‘A unidade com o PT não pode nos levar a abrir mão de nossa independência enquanto partido’
luciana4

‘A unidade com o PT não pode nos levar a abrir mão de nossa independência enquanto partido’

Entrevista com Luciana Genro, presidenta do PSOL-RS, e deputada estadual reeleita no rio Grande do Sul

Tatiana Py Dutra 18 out 2022, 12:55

A biografia de Luciana Genro apresenta uma trajetória política de muitas lutas. Desde sua primeira eleição à Assembléia Legislativa gaúcha, em 1994, sua atuação foi marcada pela defesa dos interesses dos trabalhadores, contra o desmonte do Estado e a corrupção. Coerente e convicta de suas crenças, insurgiu-se contra o PT, seu partido à época, ficando ao lado do magistério estadual que realizou uma longa greve em 1998, por melhores condições de trabalho. 

Seria o primeiro de muitos choques que levariam, mais tarde, à sua saída do partido. Em 2003, já como deputada federal, recusou-se a votar a proposta de reforma da previdência proposta pelo governo Lula, uma vez que a legislação que tiraria direitos dos servidores públicos e instituiria a cobrança de contribuição dos já aposentados. Em dezembro daquele ano, o Diretório Nacional do PT votou pela expulsão dos “radicais” – além de Luciana, Heloísa Helena, João Fontes e Babá. No final de 2005, o PSOL foi oficialmente fundado.

Seu mandato como deputada federal também foi marcado por proposições que visavam reduzir a tributação dos mais pobres, regulamentar os impostos sobre as grandes fortunas e aumentar a tributação dos bancos, com a extinção de isenções concedidas a instituições financeirias.

Em 2013, teve destacada atuação nas jornadas de junho, quando parte da população foi às ruas questionar as altas tarifas e os péssimos serviços públicos. Foi nesse contexto que no ano seguinte, Luciana disputou a Presidência da República, obtendo 1.612.186 votos e ficando em quarto lugar. Sua campanha ficou marcada por promover pautas alinhadas às demandas atuais, como os direitos das mulheres e da população LGBT, sendo a primeira candidata presidencial da história do país a levar o tema da homofobia e da transfobia aos debates de televisão.

E a essa trajetória construída por lutas e permanente articulação com os movimentos sociais que Luciana atribui sua recente reeleição como deputada estadual no Rio Grande do Sul, com mais de 111 mil votos. À Revista Movimento, a parlamentar faz uma retrospectiva de seu trabalho, comenta  sobre a disputa do segundo turno no Estado entre dois candidatos da direita e esclarece os limites para a manutenção da unidade com o PT para combater a extrema direita no país. Confira, a seguir, trechos da entrevista. 

Revista Movimento – A senhora é uma parlamentar experiente, indo para o quarto mandato. A que atribui seu bom desempenho nas urnas?

Luciana Genro – Acho que são vários fatores. A combinação de uma trajetória política muito longa e que tem consistência e coerência, é um deles. Eu tenho um trabalho como parlamentar que é bastante eficaz, no sentido de ter uma equipe que trabalha muito junto comigo, que faz com que as demandas que chegam no gabinete sejam encaminhadas. Temos uma boa equipe de comunicação também. As mensagens que chegam no Facebook, Instagram e Whatsapp são sempre respondidas. E também o engajamento em diversos temas. É um mandato de muitas lutas. Esse foi, inclusive, um dos slogans que usei durante o mandato. Porque atuei nas comissões de Educação e de Direitos Humanos e, dentro delas, uma gama de problemas chegaram e se transformaram em lutas que a gente travou. Temos desde a questão da estrutura física das escolas, passando pela inclusão de crianças com deficiências e autistas na comissão de Educação, e na de Direitos Humanos com o problema das pessoas que sofrem a violência policial até a violação dos direitos dos  policiais dentro da própria corporação. Então foi um mandato que abraçou lutas que não se restringem ao âmbito parlamentar. Acabei sendo, dentro da Assembléia, uma porta-voz de lutas que já ocorrem na sociedade, como a  das mulheres. Fui autora da única política pública que o Estado promove de abrigamento de mulheres vítimas da violência, fiz o relatório sobre a questão da violência LGBTs, e consegui, através de emendas, fortalecer o ambulatório trans de Porto Alegre, para que as pessoas pudessem receber o hormônio gratuitamente. Também apoiei a luta contra a intolerância religiosa que é travada nos terreiros pelos pais e mães de santo, pela Frente Parlamentar em Defesa dos Povos de Matriz Africana; a luta pela moradia, que ocorre cotidianamente nas ocupações urbanas em Porto Alegre e Região Metropolitana e até mesmo no interior do Estado, com a Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna. Tudo isso trabalhando junto com os movimentos e com as pessoas que estão ali no território travando essas batalhas. Acho que essa conexão entre a luta real travada pelas pessoas e minha atividade parlamentar é o principal elemento junto com essa trajetória toda, que passou pela fundação do PSOL, pelos enfrentamentos com os governos do PT, quando foram necessários, pela minha candidatura à Presidência da República, que também foi uma marca na minha história no sentido de levar a pauta LGBTQIA+, a pauta feminista, de mandar o Aécio abaixar o dedo (risos). Minhas candidaturas à prefeitura de Porto Alegre, que foram duas, também me fizeram ter um vínculo mais profundo com  a periferia da cidade, com o povo. Acho que a combinação de todos esses fatores proporcionou essa votação tão significativa.

