A Contrarrevolução Stalinista
Compreenda as causas e as consequências do movimento que freou o desejo de uma revolução internacional socialista e fez retroceder conquistas da Revolução Russa
A revolução russa foi o evento mais importante da história da humanidade. A vitória dos trabalhadores russos que, por meio do partido bolchevique, puderam criar o primeiro Estado operário do mundo, tem repercussões gigantescas até hoje. Ela, porém, acabou não sendo o primeiro passo de uma revolução internacional socialista, como seus principais dirigentes na época previam.
Ao invés disso, a União Soviética viveu uma contrarrevolução, construída por dentro do Partido Comunista: pela própria burocracia soviética. Esse processo, que além das personalidades políticas envolvidas, tem razões sociais, econômicas e políticas que possibilitaram seu desenvolvimento, teve, como principal liderança Stalin. Por meio da sistemática perseguição e extermínio de seus opositores e da reestruturação do Estado, à semelhança dos interesses da burocracia, o secretário geral do partido comunista se tornou o símbolo de um período da história marcado pelos retrocessos de várias das conquistas da revolução russa.
Sua força, durante anos, foi, na realidade, a expressão da força da máquina burocrática russa. Portanto, após o fracasso do “socialismo real” – que teve em sua derrota diversos elementos que já nasceram na contrarrevolução stalinista – o número de pessoas que reivindicavam abertamente a figura de Stalin diminuiu drasticamente, dando uma possibilidade mais ampla dos socialistas em todo mundo refletirem sobre os significados do legado dessa figura e do período que ela representou. O fim da URSS, infelizmente, também teve como consequência uma vitória – temporária – do capitalismo sobre os trabalhadores e deu início a uma ofensiva da burguesia que duraria décadas.
No Brasil, porém, nos últimos anos, a figura do líder da burocracia soviética tem tentado encontrar espaço para sua reabilitação dentro de setores da juventude: seja por meio das redes sociais – como Twitter e Youtube – onde tem-se encontrado nichos que buscam construir essa reabilitação, quanto a partir da política elaborada por partidos e coletivos dessa tradição que, para se desenvolver, precisam reconstruir a revisão histórica e teórica stalinista.
As lições trazidas pelas consequências da contrarrevolução stalinista, porém, não podem ser esquecidas sem que haja um custo enorme para nossas perspectivas do futuro. Por isso é importante que possamos reforçá-las. Para isso é fundamental compreender: o que foi a contrarrevolução stalinista, quais causas permitiram ela se desenvolver e quais consequências gerou para os anos seguintes do movimento socialista internacional.
Os anos seguintes a Revolução Russa: a guerra civil
A Revolução Russa abalou o mundo em 1917. Após diversos conflitos na sua primeira fase em fevereiro,o czar foi derrubado por uma insurreição popular. Pela ausência de direção representantes da pequena burguesia assumiram o poder – se iniciava o período da republicano, dominado pelos “mencheviques” e “socialistas revolucionários”, os partidos conciliadores de classe russos.
Esse governo teve poucas condições de se manter, já que não podia resolver as principais questões colocadas pela insurreição de fevereiro: a necessidade de terra para os camponeses, paz para os soldados e pão para os trabalhadores. Isso levou à segunda fase da revolução, em que o partido bolchevique, com uma política de Pão, Paz e Terra conseguiu assumir a direção e tomar o poder. A tomada de Petrogrado, na época a capital, ocorreu sem nenhuma casualidade e, apesar de alguns conflitos, a posterior vitória em Moscou, ao se comparar com a insurreição democrática de fevereiro, foi feita com pouquíssimo derramamento de sangue. Essa vitória relativamente pacífica foi uma expressão da correlação de forças dominante dos trabalhadores nas grandes cidades e do apoio da maioria dos setores camponeses.
A Rússia, porém, ainda passaria por diversos desafios antes de consolidar sua revolução. Os países imperialistas, se aproveitando das fragilidades naturais geradas por um processo revolucionário, fizeram uma ampla campanha para derrotar os bolcheviques, seja financiando exércitos contrarrevolucionários (muitos liderados pelos cossacos, povo do interior da Rússia Asiática que se beneficiava pelo sistema de terras implantando pelo czar) ou mesmo atuando com incursões diretas de seus exércitos.
Trotsky atuou como principal liderança militar na época, sendo o fundador do Exército Vermelho que possibilitou a derrota dos brancos (setores contrarrevolucionários). Mas todo o partido bolchevique se movimentou para garantir a vitória da revolução. Desde líderes revolucionários que, por meio dos sovietes, ainda na Russa capitalista tiveram experiência de comando de tropas, como o finlandês Smilga, até líderes mais civis, como o parlamentar Kamenev, estiveram em funções militares.
