Ouro de Sangue: como o PT favoreceu o crescimento do garimpo
Deputado do partido é autor de lei da presunção da “boa-fé” na venda ilegal de minério no país
Estima-se que pelo menos 30% do ouro comercializado no Brasil seja fruto do garimpo ilegal, extraído de terras indígenas e de reservas ambientais, deixando para trás um rastro de poluição de rios, destruição de florestas, além de doenças para os povos originários. A tragédia yanomami no Norte do país tem essa atividade como uma das causas. Jair Bolsonaro incentivou e promoveu a ilegalidade em seu governo, ao mesmo tempo em que negligenciou as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas que tiveram territórios invadidos. Porém, a condescendência com o setor não vem apenas de políticos da extrema direita.
Reportagem da Folha de S.Paulo revelou que é de um deputado do Partido dos Trabalhadores (PT) a autoria da lei de presunção da “boa-fé” para o comércio de ouro. Sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em 2013, a legislação proposta pelo deputado Odair Cunha (PT-MG) foi determinante para o avanço do garimpo ilegal, uma vez que facilita a comercialização. A lei define que basta a palavra do vendedor do minério para atestar a legalidade de origem. O comprador, ainda que seja enganado, não será punido caso se descubra a má procedência do produto.
Em igual sentido, a lei dificulta a fiscalização de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs),instituições financeiras credenciadas a operar com ouro, pelo Banco Central. Caso adquiriam ouro extraído de uma reserva ambiental, por exemplo, os estabelecimentos podem se defender argumentando não serem obrigadas a comprovar a informação dada pelo vendedor. Segundo levantamento do Instituto Escolhas mais de 200 toneladas de ouro extraído ilegalmente no país foram comercializados entre 2015 a 2020, amparada pelo instrumento da boa-fé
A emenda do deputado mineiro já surge na obscuridade, incluída como um “jabuti” dentro de uma medida provisória (MP) que tratava de seguro agrícola. Ainda que não seja um nome tão associado ao garimpo, Cunha, que está no sexto mandato na Câmara, tem histórico de tentativas de flexibilização das leis do garimpo anterior a aprovação da emenda da boa-fé e, mais recentemente, fez parte do grupo de transição de Minas e Energia do governo Lula.
Em nota, Cunha defendeu-se da pecha de protetor da ilegalidade dizendo que sua proposta deveria facilitar a fiscalização, desvirtuada no governo Bolsonaro Acrescenta ainda que, por ser mineiro, tem ligação natural com o garimpo.
“A atividade minerária está consignada no nome do meu estado de origem. Não se pode confundir apoio a uma atividade legal, sócio e ambientalmente sustentável com apoio a práticas criminosas. Repito: o que ocorreu no governo Bolsonaro foi o desmonte dos órgãos de fiscalização, o que levou ao calamitoso quadro atual”, disse.
Em busca da revogação
Tramita no Congresso Nacional desde o ano passado, proposta da então deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) para revogar a emenda da boa-fé, estabelecendo ainda normas para a rastreabilidade do ouro. Hoje à frente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia recebeu apoio de parlamentares de esquerda na apresentação da proposta. A emenda da boa-fé ainda teve constitucionalidade questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta terça-feira (7/02), o ministro Gilmar Mendes intimou o Banco Central a a Agência Nacional de Mineração (ANM) a prestarem depoimentos sobre a situação do garimpo ilegal na Amazônia.
Bolsonarista convicto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem ciência dos prejuízos trazidos pela da boa-fé ao menos desde o ano passado, alertado por grupos da sociedade civil como Instituto Brasileiro de Mineração, Instituto Ethos, Instituto Socioambiental e Instituto Escolhas. A informação é de que um grupo de apenas cinco DTVMs detenha o monopólio da comercialização do ouro clandestino. Resta saber se houve interesse de desmontar o esquema da venda de Ouro de Sangue.