A renúncia de David Malpass, presidente do Banco Mundial, deve fortalecer ações e mobilizações
Presidente do Banco mundial desde abril de 2019, David Malpass anunciou sua renuncia no contexto de grande crise ecológica e climática, que ameaça todos os seres vivos do planeta – principalmente nos chamados países “do Sul” .
Via CADTM
David Malpass, o 13º presidente na história do Banco Mundial, seguiu o padrão de seus antecessores: é um homem dos Estados Unidos ligado ao grande capital financeiro.
Como todos os seus antecessores, David Malpass é um cidadão dos Estados Unidos. Washington conseguiu até agora impor uma tradição que é totalmente contrária ao espírito das Nações Unidas e à democracia: o cargo de Presidente do Banco Mundial é reservado a um americano nomeado pelo Presidente dos Estados Unidos.
Como a maioria dos presidentes anteriores do Banco Mundial [1], David Malpass está ligado ao grande capital financeiro: depois de trabalhar para o Tesouro e Relações Exteriores dos EUA durante os mandatos de Ronald Reagan e George H. W. Bush, David Malpass tornou-se economista-chefe do Bear Stearns, um grande banco de investimentos que entrou em falência em 2008, enquanto ainda estava no cargo… Em agosto de 2007, Malpass publicou um artigo de opinião no Wall Street Journal, no qual ele exortava seus leitores a não se preocuparem com o estado dos mercados financeiros, chegando ao ponto de escrever que «os mercados imobiliário e de dívida não são uma parte significativa da economia dos Estados Unidos ou da criação de empregos» [2].
David Malpass então se juntou à equipe de Donald Trump como Subsecretário do Tesouro para Assuntos Exteriores, antes de se tornar Presidente do Banco Mundial em 2019. Como Donald Trump, David Malpass era um cético em relação as mudanças do clima. Em outubro de 2022, em uma mesa redonda organizada pelo New York Times, ele se recusou a tomar posição sobre o papel dos combustíveis fósseis no aquecimento global, argumentando que ele «não era um cientista» [3].
Numa época de urgência ecológica e climática em que todas as economias deveriam estar voltadas para a proteção dos recursos naturais, a redução da poluição atmosférica e o combate à desigualdade [4], o presidente do Banco Mundial – instituição que distribui empréstimos e financia projetos no chamado «Sul» – não estava convencido do papel dos combustíveis fósseis no aquecimento global… Isto é extremamente grave.
David Malpass também não questionou o escandaloso sistema de votação do Banco Mundial, que dá de fato aos EUA um veto em todas as grandes decisões. Os EUA têm 15,47% dos direitos de voto para cada decisão tomada pelo BIRD [5] (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento). Para que uma decisão seja adotada, ela deve receber 85% dos votos. Portanto, nenhuma decisão pode ser adotada sem o acordo dos Estados Unidos. Nenhuma decisão do Banco Mundial (ou do FMI) pode, portanto, ir contra os interesses dos Estados Unidos.
Este sistema torna o Banco Mundial e o FMI instituições ao serviço de uma oligarquia internacional composta por «grandes potências» e empresas multinacionais cujos interesses são quase sistematicamente defendidos pelos governos ocidentais. As decisões tomadas por essas duas instituições internacionais desde sua criação provaram isso:
- Elas apoiaram e financiaram o desenvolvimento de uma política produtivista e extrativista que é destrutiva para a natureza e para as pessoas.
- Elas implementaram políticas que favorecem a especulação e a apropriação da terra e da água, das quais as populações do Sul são as principais vítimas.
- Elas reforçaram o domínio patriarcal, particularmente através do apoio ao microcrédito, que é um verdadeiro fardo para as pessoas visadas, que são em sua maioria mulheres.
- Elas têm apoiado ativamente muitas ditaduras.
- Elas impuseram políticas de ajuste estrutural na forma de condicionalidades favoráveis aos credores em troca dos empréstimos que distribuem (privatizações, reformas do Código do Trabalho, códigos minerários e florestais, abertura das economias ao capital estrangeiro, especialização das economias em monoculturas de exportação, etc.).