Entre eles estava Stalin. Ainda considerado uma figura secundária no partido, não havia tomado um papel relevante na insurreição de outubro (estando ausente inclusive das reuniões que a elaboraram), Stalin, até então Comissário do Povo para as Nacionalidades, começa a encontrar um espaço político a ser ocupado durante a guerra. Aproveitando o prestígio que obtinha por ser membro do Comitê Central do partido, começa a articular nas regiões em que passa uma oposição militar a Trotsky e ao comando bolchevique, permitindo o início da construção de uma fração stalinista no partido, recrutando nomes como Voroshilov, responsável militar da região de Tsaritsyn (futura Stalingrado), que permaneceram em seu ciclo de poder até o fim de seu regime.
Seu espaço político no partido, porém, ainda era bastante limitado e seu método de ação durante a guerra – concentrando poder em si e privilegiando as regiões que atuava diretamente – custou certo desgaste no partido, em especial após a derrota política sofrida pelo Exército Vermelho na Polônia que teve, entre uma de suas razões, a não mobilização das tropas dirigidas por Stalin, desperdiçadas em uma campanha sem sentido para uma tentativa, também fracassada, de tomar a cidade ucraniana de Lvov.
Apesar de tudo, na guerra, Stalin pôde encontrar uma base própria e consolidou certa independência política. A estrutura militarizada, onde poderia se impor pela burocracia e a necessidade que a guerra trazia de uma hierarquia sem questionamentos, fez com que pudesse aprender como atuar da forma que mais lhe convinha, dando assim os primeiros passos na sua campanha de crescimento próprio dentro do partido.
O pós-guerra e a morte do Lenin
Stalin, diferente do que posteriormente diria a propaganda de seu regime, em diversosmomentos da sua trajetória teve uma linha em desacordo com a política de Lenin. Ainda em março de 1917, enquanto o principal dirigente da Revolução Russa estava exilado, Stalin, que junto com Kamenev estava na direção do jornal oficial dos bolcheviques, o Pravda, escreveu a favor da unificação do partido com os reformistas mencheviques, algo que Lênin era completamente contrário e expressou direta oposição em suas cartas de exílio e, posteriormente, em suas teses de abril.
A chegada de Lênin a partir de abril, porém, impôs limites a Stalin, que optou evitar polemizar diretamente sempre quando havia um conflito no partido, buscando deixar as portas abertas a ambos lados em disputa. Essa posição centrista facilitou que Stalin, ainda em 1922, fosse eleito Secretário Geral do Partido Comunista, um cargo que, até então, tinha caráter mais administrativo do que eventualmente se tornou – de direção política completa do partido e do Estado.
Sua eleição, porém, não pode ser vista só dentro do contexto interno do partido bolchevique. O povo russo já não era o mesmo no pós-guerra. O confronto contra as potências imperialistas tinha devastado um país já enormemente desgastado pela participação na primeira guerra mundial. Diversos revolucionários foram mortos na guerra civil e a vanguarda dos trabalhadores estava cansada. A derrota da revolução Alemã de 1918 também serviu como um balde de água fria, dando a crer para parte da vanguarda revolucionária de que a revolução internacional não estava tão como antes acreditavam.
Todos esses elementos se juntaram com a necessidade imposta pela própria guerra da criação de uma burocracia estatal soviética – entre as quais muitos dos que assumiram cargos nos governos e afins vinham anteriormente de movimentos que eram contrários à revolução. Lenin, entendendo as condições adversas, criou a Nova Política Econômica (NEP), que permitiu alguma flexibilização do mercado e do livre comércio a partir de 1921. Ao mesmo tempo que esse processo se desenvolvia, a própria burocracia ganhava mais peso na sociedade russa, tomando, pouco a pouco, o papel de direção do Estado, que anteriormente os sovietes, como órgão central da revolução, deram diretamente aos trabalhadores.
Nesse contexto, Stalin estava se tornando representante desse setor burocrático e, portanto, tinha ainda um peso político equivalente à força desse setor social – ou seja, ainda não poderia ser uma direção absoluta, mesmo que já começasse a aumentar sua influência e relevância. Lenin, perto da sua morte, percebendo esse movimento e o surgimento de pólos de poder dentro do Partido Comunista, demonstra vontade de construir uma campanha dentro do partido contra a burocratização do Partido e do Estado Soviético. Infelizmente, sua saúde, deteriorando rapidamente, impede que leve essa luta até o fim. Porém, seu testamento, trazido ao Comitê Central do partido por sua esposa Kruspskaya, conseguiu registrar historicamente sua posição.
