Martin Luther King  e Malcolm X: dois líderes notáveis e uma grande polêmica
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Martin Luther King e Malcolm X: dois líderes notáveis e uma grande polêmica

Dois caminhos abolicionistas para libertação do povo negro

Danilo Serafim 30 mar 2023, 15:04

Durante muitos anos, o debate que circundou os meios intelectuais e o movimento antirracista internacional foi o papel que cumpriu na luta pelos direitos civis nos EUA o pastor Martin Luther King Jr. A crítica que se fazia é que ele era um moderado, portanto não conseguiu cumprir um papel revolucionário por suas ações de não violência. Há muitas controvérsias nessa discussão.

No inverno de 1959, depois de liderar o boicote aos ônibus de Montgomery, após a prisão de Rosa Parks, e antes que tivessem os julgamentos e as vitórias, Martin Luther King Jr. e sua esposa, Coretta, chegaram à  cidade de Bombaim, na Índia, para visitar a terra de Mohandas Gandhi, o pai do protesto pacífico.

Embora a abordagem de Martin Luther King Jr. fosse não violenta, ele nunca aconselhou a passividade diante a injustiça e da política do possível. King tinha a exata noção da dimensão da luta que travava.    

Ele se inspirou no movimento organizado por Gandhi contra o imperialismo britânico na Índia e nunca escondeu isso de ninguém, muito pelo contrário, o líder indiano foi o grande inspirador dos métodos de não violência empregados  por Martin Luther King Jr. na luta pelos direitos civis do povo afro-americano.   

Luther King Jr. ganhou o prêmio Nobel da Paz por seu combate à desigualdade racial promovendo a resistência não violenta inspirado pelo indiano Mahatma Gandhi. Ele defendia uma luta pacifista, com debates abertos e resistência pautada no diálogo político com a sociedade.  

Seu principal oponente na liderança da  luta antirracista, Malcolm X, acreditava ser impossível resistir a linchamentos, a tiros e a própria violência do Estado contra os negros sem devolver em igual medida a ferocidade e o ódio com que os de pele escura eram tratados nos EUA. Malcolm X dizia que “é um crime ensinar um homem a não se defender quando ele é vítima constante de ataques brutais”.    

A diferença entre os dois grandes líderes da luta dos afro-americanos  era essencialmente de método. De que maneira viam o futuro do povo negro? King fez um discurso inesquecível que é lembrado até hoje, afirmando que tinha um sonho… um sonho que um dia descendentes de escravos e os proprietários de escravos se sentariam juntos à mesma mesa, em total fraternidade. Coisa que nunca aconteceu. O que ele defendia na verdade era a absorção do negro na sociedade dominada pelos brancos. 

Ao contrário, Malcolm X com seu discurso ultrarradical dizia que não se considerava americano, “pois os negros que viviam nos EUA eram africanos cujos ancestrais haviam sido raptados e submetidos ao cativeiro na América”. Para ele, o homem branco era o inimigo – ou o demônio.

Seu sonho, diferentemente ao de King, não era o negro ser aceito pela sociedade branca. Ao contrário, era o negro protagonista de sua própria história. Ou seja, um protagonismo obtido à base do confronto e, sobretudo, da consciência que os brancos usavam de todas as estratégias para permanecer dominantes. Nesse sentido, Malcolm foi um profeta. 

Em um discurso em 1964, um ano antes de seu assassinato – que naquele momento, a mídia e a polícia de Nova York imputaram a Nação do Islã, mas que anos depois soube-se que quem estava por trás da eliminação de Malcolm X fora a CIA e o FBI – ele fez o seguinte pronunciamento: 

“Os nacionalistas negros para muitos de vocês podem representar apenas uma minoria na comunidade. E, portanto, você pode ter a tendência de classificá-los como algo insignificante. Mas assim como o pavio é a menor parte ou o menor pedaço do barril de pólvora, é esse pavio que acende o barril de pólvora. Os nacionalistas negros para você podem representar uma pequena minoria na chamada comunidade negra. Mas eles simplesmente são compostos do tipo de ingrediente necessário para fundir ou inflamar toda a comunidade negra. E isso é uma coisa que os brancos – quer vocês se chamem de liberais, conservadores, racistas ou o que quer que escolham ser –, uma coisa vocês devem perceber é que, no que diz respeito à comunidade negra, embora a grande maioria com quem você entra em contato possa impressioná-lo como sendo moderado e paciente e amoroso e longânimo e todo esse tipo de coisa, a minoria que você considera ser muçulmana ou nacionalista acontece ser feita do tipo de ingrediente, que pode facilmente despertar a comunidade negra. Isso deve ser entendido. Porque, para mim, um barril de pólvora não é nada sem um fusível”.