- Elas sabotaram experiências democráticas e progressistas fechando a torneira do crédito e depois financiando as ditaduras que foram impostas com o apoio de Washington (Mohammed Mossadegh no Irã em 1953, Jacobo Arbenz em Guaemala em 1944, João Goulart no Brasil em 1964, Salvador Allende em 1973 no Chile e mais recentemente Sisi no Egito).
- Como os EUA têm um veto a qualquer decisão significativa, estas instituições não mudarão de dentro para fora. Elas continuarão a distribuir empréstimos em troca de condicionalidades que reforçam e desregulamentam o capitalismo, aumentam as desigualdades sociais e de gênero e agravam a crise climática e ecológica. A rede CADTM Internacional, portanto, chama para:
- O fortalecimento das ações e mobilizações contra as instituições de Bretton Woods, para uma frente unida dos países do Sul contra o pagamento de dívidas ilegítimas, para a abolição dessas instituições e do sistema capitalista, patriarcal e extrativista.
- A organização de uma contra cimeira dos movimentos sociais nas Assembleias Anuais FMI-BM a serem realizadas em Marrakech de 9 a 15 de outubro de 2023.
- O cancelamento das dívidas exigidas pelo FMI e pelo Banco Mundial.
- Levar à justiça os dirigentes do Banco Mundial.
- A fundação de uma nova arquitetura internacional.
- A substituição do Banco Mundial por um Banco regionalizado que distribuiria empréstimos a taxas de juros muito baixas ou nulas para financiar projetos que respeitam as normas sociais e ambientais e os direitos humanos fundamentais. Este novo Banco Mundial deve ser o instrumento de uma saída do sistema capitalista, prejudicial aos países do «Sul», da luta contra o sistema patriarcal, de uma melhoria drástica das condições de vida da maioria da população, de uma saída do extrativismo e de uma virada ecológica mais do que urgente.
Notas
[1] Alden W. Clausen foi Presidente do Banco da América antes de se tornar Presidente do Banco Mundial (1981-1986), Robert Zoelick ocupou um cargo-chave na Goldman Sachs antes de se tornar chefe do BM de 2007 a 2012, após renunciar ao cargo de Presidente do BM em 2019, Jim Yong Kim foi trabalhar para um fundo de private equity.
[2] « Housing and debt markets are not that big a part of the U.S. economy, or of job creation…the housing- and debt-market corrections will probably add to the length of the U.S. economic expansion. » Cité par Jordan Weissmann, « Trump Taps Bear Stearns Economist Who Said Not to Worry About Credit Crisis for Key Treasury Job », 5 Janvier 2017 https://slate.com/business/2017/01/trump-picks-ex-bear-stearns-economist-for-treasury-position.html
[3] Julien Bouissou, « Derrière la démission de David Malpass, la question du rôle de la Banque mondiale face aux crises économique et climatique », Le Monde, 16/02/2023, https://www.lemonde.fr/economie/article/2023/02/16/derriere-la-demission-de-david-malpass-la-question-du-role-de-la-banque-mondiale-face-aux-crises-economique-et-climatique_6162048_3234.html
[4] Os mais ricos são os maiores poluidores. Em 2020, a Oxfam e o Instituto Ambiental de Estocolmo mostraram que os 1% mais ricos geraram mais emissões do que a metade mais pobre da humanidade.
T. Gore (2020), Combattre les inégalités des émissions de CO2 : La justice climatique au cœur de la reprise post Covid-19. Oxfam. https:// oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/621052/mb-confronting-carbon-inequality-210920-fr.pdf
[5] “International Bank for Reconstruction and Development Subscriptions and voting power of member countries”, World Bank, https://thedocs.worldbank.org/en/doc/a16374a6cee037e274c5e932bf9f88c6-0330032021/original/IBRDCountryVotingTable.pdf