Em seus textos finais, o principal dirigente da revolução russa colocou sua visão sobre os principais dirigentes do partido. Neles, afirma que Stalin, que há poucos meses havia assumido o cargo, deveria ser retirado do cargo do Secretariado Geral, sendo considerado muito “brusco” e substituído por um companheiro “mais tolerante e leal”. Era uma demonstração visível da preocupação de Lênin com o espaço que Stalin acabava de ocupar e o que isso significava na disputa das classes soviéticas, onde a nova burocracia vinha tomando cada vez mais espaço.
O triunvirato e a ascensão ao poder
A morte de Lenin permitiu o fortalecimento político da burocracia estatal. A NEP, que permanece por mais tempo do que inicialmente previsto como política nacional, ajudou a criar uma base para uma pequena burguesia rural se desenvolver. Os trabalhadores, portanto, iam perdendo espaço na disputa de classes russas, dando mais condições para a burocracia se tornar ainda mais independente. A derrota dos revolucionários alemães em 1923, diretamente influenciada pela falta de apoio do partido comunista russo, também ajudou a criar um sentimento geral de que o movimento revolucionário internacional teria dificuldades em avançar.
Nesse sentido, os primeiros indícios da contrarrevolução já apareciam. A burocracia soviética, como forma de se adaptar à nova realidade após a derrota alemã, começa gradualmente a adotar, por meio de Stalin, a teoria do socialismo em um só país. Ou seja, a ideia que a União Soviética não era, como previa Lenin, um ponto de início de um processo internacional revolucionário, mas que ela deveria focar exclusivamente no desenvolvimento próprio interno do país. Ou seja, construiu-se uma teoria política que negava o próprio internacionalismo marxista, sem refletir sobre como necessariamente o capitalismo, como sistema internacional, nunca poderia ser derrotado a longo prazo em só um país.
Politicamente, ainda dependente de figuras de mais peso social, Stalin cria uma aliança com Kamenev e Zinoviev, dois membros do comitê central do partido comunista que, apesar de terem tido um papel importante durante a história bolchevique, se posicionaram contra a insurreição de outubro, julgando ser muito prematura. Junto a eles iniciou uma campanha feroz contra o “trotskismo”, especialmente contra a teoria (e consequentemente a política) da revolução permanente, que era uma síntese da necessidade de internacionalização da revolução russa e incapacidade da União Soviética se manter isolada de forma indefinida.
O Triunvirato soviético deu tempo a Stalin para consolidar uma hegemonia própria no partido comunista – quanto mais a burocracia se colocava acima da classe trabalhadora por meio das bases econômicas do NEP, mais ele podia se colocar, também, acima do partido.
Aos poucos, a teoria do socialismo em um só país vai se tornando o centro da política oficial de Estado e, ao mesmo tempo, com o fortalecimento da burocracia, Stalin vai criando condições para necessitar cada vez menos dos seus aliados. Em 1926, o Triunvirato rompe e Zinoviev e Kamenev se juntam a Trotsky para construir uma Oposição Unificada ao regime stalinista.
Da repressão às purgas
O início de um governo centrado exclusivamente em Stalin também coincidiu com o período revolucionário Chinês. Orientado pela União Soviética, o Partido Comunista Chinês desperdiçou uma chance real de revolução no país ainda em 1927. A política stalinista para China na época foi de comandar o PCC a uma aliança com o partido burguês comandando por Chiang Kai Schek, o Kuomitang. Essa tática se demonstrou desastrosa, com os comunistas sendo massacrados pelos próprios aliados, sendo assassinados entre 5 a 10 mil militantes revolucionários. Os comunistas chineses foram derrotados e com eles mais uma possibilidade de expansão da ampliação da revolução internacional desperdiçada. A desesperança gerada por mais um processo revolucionário fracassado, naturalmente, fortaleceu a burocracia soviética.
Nesse período se inicia uma dura perseguição do aparato stalinista a sua oposição de esquerda. Trotsky é difamado por meio da própria estrutura do Estado e do Partido e membros da oposição são demitidos de seus empregos, exilados e perseguidos. Na prática, a existência de uma oposição de esquerda na União Soviética começava a ser criminalizada – a contrarrevolução avançava.