Revista Movimento – A senhora pensa em se candidatar à presidência novamente? É algo que ambiciona?

Luciana Genro – Se o PSOL me escolhesse, com certeza, concorreria. Para mim, foi um orgulho imenso representar o partido naquela campanha. O PSOL sempre teve candidatos muito bons. Primeiro com a Heloísa Helena, que foi a primeira e a mais votada de nossa história; depois o Plinio, com seu estilo e forma de se comunicar com a juventude; depois teve eu, uma mulher feminista que levou essa marca de enfrentamento e os ecos das lutas ocorridas no Brasil em junho de 2013; e depois teve o Boulos, que embora tenha tido menos votos do que eu, foi uma candidatura importante -, tanto que agora foi eleito deputado feeral com 1 milhao de votos, foi candidato a prefeito de São Paulo e chegou a ir para o segundo turno. O PSOL tem nomes fortes, mas se eu fosse a escolhida, teria o maior orgulho de repetir essa experiência. Mas não é uma ambição. Para quem faz política parlamentar é melhor não ter ambições. Porque quanto temos, acabamos movendo a nossa luta política muito em direção daquela ambição, muitas vezes, abrindo mãos de princípios, pontos programáticos, de alianças que sejam coerentes, só para atingir aquele objetivo.  Acho que a tarefa de ser candidato a deputado, prefeito ou presidente deve ser encarada com uma tarefa, e não como ambição pessoal. É uma representação coletiva quando o partido necessita do teu nome. É assim que eu procuro me orientar.

Revista Movimento – O ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) e o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) disputam o governo do Rio Grande do Sul em segundo turno. O PSOL orientou a militância por “nenhum voto em Onyx”. Como se deu essa decisão?

Luciana Genro – Acho que a situação do Rio Grande do Sul é dramática, porque escolher entre o Onyx e o Leite é uma opção entre dois projetos econômicos e financeiros muito semelhantes. Os dois têm uma visão de desmantelamento do serviço público, de ataque aos servidores, de privatização, de benefícios a grandes empresas. Os dois representam o oposto do que defendemos com candidatura Edegar/Pedro Ruas, que é de um estado que realmente se conecte ao seu povo, que tenha políticas de atendimento a população mais vulnerável no combate a fome, que tenha uma relação de respeito com os servidores, de valorização do serviço público. E foi por muito pouquinho que não conseguimos ir para o segundo turno, o que demonstra que existe um espaço, sim, importante para a esquerda no Rio Grande do Sul, embora a direita esteja nesse momento com uma força eleitoral bastante significativa. Mas acho que o fundamental nesse contexto em que temos dois candidatos muito ruins é derrotar o Bolsonaro. O Onyx representa o bolsonarismo aqui no Estado, e derrotá-lo é parte da luta para derrotar o atual presidente, para derrotar o ódio, o preconceito, a visão de extrema direita que é lgbtfóbica, racista, misógina, machista, preconceituosa, avessa ao pensamento progressista. Não vou abrir meu voto, dizer se vou ou não votar no Leite ou anular o voto porque eu sou presidente do PSOL no Estado, e o partido tomou essa decisão de não apoiá-lo e deixar nossos dirigentes e militância à vontade. O Leite se recusou a apoiar o Lula porque sabe que tem eleitores dos dois lados, então não deu essa contribuição para que tivéssemos uma razão mais objetiva para declarar voto nele. Fazer uma campanha pelo voto nulo também não faz sentido. Um dos dois vai vencer e é preciso que o partido dialogue com a necessidade de derrotar o Onyx e enfraquecer a extrema direita. Essa resolução foi muito acertada, inclusive é a mesma posição adotada pelo PT. E, obviamente, o PSOL vai ser oposição a qualquer um dos dois que vença, tanto Onyx quanto Leite. O que não significa não votar favoravelmente a projetos que sejam bons para o povo. Já fizemos isso nos dois mandatos que o PSOL teve na Assembleia, tanto com Pedro Ruas quanto comigo. Mas nossa localização política será de oposição.

