Um olhar do 7 de Setembro dentro das fileiras inimigas
A mobilização entrou na disputa eleitoral.
O 7 de setembro foi marcado previamente por uma data símbolo, os 200 anos da Independência do Brasil, mas, ao mesmo tempo, havia uma tensão no ar diante da hipótese de uma ofensiva golpista do bolsonarismo, que caminha para perder as eleições.
Quando falo em tensão, evidentemente me refiro aos prognósticos de setores das esquerdas e de parte da direita liberal, como a Folha de S. Paulo e O Globo. Logo, o termo tensão não se enquadraria para o bolsonarismo. Pelo contrário, talvez a palavra tesão se encaixaria melhor para os correligionários fiéis a Bolsonaro, que nitidamente estavam com sangue nos olhos e ávidos para uma ordem unida em direção ao golpismo (pelo menos um setor mais avançado e consciente das ideias fascistas e reacionárias).
Entretanto, num certo sentido, Bolsonaro frustou sua infantaria mais avançada e no lugar de caminhar para instalar uma crise institucional, preferiu fazer um discurso meramente eleitoral, mediando posições extremistas que estão no seu DNA. Mas, por que Bolsonaro não foi além? Porque o mesmo não reúne força suficientes nas forças armadas e não conta com parte hegemônica da burguesia brasileira para um golpe. Portanto, uma saída bonapartista para o bolsonarismo não é tão simples. Porém, Bolsonaro não pode ser subestimado, este dirige um setor conservador e reacionário de massas que sob seu comando ocupa as ruas e apresenta abertamente bandeiras anticomunistas e antidemocráticas.
Se engana aquelas e aqueles que o corte sociológico desse apoio messiânico se limita a classe média branca que ganha de cinco até dez salários mínimos. Sem dúvida, esse setor é a vanguarda do bolsonarismo. Principalmente entre as “viúvas” da ditadura militar, isto é, um setor privilegiado – na faixa dos 60 e 70 anos – saudosista dos anos de chumbo. Essa fileira é reforçada com gente na faixa dos 40 anos que almeja e bajula o andar de cima, mas odeia, contudo, estar mais próxima do andar de baixo da divisão de classes. Soma-se ainda um contingente nada desprezível do proletariado dirigido pela ala à direita do catolicismo (lugar que gestou Cláudio Castro) e, sobretudo, pelas igrejas evangélicas e neopentecostais. Esse setor, igualmente reacionário e alienado, dá o toque “popular, preto e pardo” do bolsonarismo. Mas, não só, a denuncia antipetista de corrupção e a agitação distorcida de patriotismo, contraditoriamente atraiu sujeitos oprimidos oriundos da classe trabalhadora para as fileiras da extrema-direita.
Essa breve caracterização não é o suficiente para explicar tudo, porém auxilia para entender o peso e o alcance da mobilização do 7 de setembro bolsonarista. De tal forma, é preciso dialogar com a fotografia fabulosa que viralizou nas redes sociais, onde crianças negras, dentro de um ônibus, zombam dos motociclistas bolsonaristas. Gostaria que esse retrato fosse o filme do ato em Copacabana. Entretanto, a coisa não foi assim. Em rezão de tarefas de campanha e militante, estive logo cedo na divisa da zona norte com a zona oeste do Rio, em seguida participei do Grito dos Excluídos no centro da cidade, depois fui no covil de cobras acompanhar o ato bolsonarista. Assim sendo, tive oportunidade de ser testemunha ocular dos movimentos e deslocamentos de pessoas no Rio de Janeiro.
De tal maneira, logo por volta das 8 horas e 30 minutos da manhã já era possível observar carros e motos, com alegorias verde e amarela, na Av. Brasil se deslocando para a zona sul. O metrô, isto é, Pavuna ou Tijuca x Jardim Oceânico, parecia o de final de campeonato ou de Copa do Mundo no Maracanã. Todos os vagões estavam super lotados e tomados com a camisa amarela da CBF e bandeiras do Brasil. Havia batucada, cornetas, cânticos e palavra de ordem, como: “eu sou brasileiro com muito orgulho e muito amor”; além de “Lula ladrão”; “Globo lixo”; “esquerda vai para Cuba”; “viva Bolsonaro”; “eu vim de graça”. Notei que a esmagadora maioria das pessoas, suburbanos sem dúvida, não usavam praguinhas de candidaturas. A saída do metrô Cantagalo e a rua Miguel Lemos, parecia uma junção de carnaval com Copa do Mundo, tinha gente por todos os lados, ambulantes, bares e restaurantes tomados, fila para usar os banheiros, polícia organizando o trânsito, motociatas, etc. Tudo foi se intensificando no passo que se aproximava da Avenida Atlântica.
O local do ato estava lotado, próximo das 15h, em pelo menos cinco quadras da larga e extensa avenida. No entanto, o bolsonarismo ocupou parcialmente, pelo menos, mais seis quadras, os bares e restaurantes da Atlântica e cinco ruas laterais. Quer dizer, a manifestação da extrema-direita foi de massas e as próprias estruturas das candidaturas bolsonaristas ficaram diluídas na multidão. Contudo, conforme está sendo batido pelo Globo, está claro que Bolsonaro manobrou o ato “cívico” a seu favor, tornando-o um ato político-eleitoral. Porém, cá para nós, mesmo sem a esquadrilha da fumaça, a massa estaria ali. Talvez com uma grama menos de peso, mas estaria a postos. Todavia, no campo da política, é preciso denunciar a manobra e aferir se não ocorreu desvio de recursos e de finalidade na montagem estrutural do 7 de setembro.
De tal maneira, mesmo com as manobras cantadas, Bolsonaro teve êxito em capturar eleitoralmente o 7 de setembro em seu favor. Embora não teve força nas superestruturas militares e na classe dominante para desencadear um movimento usurpador do poder. Essa estratégia não está descartada pelo bolsonarismo, talvez adiada, não descartada. Por isso, a carta na mão no momento é chegar com força no 2o turno das eleições com mobilização social em seu apoio. Nesse ponto, mesmo frustando parte de sua base mais radical, Bolsonaro ganhou musculatura e chamou a disputa para as ruas. Resta saber se Lula, principal ferramenta para derrotar Bolsonaro nas urnas (para governar são outros quinhentos), está disposto a aumentar o tom do combate e se, junto com os partidos da esquerda (o PSOL, por sua vez, precisa ser mais proativo no cerne da disputa), irá contra-atacar nas ruas a ofensiva bolsonarista. Para isso é preciso convocar o povo à luta, todavia, o “Lula paz e amor” não serve para essa quadra histórica.
Portanto, o momento exige não só ler as pesquisas de opinião e buscar o eleitor de “centro” apresentando Alckmin, mas de impulsionar um amplo movimento para derrotar Bolsonaro e que tenha força suficiente de conquistar, ainda no 1o turno, eleitores de Ciro Gomes e votos, principalmente no norte e nordeste, do próprio Bolsonaro. Sem uma virada de chave na campanha Lula como um todo, dificilmente a fatura será resolvida na primeira volta. A tarefa que já era difícil, mas totalmente possível, vai se tornando cada vez mais improvável no passo que a opção política seja a disputa morna e comparativa das experiências petistas versos o governo Bolsonaro. Assim sendo, o momento requer ousadia e gana de vencer o inimigo, acreditando sem vacilar que a derrota do fascismo bolsonarista é uma tarefa histórica de toda uma geração de socialistas e setores conscientes da classe trabalhadora.