A mobilização na França contra a reforma da aposentadorias não quer virar a página
FRANCE - SOCIAL - 10TH DEMONSTRATION AGAINST PENSION REFORM

A mobilização na França contra a reforma da aposentadorias não quer virar a página

A classe trabalhadora francesa continua em luta contra a retirada de direitos através da reforma das aposentadorias do presidente Macron.

León Crémieux 24 abr 2023, 12:27

Foto: Photothèque Rouge / Martin Noda / Hans Lucas


Nos últimos oito dias se assistiu a um ponto de inflexão no movimento de greves e de mobilização.
Tivemos sucessivamente na quinta-feira 13 de Abril o 12º dia de mobilização nacional convocado pela União Intersindical, depois no dia 14 a validação da reforma pelo Conselho Constitucional, no dia 17 um discurso “solene” do Macron transmitido pela televisão e no dia 20 uma série de manifestações e greves de um dia em vários setores.

A expressão da rejeição da reforma continua a tomar a forma de numerosas manifestações, bloqueios e greves. Nem Macron nem os seus ministros podem fazer uma viagem sem serem confrontados com manifestações populares de hostilidade. Da mesma forma, todas as sondagens de opinião indicam uma taxa de 75% de impopularidade para Macron, cujo isolamento cresceu ainda mais nos últimos dias.

No 13 de Abril, 1,5 milhões de pessoas desceram na rua em manifestações (380.000 segundo a polícia), cerca de um terço menos do que a 6 de Abril, continuando a baixa da mobilização, mas ainda um número muito elevado, equivalente a muitos dos maiores dias de greve dos últimos anos. A queda deve-se essencialmente ao fim das greves renováveis que foram poderosos motores de mobilização (mesmo que a 13 de abril, á iniciativa da CGT, o setor da recolha de lixo tenha voltado à greve renovável), às férias da Páscoa num terço dos departamentos e, sobretudo, obviamente, a uma situação de espera. Como a relação de força não obrigou Macron a recuar, as mentes, mesmo as da União Intersindical, estavam esperando a data limite de 14 de abril com as decisões do Conselho Constitucional.

Durante as centenas de iniciativas locais de 13 de abril, bloqueios, barragens filtrantes nas rotatórias, a repressão policial foi sistemática, e a detenção provisória a regra. O isolamento político de Macron é acompanhado por um aumento das intervenções policiais e da violência. A defensora dos Direitos (uma autoridade independente que pode ser acionada diretamente para defender direitos e liberdades, particularmente em relação às administrações estatais), Claire Hedon registrou mais de 120 casos de violência policial referidos aos seus serviços desde Janeiro de 2023, a grande maioria dos quais desde meados de Março, data do acionamento do dispositivo 49.3: o número de exações está aumentando, intervenções policiais, cerco das manifestações, espancamentos, custódia policial arbitrária.

No dia seguinte a 13 de abril, o Conselho Constitucional emitiu dois pareceres: um sobre a constitucionalidade da lei das aposentadorias e o procedimento seguido, e outro sobre o pedido do NUPES de um “referendo de iniciativa partilhada” (RIP) a favor uma lei que diz que “a idade legal da reforma não pode ser fixada para além dos 62 anos”. Muitos esperavam que o que não tinha sido possível alcançar pela moção de censura, greves e manifestações pudesse ser alcançado pela decisão do Conselho de que a lei [e os procedimentos da sua adoção] feria a constituição e que o governo teria de regressar frente ao parlamento. Muitos esperavam também que, no mínimo, uma campanha para recolher assinaturas para o PIR (cerca de 4,8 milhões em 9 meses, 10% dos eleitores registados) pudesse ser organizada. Num cenário digno de uma ditadura, o edifício do Conselho no coração de Paris foi cercado desde o dia13 de abril por mais de uma centena de CRS e gendarmes para impedir qualquer manifestação.

Mesmo que houvesse bases jurídicas muito sólidas para não avalizar a lei, fazê-lo teria sido obviamente uma escolha política paradoxal vindo de um órgão composto por nove personalidades ligadas a Macron e às suas políticas, de perto ou de longe. Estava fora de questão que este Conselho abrisse mais amplamente a crise política. Do mesmo modo, a escolha foi muito política de recusar o RIP, que poderia ter-se tornado uma pedra no sapato de Macron, aporrinhando ele e seu governo durante pelo menos nove meses.

Na noite de 14 de abril, as ruas de Paris e dezenas de cidades ressoaram com a cólera de milhares de pessoas, demonstrando uma vez mais a sua rejeição da reforma. Assim que a validação da lei foi anunciada, os sindicatos pediram a Macron que adiasse a promulgação da lei e que os recebesse. Este último, pelo contrário, enquanto tinha quinze dias para o fazer, se apressou a promulgar a lei algumas horas após o anúncio da validação. Estas decisões do Conselho, últimas esperanças para bloquear legalmente a lei, esta promulgação expressa, foram vivenciadas como um novo diktat com o objetivo de silenciar a ira popular.

