundamentais é que o autoritarismo com características neo-fascistas está emergindo em escala global e também na América Latina. Esta é a consequência de vários fatores combinados:

a) a crise econômica de 2008, que chegou tarde à América Latina, mas que o fez de forma devastadora, à qual se acrescentou então a gravíssima crise sanitária da COVID;

b) a crise dos regimes políticos alternados dos partidos tradicionais, que já estavam sofrendo o golpe da ascensão dos anos 2000;

c) o declínio do progressivismo, em particular o fechamento do ciclo progressivo do Chavismo na Venezuela, principalmente com a morte de Chávez.

Estes elementos: crise econômica (agora uma combinação de inflação e estagnação do PIB), crise de regime, decadência do “progressivismo”, mais fluxos migratórios, o crescimento das igrejas evangélicas, são componentes que levam setores da classe média, trabalhadores e setores populares a aderir a uma ultra-direita que permaneceu em estado latente, a revitalizar-se e dar origem a governos de ultra-direita com características neofascistas. Este autoritarismo neofascista tornou-se uma nova realidade que perdura mesmo que, como veremos, a nova onda os esteja deslocando do poder.

6 A nova onda de ascenso. Triunfos essencialmente democráticos com novas características

O mapa da América Latina começou a ser tingido com novas mobilizações que, como veremos, tinham muitos pontos em comum com a onda de ascensão anterior. Grandes mobilizações, semi-insurreições e rebeliões que enfrentaram governos de direita se repetiram. A revolta indígena e popular no Equador, a prolongada situação de insurreição no Chile, a mobilização liderada pelos trabalhadores mineiros que derrotaram o governo golpista de Añez, as mobilizações de camponeses e trabalhadores populares peruanos que não tiveram a mesma magnitude das anteriores, a greve geral e a rebelião popular na Colômbia com o epicentro posterior na cidade de Cali. Em seu fluxo e refluxo, eles novamente deixaram sua marca para que novos governos pudessem triunfar sobre os mais reacionários da direita no poder.

Estes foram importantes triunfos democráticos. Se iniciarmos uma certa cronologia encontramos primeiro o triunfo de Lopez Obrador contra o antigo regime, herdeiro do PRI (Partido Republicano Popular) no México, podemos incluir com dúvidas Fernandez contra Macri na Argentina, Castillo sobre Keiko no Peru, Boris sobre Piñera e Katz no Chile, talvez o mais convincente de Arce na Bolívia derrotando o golpe e o esmagando no terreno eleitoral, Xiomara Castro em Honduras, Petro na Colômbia sobre o Uribismo, e o provável triunfo de Lula no Brasil. No Equador, este triunfo não foi alcançado devido à política divisionista (objetivamente pró-Lasso) de um setor de Pachakutik.
Tendo o denominador comum de serem triunfos democráticos contra o direito neoliberal ou autoritário-neo-fascista, eles não têm a mesma origem. Enquanto Lula é um velho conhecido das classes dirigentes, na Colômbia temos um ex-combatente guerrilheiro, no Peru um professor e no Chile um ex-líder estudantil.

7 A continuidade com os 2000

Os elementos de continuidade, os pontos em comum com a primeira onda, encontram-se na situação de crise social devido às medidas de ajuste que trazem como consequência o descrédito dos governos e a situação de crescente agitação social que atinge o ponto de explosividade. Como em 2000, ocorreram grandes mobilizações e rebeliões democráticas populares. Como na primeira onda, os resultados eleitorais seguem um processo de mobilização, rebeliões e insurreições populares.

8 As diferenças

Compartilhamos a alegria dos triunfos alcançados. A derrota das direitas não é pouca coisa; significa mais liberdades democráticas para o movimento de massa. Entretanto, é necessário evitar exageros sobre o alcance dos novos governos, dar-lhes um contexto, apontar suas contradições e possíveis limites, questionar aqueles setores da esquerda que idealizam o progressivismo e já tomam por certo o nascimento de um novo período de profundas reformas e bem-estar para os trabalhadores e o povo, bem como uma nova integração latino-americana. A situação não é a mesma que na primeira onda.

a) Existe agora uma crise multidimensional. Já se passaram quase 20 anos. O quadro em que vivemos nesta nova onda é o de uma crise maior do capitalismo, caracterizada como multidimensional, onde a crise econômica, social e política está interligada e agravada com a pandemia da COVID e agora com o agravamento de uma luta inter-imperialista com a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Esta guerra traz consigo mais desordem e caos mundial e até mesmo a ameaça de uma guerra nuclear. Nesta situação vivemos em um mundo de instabilidade, crise permanente e incertezas (em poucas horas tivemos a demissão de Boris na Inglaterra, o assassinato de Abe no Japão e a saída precipitada do presidente do Sri Lanka quando os manifestantes estavam invadindo a sede do governo).

b) As exigências e os temas sociais foram ampliados. Deve-se dizer que os temas sociais se tornaram mais amplos, a começar pelo papel de liderança das mulheres e suas demandas. As demandas dos povos originários, a luta racial e a defesa da natureza também foram incorporadas mais claramente, além da luta dos trabalhadores, especialmente os trabalhadores de serviços. Isto também leva à necessidade de dar um salto maior em termos de demandas agregadas e sujeitos sociais ativos. Entretanto, o caráter democrático, os slogans da diversidade das exigências são acrescentados, mas ainda falta uma “espinha dorsal” para todo o conjunto de exigências. No passado, este papel era desempenhado pelo proletariado, especialmente o proletariado industrial. Mas agora estamos passando por um processo de desindustrialização que enfraqueceu o que costumava ser a espinha dorsal. Isto está acontecendo nos países andinos e em geral em toda a América do Sul; talvez não no México e em alguns países da América Central onde os EUA investiram em maquiladoras para substituir parcialmente as importações da China. A esquerda anti-capitalista tem que aprender a conviver com esta situação, sem, é claro, abandonar sua inserção e política em relação aos trabalhadores e trabalhadores de serviços que são fundamentais, mas sem ser esquemáticos, incorporando os novos sujeitos e as novas formas de poder que possam surgir.

c) Há mais polarização social e as mobilizações sofreram muita repressão. O autoritarismo não acabou com os triunfos democráticos. Embora tenha perdido terreno, não foi esmagado e pode ser reanimado, como parece ser o caso de Trump nos EUA. Tornou-se um novo inimigo do movimento de massa que deve ser levado em conta no presente e no futuro.

Em 2000, como agora a partir de 2019, houve repressão. Entretanto, na nova onda foi mais intensa e persistente como consequência da implantação que a direita alcançou em um setor da classe média, especialmente na classe média alta que a apoia. Ao mesmo tempo, temos agora uma corajosa, persistente e radicalizada vanguarda de massas que enfrenta a repressão de governos que matam manifestantes e ferem milhares de pessoas.

d) A liderança do progressivismo desempenhou um papel de retaguarda e/ou de coibição nas mobilizações. Na Colômbia, as lideranças sindicais burocráticas e as lideranças do progressivismo estavam a meio caminho entre elas (lembremos que Petro e o prefeito de Bogotá se pronunciaram a favor do levantamento das medidas depois que o governo decidiu parar a reforma tributária). No Chile, quando a mobilização também estava em alta, a Frente Amplio, Convergencia Social e a Concertación (com exceção do PC) entraram no pacto constitucional que permitiu deter a mobilização.

e) Não surgiu nenhuma liderança que se tornasse uma alternativa, seja em nível regional ou por país. Se a primeira onda deu origem ao processo do bolivarianismo, que com suas limitações foi uma liderança que reuniu amplos setores da vanguarda do movimento de massas e as próprias massas na Venezuela, nesta segunda onda isso não aconteceu. Apareceu uma ampla e muito militante vanguarda que enfrentou corajosamente a repressão e assumiu consignas radicais, mas este processo não evoluiu para uma liderança alternativa; se evoluiu, foi um fenômeno parcial ou local.
Um fator que deve ter influência neste déficit é o agravamento da própria crise, que por um lado exige um programa anti-capitalista, mas por outro está passando por uma crise de programa, como consequência da regressão da consciência, que é ainda agravada pela situação na Venezuela, que é vista como o fracasso do bolivarianismo ou do socialismo do século XXI. Por outro lado, há a adaptação à democracia burguesa de amplos setores da velha vanguarda e temos que reconhecer a fraqueza da extrema esquerda e do trotskismo nestes processos.

f) As lideranças dos governos que emergem são menos hegemônicas tanto em sua relação com o movimento de massa quanto com a vanguarda. Embora as expectativas e o apoio variem de país para país, há menos apoio incondicional e mais reservas. No caso do Chile, isso ficou evidente na votação de Boric entre o primeiro e o segundo turno. Boric não surgiu de uma continuidade linear de mobilização, mas participou da concertação. No Peru, o apoio popular a Castillo está se dissipando rapidamente; na Argentina já foram vários anos de experiência com Fernandez e no Brasil sabemos que o PT como corpo perdeu o apoio orgânico no movimento, mas não a figura de Lula.

9 Os novos governos

A situação que descrevemos significa que os governos que surgiram (Peru, Chile, Colômbia) são mais frágeis, mais precários e instáveis do que os do período anterior. Objetivamente falando, a situação de crise e a falta de margens tornam necessário tomar medidas de longo alcance: a moratória da dívida, a tributação de grandes fortunas, a reforma agrária são algumas delas, e elas se depararão com dois obstáculos para lidar com elas: a crise de programa que está atrasando a vanguarda de massas e, mais importante, os próprios governos que, temerosos de contar com a mobilização latente de onde vêm, preferem aliar-se ao centro (os partidos mais democráticos que defendem os regimes burgueses; os liberais na Colômbia, Concertação no Chile, Tucanos no Brasil), para administrar o Estado e se dissociar da direita, tentando meramente restabelecer os regimes burgueses-democráticos.

Esta pressão em direção a “frentes democráticas para governar” existe em todo o continente. Entretanto, não podemos colocar um sinal de igualdade entre todos os países, existem desigualdades, mas no campo político os governos (independentemente de suas diferentes origens) aparecem com políticas mais semelhantes entre eles do que as da onda de 2000. Em geral, todo o chamado progressivismo tende para a conciliação. Dizemos tendência porque em todos os casos eles não são processos cristalizados. O movimento de massa pode irromper (como em junho de 2013 no Brasil ou recentemente no Equador), e modificar o curso. Vejamos estas características em alguns países.

No Peru, um ano depois de tomar posse, o governo está na corda bamba. Perdeu o apoio de um setor das massas, seu desprestígio está crescendo por causa de sua ineficácia e corrupção, e está sofrendo a ofensiva da direita. Castillo é caracterizado como um governo que não vai para nenhum lado; não é apoiado pelas massas e a burguesia o despreza. Um setor da esquerda está começando a levantar o slogan “que se vayan todos”, que parece estar errado porque joga nas mãos da direita, mas que em todo caso indica a crise na qual o governo e o país estão imersos. É um governo que está “na corda bamba” e é pouco provável que termine o seu mandato.

No Chile, as possibilidades de um governo que toma medidas progressivas e aperta a corda com os setores burgueses parecem estar, por enquanto, fechadas. Boric tem seguido até agora uma política conciliadora que o tem desacreditado (de acordo com pesquisas, ele tem uma taxa de aprovação de 33%). O fato de não ter libertado os presos e de ter estabelecido um regime de exceção na zona de conflito com os mapuches deve ter desmoralizado o setor mais militante que já tinha sua desconfiança lógica em relação à sua política do acordo parlamentar que desmantelou a mobilização. Por sua vez, a nova constituição, que tem pontos progressivos, em particular a reforma das aposentadorias e pensões, a igualdade de gênero e as exigências dos povos nativos, está sob a ameaça real de permanecer no papel por enquanto. O voto NÃO parece forte nas urnas. Não podemos descartar a vitória por causa da desmobilização e desapontamento de um setor com Boric. Seria um grande revés para a etapa iniciada em 2019. Se o SIM vencer (o que poderia ser especialmente devido ao voto das mulheres), os ganhos democráticos e feministas podem ser consolidados dentro dos limites do sistema, mas com um regime diferente como resultado das reformas acima mencionadas. Um período de exigências se abriria para que o governo e o parlamento as implementassem.

A Bolívia foi o país onde o triunfo democrático mais ressoou em todos os sentidos, especialmente na defesa do estado plurinacional. Neste país, o interregno reacionário foi breve. Também aparece como o governo mais estável, talvez como consequência deste triunfo e por causa de sua situação econômica (gás e lítio). Não sabemos se as lutas dentro do MAS são por causa do aparato estatal ou diferenças políticas, mas elas indicam o mal-estar que existe no partido do governo.

A Colômbia foi um triunfo democrático sobre o antigo regime e em particular sobre o Uribismo e sua continuação em Duque, que é uma aliança dos setores burgueses com traficantes de drogas, proprietários de terras e paramilitares, um regime que praticou o paramilitarismo com milhares de mortes. O curso do governo, que ainda não tomou posse, parece estar aberto. Uma primeira tarefa democrática será o desmantelamento deste aparelho. Petro-França estão propondo um “grande acordo nacional” e a Petro já se reuniu com Uribe. Existe um genuíno sentimento de paz na Colômbia, o que ainda não está claro é qual será a política do governo para levá-la adiante. A tarefa de desmantelar o aparato repressivo do Estado será difícil, a não ser que ele recorra à mobilização social. O que já foi alcançado é a chegada de uma mulher negra das comunidades mais pobres como vice-presidente. Isto fortalece o movimento negro colombiano e latino-americano.