Antes de conseguir consolidar seu poder de forma completa, Stalin, porém ainda tinha um inimigo interno a derrotar – a própria pequena burguesia rural que criou com a manutenção da NEP (os kulaks) e sua representante dentro do Partido, a sua até então aliada, ala direita do partido comunista, representada por Bukharin. Se apoiando no desgaste que esses setores restauradores do capitalismo tinham no meio da vanguarda dos trabalhadores (que mesmo que muito enfraquecida, ainda não estava totalmente derrotada) Stalin conseguiu derrotar Bukharin, pondo fim à NEP.
A permanência dessa política econômica e uma restauração completa ao capitalismo seria trágica para a própria burocracia que Stalin representava. A vitória da burocracia sobre a pequena burguesia, portanto, permitiu que não houvesse mais adversários dentro da máquina soviética. Se iniciou a coletivização forçada das terras, de forma bastante violenta – consequência do atraso no fim da política econômica de liberação econômica e da necessidade da burocracia de impor sua hegemonia. Stalin e o setor que ele representava já tinham controle total do Estado. Uma ampla revisão histórica do passado bolchevique também é levada a cabo na mesma época, como forma de construir uma imagem de Stalin como um líder revolucionário que jamais existiu.
Trotsky, em 1930, é exilado. Nesse período já começam relatos sobre prisões e execuções de membros da oposição de esquerda. Em poucos anos a repressão mais “branda” se transforma em verdadeiras purgas. Stalin assassinou todos seus opositores e mesmo seus aliados que não se submetiam por completo. Os Tribunais de Moscou marcaram um dos períodos mais sombrios da história do socialismo – a consolidação da vitória da contrarrevolução stalinista.
A maior parte do comitê central bolchevique de 1917 é assassinado. Entre eles Zinoviev e Kamenev, que tentaram, após a consolidação definitiva de Stalin no poder, se reagrupar com seu governo para, logo em seguida, serem fuzilados. Smilga, principal líder da revolução finlandesa e membro do comitê central bolchevique é assassinado. Antonov, responsável pela tomada do Palácio de Inverno (principal marco da revolução russa) é executado. Bukharin também é condenado e morto. Milhares de comunistas, membros da oposição, são exterminados. A contrarrevolução chega em seu auge. Em poucos anos, Trotsky também seria assassinado no México, por um agente do governo soviético.
Stalin, praticamente sem mais nenhum controle externo, negociou um pacto de não agressão com Hitler, buscando não entrar na segunda guerra mundial, ao mesmo tempo que persegue e assassina, durante as purgas, diversos líderes militares que estavam fora de seu ciclo político, desorganizando toda estrutura militar soviética. Isso incentiva Hitler a romper com o pacto com os Stalin e iniciar uma campanha contra a URSS, dando o primeiro passo um conflito que custaria mais de 25 milhões de vidas soviéticas. A vitória, já esperada pela crise econômica alemã e a pressão das outras frentes ocidentais, foi muito mais difícil e custosa do que poderia ser, por consequência da total desorganização militar criada pelo regime stalinista.
A derrota nazista permitiu que a União Soviética colocasse, de forma artificial e sem revoluções, diversos governos de seu campo de influência por todo Leste Europeu, ampliando a influência de Stalin internacionalmente e ao mesmo tempo criando regimes a seu modelo, no qual a ordem política, na prática, era defina pela burocracia soviética.
Anos finais e o stalinismo sem Stalin
Seus anos finais foram marcados pelo recrudescimento da repressão política na União Soviética, pela completa revisão histórica da União Soviética (que buscava colocar Stalin como uma peça fundamental da Revolução Russa e um gênio militar), pelo retrocesso de diversos direitos sociais, como a criminalização do aborto e perseguição da população LGBT e também por uma reprodução da lógica do socialismo em um só país a nível internacional. O regime stalinista, assim, buscou colaboração com a burguesia internacional em uma “divisão” formal dos territórios de influência, uma política que ajudou a derrotar revoluções em países centrais, como a Grécia.
Stalin morreu em 1953, deixando de legado político um Estados operário degenerado e uma casta política burocrática que estava cada vez mais perto de disputar com a burguesia em termos dos privilégios que possuíam. Mesmo após sua morte, o seu sistema político seguiu vigorando na União Soviética – a rejeição individual criada a sua figura pelo regime, por meio de seu sucessor Kruschev, não significou uma mudança no sistema que foi formado em seu período.
Diversas revoluções democráticas em Estados operários foram reprimidas desde então, como na Hungria em 1956 e na Tchecoslováquia em 1968. O peso da burocracia soviética foi se tornando cada vez maior – além de mais cara – e a contradição política de países operários conviverem pacificamente com a sociedade capitalista se tornou, pouco a pouco, mais insustentável. A União Soviética entrou, ainda nos anos 80, em uma crise estrutural, incapaz de competir com o sistema de mercado, parte pela pressão e influência dos capitalistas para abrir o mercado russo, parte pelo próprio peso e custos da burocracia.