Na segunda-feira seguinte (dia 17), Macron tentou uma primeira “saída de crise” televisiva com um discurso às 20 horas. Concedendo o óbvio: “Esta reforma é aceite? Obviamente não”, isto não o impediu de repetir os seus argumentos para justificar a sua reforma. Macron lembrava furiosamente um CEO de uma grande empresa, justificando mais uma vez uma plano de demissões em frente dos sindicatos em greve contra. Assim como o CEO não tem obrigação de ouvir os sindicatos e os empregados, o antigo banqueiro de investimentos considera obviamente que a sua única obrigação é cumprir os objetivos financeiros do capitalismo liberal e os imperativos da comunidade europeia. As instituições políticas são para ele apenas um acessório, que atrapalha; a voz popular e maioritária das greves e da rua, um embaraçoso contratempo, mas sem consequências, enquanto os seus mandantes continuarem a confiar nele. Assim, a única prova que ele quis dar neste discurso foi que ainda estava ao leme. Ele sabe que o seu verdadeiro poder, quotidiano, vem dos grandes investidores, empresas e instituições.

O seu discurso serviu para se dar 100 dias para obter “apaziguamento”, fechando o “episódio das aposentadorias” e falando de saúde, desemprego, imigração e segurança, como se todas estas questões lhe permitissem virar a página e não fossem áreas em que a mesma política de classe, desigualdade e discriminação fossem exercidas. A associação ATTAC (crítica do neoliberalismo) tinha lançado a ideia de grandes “casserolades [panelaços]” no momento do seu discurso. A ideia foi amplamente retomada, com milhares de pessoas em mais de 300 comícios.

Estes “panelaços” se repetem, desde então, a cada tentativa de Macron, Borne ou dos seus ministros de se deslocar. Tanto assim que na quarta-feira 19 de abril, enquanto Macron visitava uma pequena cidade do sudoeste, Ganges, o prefeito do departamento emitiu uma ordem para “estabelecer um perímetro de proteção”, invocando as ameaças de ataques, as leis antiterroristas que, mais uma vez, são utilizadas de fato para proibir a liberdade de manifestação. Pior, as forças policiais, apoiando-se no decreto, confiscaram sistematicamente as panelas e latas com que os manifestantes se tinham equipado, determinados a fazer-se ouvir por Macron. Mais uma vez, o protesto social é equiparado a uma atividade terrorista.

Os sinais da deriva do poder multiplicam-se, para além do episódio do Ganges. As ameaças de Darmanin contra a “Ligue des Droits de l’Homme [Liga dos Direitos Humanos]” foram seguidas pelas de Borne. O “Conseil d’orientation des retraites [COR, Conselho de Orientação das Aposentadorias]”, cujo relatório de 2023 não confirmou o narrativa de Macron sobre a catástrofe anunciada, está sendo desde então pressionado a conformar o seu relatório de 2024 à versão oficial do governo.

A pedido de Macron, e para tranquilizar as agências de notação sobre a “qualidade da gestão” do governo, Bruno Le Maire, o Ministro da Economia e Finanças, acaba de divulgar o seu novo “roteiro para as finanças públicas”. Enquanto o BCE mantém o aumento das taxas de juro, pretende acelerar a aplicação dos critérios de convergência com o objetivo de reduzir o déficit orçamental para 2,7% e a dívida para 108,3% do PIB até 2027. No ano passado, Bruno Le Maire previu apenas 2,9% e 112,5%. Este ano, o déficit orçamental deverá ser de 4,9%. Como resultado, todos os ministérios acabam de receber cartas de orientação orçamentaria que preveem uma reduzir os gastos em 5% para se aproximarem do objetivo fixado por Le Maire. A redução drástica do montante da despesa pública irá agravar ainda mais a escassez de serviços públicos.

Neste contexto, o movimento de mobilização, apesar da ira social, está marcando passo. O que está em jogo é a capacidade ou não de impor a Macron um revés nos 64 anos, apesar da promulgação da lei. É óbvio que isto ainda dependeria da capacidade de alargar a crise política e de paralisar o governo. A paralisia parlamentar permanecerá, pois é agora claro que os republicanos não formarão uma aliança parlamentar para assegurar uma maioria. Mas Borne e Macron esperam passar por novas moções de censura e continuar a governar navegando a vista e avançando com o maior número possível de decretos que não implicam uma votação no parlamento. Só a mobilização popular pode realmente pôr o governo de joelhos.

O objetivo anunciado pela Intersindical é fazer do dia 1° de maio o próximo prazo com manifestações unitárias em todas as cidades. Claro que esta será histórica, desde 1945, o movimento sindical em França nunca esteve unido numa única manifestação no dia 1 de maio. Este é um sinal positivo do equilíbrio de poder construído no movimento. Mas qual é o objetivo? Fazer dele um ponto de partida para um novo fôlego, um novo impulso para enfrentar Macron? Isto seria obviamente decisivo para impor uma derrota a Macron, mas bate nos limites da Intersindical. A unidade mantém-se sobre a rejeição dos 64 anos e a recusa de diálogo com Macron sem recuar na sua reforma e este é um fator de dinamização das mobilizações que ainda são numerosas em todo o país. Mas qual será o objetivo depois de 1 de maio?

Os desafios dos próximos dias será de definir novas alavancas da mobilização, contra os 64 anos, alargando o âmbito para incluir as questões sociais mais urgentes, a começar pelos salários e o custo de vida, mantendo a dinâmica unitária, mas avançando para um novo confronto para fazer Macron ceder.


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