Três hipóteses para o esvaziamento dos acampamentos bolsonaristas
Desde a posse do novo governo, quase não restam militantes em frente aos quarteis
Uma semana após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quase não restam “cidades de lona” montadas defronte a quartéis militares Brasil afora. Nas capitais do Acre, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Rondônia, os acampamentos bolsonaristas não sobreviveram ao primeiro dia útil do ano.
Dentre as exceções, a mais previsível é o acampamento montado junto ao Quartel General do Exército em Brasília. Porém, as estruturas, que antes contavam com cerca de 2 quilômetros de extensão, desidrataram-se em espaço e população. Os poucos militantes que resistem se amparam em sinais e teorias mirabolantes – uma delas diz que o general Augusto Heleno (ex-GSI) é hoje o verdadeiro mandatário do país e está a preparar o retorno do ex-capitão em exílio nos EUA que derrubará a farsa da posse de Lula em 120 dias.
A maioria dos militantes bolsonaristas, porém, desembarcou da resistência no raiar de 2023. A isso, pode-se atribuir pelo menos três fatores. Lula, evidentemente, é um deles. As imagens do “Nine” (apelido conferido pelos radicais ao petista) subindo a rampa, recebendo a faixa presidencial e discursando para uma multidão como presidente da República podem ter servido como antídoto à dissonância cognitiva que afetou boa parte dos eleitores de Jair Bolsonaro. O sonho acabou.
Enfim, punição
Mas ainda que a posse do novo presidente seja um dos motivos da deserção da massa que questionava as urnas e pedia golpe de Estado, não parece ser o mais importante. O medo da punição por atos antidemocráticos, terroristas e criminosos cometidos por integrantes dos acampamentos finalmente chegou, trazido pela ordem de prisão e de busca e apreensão contra lideranças dos acampados.
Além das ações da Polícia Federal, sob ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro, em 1º de janeiro o país passou a ter um Ministro da Justiça que não se mostra conivente com tais manifestações. Sai Anderson Torres e entra Flávio Dino que, em sua posse, disse considerar “crimes políticos gravíssimos” os atos contra a democracia nos últimos quatro anos. Acrescentou que não iria “fechar os olhos” em relação às ameaças feitas por eles, inclusive ao presidente Lula.
“Subiu a rampa e de lá governa a nossa nação. Lamento muito por todos que apostaram contra e hoje estão pagando a aposta”, disse Dino, mencionando as ameaças de que o petista não tomaria posse.
Dino determinou que o novo diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, fizesse um levantamento dos atos antidemocráticos, como terrorismo, vandalismo e incitação a golpes de Estado, em particular dos ocorridos após o segundo turno das eleições presidenciais.
“Atos terroristas, animosidade contra as Forças Armadas, são crimes políticos gravíssimos e estarão permanentemente à mesa do Ministério da Justiça, de acordo com o que a lei manda”, afirmou.
A culpa é do mito
A terceira e principal hipótese, entretanto, é a de que o próprio Bolsonaro seja o maior responsável pelo esvaziamento dos acampamentos. Deprimido, calado e choroso após a derrota nas urnas, o ex-capitão apequenou-se aos olhos daqueles que o consideravam um líder. Seu silêncio calou também sua máquina midiática mentirosa, parou de projetar autoridade e forçou um tipo de autoanálise que os bolsonaristas não conseguiram fazer sozinhos.
A live do dia 30 de dezembro e a fuga para o Exterior, no dia seguinte, deixou claro a muitos “patriotas” que aquele líder não deixaria nenhuma ordem. Apenas os deixaria. O medo da prisão escancarou a covardia de Bolsonaro – um homem incapaz de aguentar uma entrevista ou coletiva, não suportaria um depoimento, processo ou cadeia. A síntese possível é que Bolsonaro não foi feito para o posto que alcançou e se importa tanto com seus amigos e apoiadores quanto se importou com as famílias das quase 700 milhões de vítimas do Covid. Sorte nossa tamanha fraqueza. Caso contrário, seus seguidores poderiam se tornar uma seita e as políticas aparelhadas, milícias.
A fatura da destruição gerada fica para todos. Mas Bolsonaro e todos os responsáveis pelos horrores dos últimos quatro anos pagarão mais caro. Anistia, não!