Revista Movimento – Como enfrentar a extrema direita e o fascismo na Assembleia? 

Luciana Genro – Acho que ainda é cedo para dar uma resposta mais completa sobre isso porque ainda dependemos do que vai acontecer no segundo turno. Será muito diferente a situação se o Lula ganhar ou se o Bolsonaro ganhar. Acredito que o Lula vencerá, mas só vamos ter certeza depois da eleição. De qualquer forma, a extrema direita vai seguir existindo, mesmo com a derrota do Bolsonaro, Se o Onyx ganhar aqui no Estado e o Lula a nível nacional, o Onyx se enfraquece enquanto porta-voz da extrema direita, que também se enfraquecerá no Brasil e no Rio Grande do Sul. Mas será um cenário diferente se o Leite for governador. O tipo de oposição que teremos de fazer se o Onyx vencer será muito mais dura e mais ampla, no sentido de combater uma agenda de violência e de ódio que ele pode tentar levar adiante. 

Revista Movimento – A senhora avalia que a esquerda está preparada para esse enfrentamento? 

Luciana Genro – Para fortalecer o enfrentamento à extrema direita há dois caminhos. Primeiro, com o fortalecimento do PSOL enquanto partido de esquerda que tem a sua independência em relação ao PT, mas que também sabe fazer unidade para enfrentar a extrema direita. Nossa relação com o PT vai ter que mudar. Já mudou e vai ter que seguir nessa toada diferente. Porque quando a extrema direita praticamente não existia ou estava muito “dentro do armário”, naqueles anos que foram desde a fundação do PSOL até 2018, nós tínhamos a possibilidade de lutar pela superação do PT pela esquerda. Só que isso não ocorreu. A superação veio pela extrema direita. E isso tem um conjunto de razões que têm a ver com a forma como o PT governou. Acho que o bolsonarismo é filho também dos erros do PT, das vacilações que as duas gestões tiveram com seu governo de coalizão com a burguesia. Também é resultado das fraquezas e debilidades do PSOL. O partido não conseguiu, a partir das jornadas de junho de 2013, das quais participamos com muita força e tivemos um protagonismo importante, capitalizar aquele descontentamento. Quem capitalizou foi a extrema direita. Na época do impeachment da Dilma, nós do Movimento Esquerda Socialista (MES), levantamos uma proposta que foi muito combatida pelo PT e por outros setores do PSOL, que eu acho que teria sido um acerto de tivesse sido encampada. Era a defesa de eleições gerais naquele momento. Ao invés de ficar dizendo simplesmente “Fica, Dilma”, que foi o que o PSOL e o PT fizeram, a proposta era abraçar aquele descontentamento com o governo, dialogar e propor novas eleições. Inclusive, naquele momento, Lula não estava impedido de concorrer, não estava preso nem com os direitos políticos cassados. Ele poderia ter sido candidato. Ele poderia ter vencido a eleição, e Bolsonaro não existiria hoje com a força que existiu em 2018. Foi um erro importante da esquerda que deu força para a direita crescer. A Dilma já não tinha apoio popular, tinha negado seus próprios projetos de governo quando colocou o [Joaquim] Levy no Banco Central, adotou uma política de ajuste fiscal claramente neoliberal. Ela erodiu sua base social e permitiu que a extrema direita capitalizasse esse descontentamento. Então, depois de todo esse processo, nós estamos em outra situação, na qual a necessidade de unidade com o PT para lutar contra a extrema direita vai ter de ser mais contundente. Porque nós retrocedemos do ponto de vista político. Estamos em uma situação muito pior do que estávamos lá em 2003, quando o Lula ganhou pela primeira vez. Estamos agora com o fantasma da extrema direita fortalecido e, mesmo que derrotado eleitoralmente em 30 de outubro, o ovo da serpente vai continuar ali. Então, vamos precisar passar por um período de fortalecimento da esquerda,. Mas a unidade com o PT não pode nos levar a abrir mão de nossa independência enquanto partido, e da nossa linha política da independência de classe, que é a resposta necessária para as demandas do povo. Porque não há como resolver o problema da fome, do desemprego, da miséria e da degradação do serviço público, sem atacar os interesses, dos  milionarios, dos bancos, dos grandes empresários, daqueles que sempre se beneficiaram da crise. Portanto, vai ser necessário fazer essa exigência, lutando para ter força política, para ter um corpo social e político que consiga fazer com que essa agenda necessária também seja uma agenda viável. Esse é o nosso desafio para enfrentar a extrema direita.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi