Parlamentares do PSOL repudiam racismo religioso propagado por bolsonaristas
Primeira-dama fez postagem que estimula intolerância contra religiões de matriz africana.
A Constituição Brasileira prevê a liberdade de crenças e proíbe a intolerância a quaisquer práticas religiosas. Nossa legislação ainda considera crime praticar, induzir ou incitar a discriminação por meio de discurso de ódio ou pela fabricação e distribuição de conteúdo discriminatório, inclusive pela internet. A pena é de um a três anos de prisão, além de multa.
Contudo, o governo Bolsonaro ignora a legislação e, em uma de suas práticas populistas, se aproveita de determinadas crenças para pautar decisões – um acinte em um estado laico – e não se encabula de estimular o preconceito, especialmente contra religiões de matriz africana. Uma recente demonstração disso foi dada esta semana pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, tida como principal cabo eleitoral para a reeleição do marido por sua influência entre os eleitores evangélicos.
Dias após afirmar, em um evento religioso ao qual compareceu com o marido, que o “Planalto era consagrado a demônios e hoje é consagrado ao senhor Jesus”, Michelle compartilhou no Instagram uma publicação que afirmava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “entregou sua alma para vencer essa eleição”.
“O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã”, escreveu a autora do texto, da vereadora Sonaira Fernandes (Republicanos-SP).
A postagem compartilhada por Michelle é um vídeo que exibe encontros do petista com lideranças de religiões de matriz africana. Além de endossá-lo, a esposa do presidente Jair Bolsonaro (PL) comenta:
“Isso pode, né! (sic) Eu falar de Deus, não!”.
Repúdio
A ignorância e o preconceito propagado por postagens como a endossada por Michelle foram alvo de críticas de deputados do PSOL, que denunciam os riscos da Intolerância Religiosa.
“São discursos como esse que fomentam ataques a terreiros e afro-religiosos. Campanha de ódio não pode ter vez nas redes!”, comentou a deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA)
“Intolerância religiosa é crime! A publicação de Micheque, típica do bolsonarismo, estimula o ódio contra os praticantes das religiões de matriz africana e racismo religioso. É preciso condenar esse discurso, que leva à destruição de terreiros e a violência contra seus praticantes”, acrescenta a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
“Michelle Bolsonaro usando de racismo religioso e o preconceito contra as religiões de matriz africana para fazer campanha para seu marido tão racista quanto. Que nojo!”, afirmou o deputado distrital Fabio Félix (PSOL-DF).
Falsa controvérsia não esconde violência
A postagem da primeira-dama foi replicada por uma conta falsa no Twitter, o que gerou controvérsia sobre a autoria do post. Mas o compartilhamento original, do Instagram, é de uma conta verificada de Michelle Bolsonaro. Além disso, a tentativa de criar uma cortina de fumaça não contornou o fato de que o preconceito religioso é prática recorrente entre os bolsonaristas.
O vídeo em questão, inclusive, já foi usado anteriormente para atacar as religiões afro. Em janeiro, um dos vídeos foi manipulado para sugerir que Lula declarava ter uma relação com o demônio. A Coalizão Negra por Direitos chegou a fazer uma representação à Justiça apontando a promoção de discurso de ódio. Como reflexo disso, são os terreiros os maiores alvos de ataques e perseguições de fanáticos. No Distrito Federal, correspondem a 59% dos casos. No Rio de Janeiro, chega a 92%.
Na avaliação do sociólogo Guilherme Nogueira, o racismo religioso remonta aos tempos de Brasil Colônia, porém se amplia com a ascensão política dos fundamentalistas neopentecostais. Seu poder de influência em questões de Estado acabou por neutralizar medidas estatais para combater a violência.
“Ao propor a volta às tradições no cotidiano social em períodos de instabilidade, o que acontece de fato é a propagação de um discurso de ódio, que visa dizimar outras religiões, em especial as afro-brasileiras. Isso tudo é amplificado quando esses grupos conseguem cargos no governo e neutralizam as ações estatais que poderiam ser usadas para reduzir a intolerância”, diz.
Exemplo disso é a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que tinha medidas concretas para combater o racismo religioso, até ser incorporada ao Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos (MMFDH). O Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa e de Promoção de Políticas Públicas para as Comunidades Tradicionais de Terreiro, publicado em 2016, continha ações de promoção de igualdade étnico-racial, além de reconhecer a intolerância religiosa contra religiões afro-brasileiras como expressão de racismo. Atualmente, o documento sequer está disponível na internet. Isso simboliza o desinteresse do Estado em combater a intolerância religiosa.