Com a queda do muro de Berlim em 1989 e, enfim, a dissolução da União Soviética em 1991, o ciclo iniciado pela contrarrevolução stalinista, chega a um fim. O capitalismo estava restaurado e saía bradando sua vitória. A política do socialismo em um país só colocada em prática, só comprovou o que Marx, Lenin e Trotsky já haviam elaborado – assim como o capitalismo é internacional, não pode haver um socialismo somente na esfera nacional. Uma política de convivência pacífica e conciliação com as potências capitalistas só poderia levar ao fim dos Estados operários, mesmo que a crise do capital internacional tenha adiado esse processo.
Os dias de hoje e o stalinismo sem União Soviética
O desmonte da União Soviética gerou um grave retrocesso de consciência na sociedade – com a burguesia propagandeando que somente o capitalismo era um sistema possível de existir. Ao longo dos anos, porém, especialmente a partir da crise de 2008, o socialismo volta a ocupar cada vez mais espaço na sociedade. Porém, junto a ela, os aprendizados da experiência soviética sobre a necessidade de combinar socialismo, internacionalismo e democracia, também permitiram para que surgisse uma nova esquerda por todo mundo, diferente da antiga hegemonia construída pela máquina stalinista.
O stalinismo, porém, não morreu. Diversos Partido Comunistas que tiveram que se reencontrar em um novo período do neoliberalismo mundial, facilmente se adaptaram ao capitalismo e à social-democracia, se tornando braços de diversos regimes capitalistas. As teorias de relação com a burguesia nacional contra o imperialismo internacional serviram como justificativa para uma total adaptação capitalista, fechando o ciclo de transformação desses PCs de partidos, pelo menos em tese, revolucionários em partidos de sustentação do capitalismo.
Mas a lógica stalinista perpassa em outras organizações não reformistas, levando essa tradição a outras esferas do movimento social. Ela se apresenta na política baseada em aparatos, no hegemonismo, na elaboração refletida e baseada somente (ou quase somente) a partir do terreno nacional, na caracterização e análise política que mudam de forma inconsistente a partir das necessidades da estrutura burocrática, na falta de debates sobre os diversos tipos de opressões e no próprio sectarismo político de organizações que, num período onde é necessário um reagrupamento da esquerda revolucionária, se vêem como uma alternativa única e exclusiva da classe trabalhadora. São sintomas que podem estar em maior ou menor grau em diversas organizações que ainda seguem essa tradição burocrática.
A conjuntura global, porém, necessita de outro tipo de organização revolucionária. A crise internacional do capitalismo se expande desde 2008 e tem criado um cenário de interregno – um período onde nem os donos do poder conseguem mais dominar, mas nem os trabalhadores criaram sua alternativa. As mobilizações populares nesse sentido vêm se construindo das mais variadas formas – a luta das mulheres, dos povos indígenas, da negritude, das nações oprimidas. Os setores mais explorados da sociedade combinam uma luta política direta pelos seus direitos com uma mobilização – cada vez mais internacionalizada – contra o sistema capitalista.
O socialismo já deixou de ser um sistema que é considerado hegemonicamente fracassado – reflexo da enorme crise do capital. A juventude, em especial, tem aumentado o interesse no socialismo em todo o mundo: em 2019, nos Estados Unidos, 61% dos jovens via positivamente o socialismo: um importante reflexo no centro do capitalismo internacional. É preciso, portanto, criar organizações capazes de transformar esse interesse em uma real alternativa – não permitindo que a extrema direita capture todo sentimento de indignação popular.
Para isso é necessário construir um socialismo que consiga se conectar com o espírito democrático das grandes mobilizações populares e que possa ter no internacionalismo uma base fundamental para seu avanço. Não nos interessa só uma reprodução cartilhesca do passado, mas sim a construção de um novo futuro baseado na realidade na qual a maior parte dos trabalhadores está. Lenin, Trotsky e diversos outros revolucionários russos foram capazes de se tornarem líderes do povo pela conexão direta com a indignação popular, a flexibilidade de seu partido e a bússola internacional que possuíam.
Nisso, copiar os vícios e degenerações que o stalinismo trouxe para o movimento revolucionário só pode levar a mais uma derrota. Um novo movimento revolucionário deve ser forjado tanto das lutas reais e atuais, mas do aprendizado histórico que o último século nos trouxe. É nesse sentido que será possível construir uma real alternativa ao capitalismo e toda sua crise.