PSOL contra o consenso neoliberal
O PSOL tem um compromisso histórico de luta contra os ajustes neoliberais e deve se posicionar contra o novo plano de austeridade apresentado pelo governo Lula.
Foto: Facebook / Bruno Magalhães
Fernando Haddad e Simone Tebet, com aval de Lula, apresentaram a proposta de novas regras fiscais. O Brasil se vê diante, outra vez, de uma perspectiva de ajuste e de um triunfo das pressões do mercado sobre as demandas populares.
Os números não são modestos. Em três anos prevê-se ajustar o equivalente a pelo menos 2% do PIB, saindo do déficit para o superávit primário. Isso significa menos dinheiro para investimentos sociais e mais dinheiro “poupado” para o pagamento da dívida pública, cujos maiores credores são bancos e ricos.
O aumento das despesas do governo jamais poderá ultrapassar 2,5% além da inflação, tampouco 70% do incremento das receitas. O piso estabelecido de crescimento das despesas acima da inflação é de só 0,6%, quase nada em momentos de crise. Os únicos gastos fora do teto serão FUNDEB e pagamento do piso da enfermagem. Os gastos mínimos constitucionais com saúde e educação voltarão a valer, porém pressionando as demais “despesas primárias”, exceto as emendas parlamentares, que abocanham sozinhas um mínimo de 2% das receitas correntes líquidas anuais.1
A classe dominante expressou um alto grau de consciência de classe ao defender a proposta. A bolsa subiu e o dólar caiu. Comentaristas políticos burgueses alegaram abertamente que, para um governo “de esquerda” e eleito com a proposta de aumentar gastos, está ótimo. A FEBRABAN emitiu nota elogiando o “novo arcabouço”, enaltecido ainda pelo presidente do Banco Central, Campos Neto.
Na casta política, além do governo, Rogério Marinho, bolsonarista líder da oposição no Senado, elogiou o plano. O mesmo fizeram Lira e Pacheco. Michel Temer, ex-presidente golpista, pai do Teto de Gastos, disse que o projeto “não é ruim”, e sim uma “adaptação” do próprio Teto.
Por que isso ocorre? Pois, de fato, o país está diante de mais uma regra pró-mercado. Como afirmou em rede social o economista do PSOL, David Deccache, trata-se de uma lógica na qual “o orçamento público deve seguir regras que agradem, primeiramente, ao mercado — leia-se elites dominantes de raízes escravocratas, subordinadas ao imperialismo, espoliativas e rentistas”, restando à classe trabalhadora disputar “ajustes marginais de parâmetros no programa desenhado pelo mercado e para o mercado.”2
À esquerda, alguns argumentarão: “mas o novo arcabouço é melhor do que o Teto de Gastos”. Na verdade, ele é mais factível do que o Teto de Gastos, razão pelo qual aquele, e não mais este, está sendo defendido pela burguesia. Apenas essa constatação rasa (de que é melhor que o Teto de Gastos) nos fará defender uma proposta anti-classe trabalhadora?
Aqui, entramos no que motiva o título deste artigo. Em que pese o novo arcabouço fiscal seja a mais estruturante proposta econômica apresentada pelo governo até agora, uma parcela importante da esquerda está cautelosa em criticá-lo.
Dentro da bancada de deputados federais do PSOL, apenas quatro, Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna, Glauber Braga e Chico Alencar, pronunciaram-se a respeito, criticando o projeto. Entre os demais, não se registraram comentários. Já o presidente do partido foi a público, em rede social, dizer que o PSOL ainda debaterá a proposição, analisando “avanços e limites”. Como assim?
O que está em questão é um projeto que prejudica os trabalhadores e que é defendido pelos setores mais à direita. O partido deve, então, se mover pelo interesse da classe a que representa, acima dos pactos diplomáticos que tem com o governo.
Tão grave quanto a regra fiscal em si é a naturalização do debate despolitizado em torno dela (ou a falta de debate). O consenso neoliberal é destro em tratar como “inevitáveis” regras que são antipovo, como “técnicas” questões que são políticas, como “responsabilidade” e “equilíbrio” o que, na verdade, são interesses da classe dominante, espoliação e injustiça.
Um dos papéis imprescindíveis de um partido socialista é denunciar essa lógica e instituir um polo que a ela não se rende. Já um governo progressista terá mais força para enfrentar a extrema-direita quando referenciar uma maioria social com políticas econômicas justas e não draconianas. Ao invés de ajuste fiscal, deveríamos debater nossas metas de desenvolvimento e de investimento em saúde, educação, moradia, saneamento, meio ambiente etc. Pois há uma crise aguda e um povo faminto agonizando do lado de fora dos gabinetes de Brasília e dos prédios da Faria Lima.
Considerando seu histórico coerente e de defesa de uma política econômica voltada à classe trabalhadora3, espera-se que o PSOL se oponha ao “novo arcabouço fiscal”. Mais do que isso, que mobilize os setores sociais referenciados no partido para esse debate, traduzindo-o para os termos da política e da vida concreta do povo. Não é uma tarefa fácil, mas nunca escolhemos a facilidade das nossas tarefas.
É certo que o mercado e o regime político adorariam cooptar o maior partido da esquerda independente e socialista no Brasil. Mas o lugar do PSOL não é dentro do abominável “consenso” neoliberal.
1 Para entender a proposta de nova regra fiscal, recomendo a leitura: https://auditoriacidada.org.br/novo-arcabouco-fiscal-mantem-teto-de-gastos-sociais-para-privilegiar-gastos-com-o-sistema-da-divida/
2 https://twitter.com/deccache/status/1642852382429134849.
3 O surgimento do PSOL foi ligado à recusa de medidas de ajuste fiscal instituídas no primeiro governo Lula. Em 2009, o deputado Ivan Valente conduziu, na Câmara dos Deputados, uma CPI que denunciou o caráter ilegal e imoral da Dívida Pública. O PSOL também votou contra medidas de ajuste aprovadas no segundo governo Dilma, nos governos Temer e Bolsonaro.