Os retrocessos do novo teto de gastos
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Os retrocessos do novo teto de gastos

O novo arcabouço fiscal representa um um grande ataque ao conjunto dos trabalhadores afetados por suas medidas de austeridade fiscal.

Marcio Ornelas 21 abr 2023, 16:36

O nome pomposo de arcabouço fiscal não demonstra o que essa âncora é à primeira vista, uma espécie de Carta ao Povo Brasileiro 2.0, onde o governo Lula vai impor um novo teto de gastos ao país, num gesto claríssimo de aceno ao mercado financeiro.

É evidente que o governo petista tem reivindicado o novo teto como um avanço frente a atual regra fiscal. No atual teto elaborado pelo governo Temer, o aumento das despesas são congeladas por um prazo de 10 anos (renováveis por mais 10), permitindo que essas despesas do governo só fossem reajustadas com a variação da inflação, ou seja, sem ganho real. Há algumas exceções de gastos que não estão inclusas no teto, mas voltaremos a elas mais tarde.

O novo teto elaborado por Haddad prevê o crescimento das despesas limitado a 70% das receitas. Limitados a uma variação de banda de 0,6% a 2,5%. Isso na prática garante mesmo nos piores cenários um piso de crescimento real e um teto bastante enxuto de 2,5%.

A questão mais dramática nessa nova regra fiscal é que tanto saúde quanto educação tem pisos fixos de investimento atrelados à Constituição. Isso significa que, enquanto o teto do Haddad cresce numa velocidade de 70%, saúde e educação crescem a 100% da receita. Em poucos anos, saúde e educação esmagariam as outras despesas e ocupariam praticamente a totalidade do teto. Essa questão matemática só pode ser resolvida de uma única forma: acabar com os pisos constitucionais de saúde e educação.

Isso significaria um retrocesso para o Brasil, que teve um amplo processo de luta política, de décadas, para garantir constitucionalmente esses pisos. Como forma de reparar a brutal formação desigual, que subjulgou negros e pobres, as mais duras atrocidades. É parte da nossa luta fundamental por uma educação e saúde universalizada, que sequer o golpista do Temer e mesmo Bolsonaro, não tiveram coragem de atacar.

Ao mesmo tempo, o novo teto de gastos condiciona qualquer aumento das despesas ao aumento sistemático da arrecadação. Por que o objetivo final do teto não será remunerar melhor os trabalhadores, e sim garantir superávit até 2026. Isso vai, inevitavelmente, exercer uma pressão para o achatamento das despesas públicas (até mesmo cortes) e principalmente arrecadação via aumento de impostos. A primeira vítima dessa nova regra certamente vai ser o salário mínimo, que vai ter que ter seu aumento readequado para a nova realidade que o teto impõe.

Outra questão dramática é que os investimentos continuam dentro do teto. Isso é de uma irresponsabilidade muito grande, com as tarefas históricas que nós temos para enterrar o bolsonarismo e impulsionar a economia brasileira. Se a receita crescer dentro da variação da banda 0,6 a 2,5%, não vai haver recurso para fomentar o crescimento. Somente o que exceder a isso, poderia retornar em forma de investimento. E mesmo as previsões mais otimistas, não apontam para esse cenário de excedente até 2026.

Diversos economistas importantes, fizeram um levantamento que expõe a tragédia que esse novo teto vai significar em alguns anos. Nos estudos, os números variam entre 8 a 10 trilhões de reais, que teriam deixados de ser investidos, caso esse novo teto estivesse vigorando desde 2003.

Por outro lado, é impor uma realidade de ajuste fiscal, nunca experimentada por nenhum dos governos do PT. Que agora estará limitado a no máximo 2,5% de crescimento de despesas, enquanto a média dos seus gastos foi 5,2% ao ano. Sem falar no ano de 2009, como aponta o economista David Deccache, que para escapar da crise econômica, o governo Lula ampliou os gastos em quase 10%. Se a nova regra estivesse valendo, o aumento real seria de 0,6%.

Para piorar, Haddad ainda colocou a Caixa e o BNDS dentro do novo teto, despesas que estavam fora do teto elaborado por Temer. É de uma brutalidade terrível, justamente com o pequeno empreendedor ou pequeno produtor, justamente quem mais precisa das modalidades de crédito subsidiado pelo governo. Essas despesas estando incluídas no novo teto, vai ter um impacto sobre o crédito público em médio prazo.

Mas o mais decepcionante é que todos nós lutamos arduamente pela vitória de Lula, pois os anos de política fiscal achatada pelo teto de Temer que congelava gastos, depreciou as condições materiais do nosso povo, os investimentos e nos empurraram para a recessão econômica. Nós derrotamos Bolsonaro para iniciar uma trajetória de recuperação das condições de vida da nossa população, mas esse teto de gastos é o pacto derradeiro de Lula com os interesses do mercado. Rifando os investimentos reais e as condições de investimento tecnológico, industrial e de infraestrutura. É a manutenção, de forma menos dura, da mesma política econômica de Temer e Bolsonaro.

E, ao manter essa nova âncora fiscal atrelada à Constituição, nos mantemos num isolado retrocesso, onde apenas 4 países do mundo vinculam regras fiscais à constituição. Justamente por que qualquer regra fiscal é elaborada diante de um cenário econômico específico, com regras e metas que são próprias do cenário em que são elaboradas. Por isso não há qualquer sentido em ter âncoras fiscais vinculadas à perenidade que a constituição impõe. Mas isso é parte do gesto do governo Lula ao mercado, para mostrar o seu compromisso com o ajuste fiscal e que mesmo no cenário mais adverso, sua constitucionalidade vai impor o cumprimento desse pacto. É o afago derradeiro de Lula na burguesia nacional.

Diante de um ajuste fiscal que vai jogar garantias constitucionais por terra, será necessário se posicionar. Nesses tempos de frentes amplas pela democracia, onde tudo parece mais do mesmo, o novo ajuste fiscal é a nova fronteira entre aqueles que vão se colocar na defesa de Lula e do ajuste fiscal, e aqueles que vão verdadeiramente defender os interesses dos trabalhadores.


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