A Argentina é talvez o elo mais fraco, onde se concentra a maior crise e o consequente empobrecimento e fome das massas, como resultado dos planos de ajuste ditados pelo FMI. O governo foi deixado muito fraco, e a experiência com Alberto Fernandez é avançada, mas não na mesma medida com Cristina e o Kirchnerismo, que aparecem como uma ala diferenciada do governo. Um setor dos piqueteros já saiu deste cerco, o que reforça o movimento piquetero onde setores da FIT(U) têm força, o que por sua vez teve um importante avanço eleitoral. A FIT(U) ainda é apenas uma frente eleitoral. Seria um passo importante para os trabalhadores da Argentina se ela se tornasse uma organização ou partido político que reunisse toda a esquerda daquele país para oferecer uma alternativa independente para enfrentar o governo, o Macrismo e a ascensão da direita proto-fascista de Milei.

No Equador, mais uma vez o movimento indígena realizou uma greve de 17 dias e um bloqueio de estradas que obrigou o governo Lasso a negociar. Lasso evitou sua queda porque um setor de Pachakutik não votou a favor de sua demissão no parlamento. Por outro lado, parece que desta vez houve menos apoio da classe média urbana para a mobilização indígena, confirmando assim a tendência de polarização com um setor que se move para a direita. O resultado foi um relativo triunfo para o movimento indígena e popular, como continua Lasso e tentará retornar com suas medidas.

10 Um período de ascenso favorável ao movimento de massa

Há uma mudança favorável no movimento, cujo futuro não está categoricamente definido. Pensamos que este período, com suas contradições, não terminará imediatamente. Seu ritmo dependerá de novas vitórias ou derrotas parciais como o resultado do plebiscito constitucional no Chile. O quadro geral é de luta de classe aberta e a recente mobilização no Panamá confirma isso. A crise continuará a desencadear mobilizações e insurreições; os trabalhadores e o povo não vão se deixar morrer de fome, antes disso continuarão tomando as ruas.

11 Uma política de reivindicações e mobilização

O ponto em comum que os novos governos têm é que irão administrar estados em crise e estão ameaçados pela ofensiva da direita, que utilizará todos os meios para desgastá-los. Neste novo período, o movimento tem dois obstáculos a superar: as políticas dos novos governos, que embora não sejam as mesmas, se moverão em um quadro limitado, pois são obrigados a fazer contra-reformas, ou a não fazer reformas, ou a fazer reformas mínimas que não são uma solução para os problemas, e a ameaça da ala direita.

Embora a política varie de país para país, há uma questão geral que é o programa de medidas para enfrentar a crise multidimensional que vai desde salários, redução do horário de trabalho, tributação das grandes fortunas, moratória da dívida que se tornará cada vez mais generalizada, igualdade de gênero, a luta pela defesa do meio ambiente. Exigir dos governos medidas que ataquem a crise e, ao mesmo tempo, vão contra a direita, que é e será um inimigo que não podemos perder de vista. Porque, em última análise, o fracasso desses governos tem duas saídas. Ou a direita retorna ou passamos a medidas mais fundamentais com novas mobilizações que criam o poder popular e dos trabalhadores.

Intervindo nas mobilizações, nas eleições, inserindo-nos e levando adiante uma política de reivindicações e denúncia sem deixar de atacar a direita, estas são as tarefas básicas da esquerda revolucionária. Não menos importante é realizar propaganda e debate aberto sobre o programa anti-capitalista para enfrentar a crise. Trata-se também de uma intervenção ativa para debater na vanguarda de massas de forma simples e compreensível as medidas, ou o que seria um sistema de poucas consignas que possam ser facilmente explicadas para enfrentar a crise. Fazemos parte da Quarta Internacional a fim de levar adiante esta política geral, colaborando com todas suas organizações e expandindo nossa rede de contatos na América Latina.

Há algum tempo (um ano e meio), nos propusemos a realizar reuniões que reunissem os setores à esquerda do Foro de São Paulo. Esta política foi truncada, e a causa objetiva fundamental disso foi que houve organizações que cedessem à pressão do progressivismo. Essa conjuntura ainda não foi encerrada, portanto a política é mais de propaganda neste terreno e de campanhas concretas como a que está sendo realizada pela Nicarágua. A experiência política da esquerda anti-capitalista no Brasil, se Lula vencer, será parte da contribuição que podemos dar à esquerda e à vanguarda para fortalecer um pólo anti-capitalista.


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Pedro Micussi