De fato. O ano de 1964 foi o ano mais quente da América; foi um ano de muita violência e muito derramamento de sangue racial. Malcolm X dizia que “uma nova geração de negros que cresceu neste país nos últimos anos já está formando a opinião justa, que se há derramamento de sangue, deve ser recíproco – sangramento de ambos os lados.

Ele profetizava que o que acontece com um negro na América, acontece com o homem negro na África. O que acontece com um negro na América e na África acontece com o negro na Ásia e com o negro na América Latina. O que acontece com um de nós acontece com todos nós.       

James Baldwin, grande escritor afro-americano, que admirava muito os dois líderes por razões distintas e diversas, fez a seguinte declaração pública a respeito de Malcolm X: “Quando Malcolm fala, fala diretamente ao coração dos negros”. Essa declaração é de 1963. James Baldwin foi o maior ou um dos maiores expoentes entre os pensadores negros afro-americanos. 

De acordo com Baldwin, Malcolm X tinha a capacidade de articular seu  sofrimento, com o sofrimento que há tanto tempo é negado nesse país. Baldwin dizia que essa era a grande autoridade de Malcolm X sobre qualquer um de seus públicos. Ele corrobora a realidade deles, diz o que realmente pensam e de como agir contra o opressor branco.               

Robert F. Willians, um ex fuzileiro naval radical negro, tornou-se líder da filial da NAACP na Carolina do Norte. Após uma série de confrontos com racistas brancos, Willians declarou que os afro-americanos não tinham escolha a não ser “enfrentar violência com violência” e organizou um grupo de autodefesa armado em Monroe. Willians foi suspensa da NAACP, mas a polêmica não terminou, pelo contrário. 

Willians, no jornal Liberation, diz que a não-violência era uma estratégia irreal para os afro-americanos. Willians elogiava Martin Luther King Jr. como um grande líder, no entanto ele insistia que a não-violência foi “feita sob encomenda” para o boicote de ônibus de Montgomery e não para enfrentar fisicamente os pogroms da Ku Klux Klan.     

As críticas de Willians a  Martin Luther  King Jr. tornaram-se públicas. Willians voltará a criticar King pelo fato do líder não ter feito uma condenação veemente sobre as possibilidades, naquele momento da Guerra Fria, de uma guerra nuclear. Willians argumentou que aqueles, como King, que pregavam a não-violência, eram fracos quando se tratava de protestar contra o belicismo dos políticos enlouquecidos na corrida armamentista nuclear.  Para Willians, o nacionalismo negro era sinônimo de antiguerra. 

Em resposta King dizia: “Declarei inequivocamente meu ódio por este mais colossal de todos os males e condenei os organizadores de guerra; independentemente da posição ou nacionalidade”.

King falava publicamente, seja para os paroquianos da igreja ou a estudantes universitários, e frequentemente exigia o fim da corrida armamentista nuclear. Em sua “Peregrinação à Não Violência”, King explicou que “a igreja não pode permanecer em silêncio enquanto a humanidade enfrenta a ameaça de ser lançada no abismo da aniquilação nuclear”.

Na divergência com Willians, King estava convencido de que a autodefesa armada “enganaria os negros na crença de que este é o único caminho e os colocaria como minoria em uma posição em que enfrentariam um adversário muito maior do que seria possível derrotar em combate”.  King admitiu que nem mesmo Gandhi condenou o princípio de autodefesa, mesmo envolvendo derramamento de sangue. De fato, Gandhi sancionou a autodefesa armada para aqueles incapazes de dominar a pura não-violência.

Em 1º de abril de 1961, o escritor negro James Baldwin falou num comício sobre “Segurança através do desarmamento mundial”. Quando foi indagado pela mídia sobre o motivo de ter escolhido falar naquele evento, Baldwin respondeu: “O que estou fazendo aqui? Só aqueles que não conseguem ver a relação entre a luta pelos direitos civis e a luta pela paz mundial ficariam surpresos de me ver. As duas lutas são iguais. É tão difícil para o americano branco pensar na paz quanto na ausência de cor… O confronto de ambos os dilemas exige coragem interior”. Baldwin considerou os dois problemas ao mesmo tempo porque “o ódio racial e a bomba atômica ameaçam a destruição do homem como criado livre por Deus”.

Os comentários de Baldwin foram surpreendentemente iguais aos do Dr. King, apenas quatro anos antes. Muitos estudiosos que examinaram os últimos anos de King, argumentaram que, em meados da década de 1960, King começou a mudar o seu foco dos direitos civis para questões relacionadas à paz e à justiça econômica.           

J. Philip Thompson, num trabalho muito importante publicado na Boston Review, afirma que o Reverendo Martin Luther King Jr. é um líder para os nossos tempos. E vai além, diz que o líder negro norte-americano é um revolucionário completo, que defendeu a resistência pacífica, mas determinada, não apenas à subjugação racial, mas também econômica.

Embora a sua abordagem fosse não-violenta, ele nunca aconselhou a passividade diante da injustiça ou a aceitação da “política do possível”. O seu  método era um apelo ao protesto prolongado e ao auto sacrifício entre as pessoas de consciência, uma resolução forte o suficiente para forçar uma reordenação humanista das prioridades nacionais e transformação da economia política. 

De fato, Martin Luther King Jr. opôs-se ao militarismo dos Estados Unidos, denunciando a guerra do Vietnã durante o auge de sua popularidade. Ele propôs gastar dinheiro com pleno emprego, assistência médica universal, moradia acessível e investimentos maciços em educação. King acreditava que a justiça racial não era o objeto final da luta dos negros americanos mas, sim, parte de uma luta mais ampla e fundamental pela justiça econômica. 

A justiça econômica também não era objetivo final, mas era uma condição do objetivo de defender a dignidade e a promessa dos seres humanos em todos os lugares. Certamente o racismo não se expressa apenas em questões econômicas. 

De novo, aí, aparece uma diferença entre King e Malcolm X.  Sobre economia, o segundo expressava a seguinte posição: 

“Nossa filosofia econômica é que devemos obter controle econômico sobre a economia de nossa comunidade, os negócios e outras coisas que criam empregos, para que possamos fornecer empregos para nosso próprio povo, em vez de fazer piquetes, boicotar, e implorar a alguém por um trabalho.    

King acreditava que o movimento trabalhista norte-americano, como as organizações de direitos civis, deveria se esforçar para redesenhar a economia, eliminar a discriminação racial e destruir a máquina de guerra. Ia além. Não apenas o reconhecimento sindical, mas o reconhecimento humano, deveria ser o propósito de todo trabalho organizado. 

Segundo J. Philip Thompson, King argumentava que o movimento trabalhista não poderia sobreviver sem lutar seriamente contra a pobreza nos guetos urbanos, dizendo ao Illinois AFL- CIO em 1965: “Onde há milhões de pobres, o trabalho organizado não pode realmente ser seguro”.

De acordo com Yamatha Taylor, as luas antirracistas também ocorrem em resposta às crises sociais pelas quais as comunidades negras passam, incluindo lutas contra a discriminação racial, a brutalidade policial, pela moradia, assistência médica, contra a desigualdade educacional e o encarceramento em massa.     

Martin Luther King lembrava de um aspecto fundamental. A necessidade de ativistas negros conquistarem cargos eletivos políticos e a defesa do orgulho negro são inerentes como um contraponto aos estereótipos antinegros, assim como o ódio de si mesmos.

A questão ideológica é que os racismos se infiltram em todos os aspectos da vida social e política da classe trabalhadora. E é por isso que a luta contra ele é uma luta de afirmação da vida em um sentido político expansivo. Ou seja, o racismo deve ser combatido não apenas como periférico a uma luta de classes que acontece em outro lugar, mas em seus próprios termos. Os termos do poder político capitalista. Isso é o que significa combater o racismo como racismo.   

É o movimento real que abole o atual estado de coisas. Uma sociedade que se quer livre, na qual todas as pessoas tenham controle de seus bairros, de seus locais de trabalho, de suas vidas e de seus corpos. Essa visão tem guiado inúmeras lutas em vários lugares com o objetivo de construir um caminho para sair da terrível realidade capitalista, cruel e destruidora de sonhos que afetam milhões de descendentes de africanos em todas as regiões onde o escravismo colonial perpetrou o racismo e o ódio contra as pessoas negras.   

King foi o grande defensor dos direitos dos afro-americanos e conseguiu mobilizar brancos, negros e intelectuais na conscientização sobre os crimes que se perpetravam pelos racistas cometidos contra a população preta; enquanto Malcolm X pregava a violência física e simbólica como forma de resistência contra a opressão branca. Eles se aproximaram meses antes do assassinato de Malcolm X.

Os dois grandes líderes das lutas dos afro-americanos nos Estados Unidos, que pensavam diferente no método de enfrentamento ao sistema – mas que concordavam em por fim a opressão que o povo negro sofria numa sociedade racista, que relegava os afro-americanos a condição de párias – tiverem o mesmo fim. Malcolm X foi assassinado em 1965 e, Martin Luther King Jr., em 1968.


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