Um poder isolado, mas um movimento em compasso de espera
A resistência contra a reforma das aposentadorias na França continua enquanto o governo Macron se isola e aumenta a repressão.
Foto: Photothèque Rouge / Martin Noda / Hans Lucas
O fim de semana de 25 de março representou uma verdadeira viragem no clima político marcado pela violência da repressão policial organizada pelo governo e pelo seu Ministro do Interior Gérald Darmanin, uma situação também marcada pela manutenção de um elevado nível de mobilização durante o dia das greves e manifestações de 28 de março. Mas o sentimento geral é, mais uma vez, o de um momento de pausa sem que nem o movimento nem o governo façam pender o equilíbrio a seu favor. Isto cria um certo clima de espera, dando lugar a prazos externos ao movimento: uma reunião sem qualquer objetivo real da Intersindical na quarta-feira 5 de Abril, uma deliberação do Conselho Constitucional a 14 de Abril validando, ou não, a lei imposta sem um voto do governo.
O primeiro fato a assinalar é que a passagem em força do governo, a 16 de Março, para impor o seu ataque às pensões com a utilização do artigo 49.3 não desmobilizou de forma alguma os milhões de trabalhadores que se mobilizaram nos últimos três meses, nem alterou o apoio maciço a este movimento entre a população, a rejeição da reforma e o impressionante isolamento de Macron e da sua primeira-ministra Elisabeth Borne. Esta situação os desgastou, ao ponto de já não fazerem a mínima aparição pública que os arriscaria a confrontar com a cólera popular sob o olhar dos meios de comunicação social. Este isolamento de Macron, do seu governo e da sua minoria parlamentar se reflete no grande número de sede de parlamentares que foram pichadas ou fechadas com blocos de cimento, nas sucessivas sondagens que prevêem um colapso no número de macronistas eleitos em caso de dissolução da Assembleia Nacional, e no descrédito do partido Os Republicanos, culpado de apoiar Macron neste ataque social. Crise social, crise democrática, bloqueio político acumulam-se assim, mantendo uma situação de incerteza, de instabilidade. Pode ser resolvido por uma lenta desaceleração do movimento e um aumento silencioso do ressentimento popular, mas também por um novo sobressalto, como o movimento tem conhecido nesses três meses.
O acontecimento mais importante dos últimos dias foi sem dúvida, no sábado 25 de março, o tsunami de violência policial em Sainte Soline, perto de Nantes e do litoral atlântica, violência que revela a febre de Macron e do seu governo. Durante vários anos, associações de lutas ecologistas, a Confédération paysanne [confederação camponesa], com o apoio de vários sindicatos e partidos de esquerda, mobilizaram-se contra a construção neste departamento dos “Deux Sèvres” de dezesseis “megabassines”, reservatórios a céu aberto e chagando a 10 metros debaixo do solo, permitindo bombear a agua do lençol freático no inverno para criar reservas de água com uma capacidade de até 260 piscinas olímpicas (650.000 m3). As autoridades do departamento e o governo querem impor estes projetos, que correspondem às necessidades dos grandes agricultores para culturas de consumo intensivo de água, tais como o milho para alimentação animal. Uma ampla frente de resistência foi construída em ligação com redes que denunciam os riscos óbvios de tais açudes, numa altura de aquecimento global e esgotamento do lençol freático, para satisfazer um modo de cultivo que deve necessariamente ser posto em causa. Além disso, estas “megabassines” são sinônimo de empobrecimento dos rios e do seu biótopo, mas também de privatização da água, um recurso de bem comum, em benefício dos operadores destas reservas e de 5% dos agricultores das Deux Sèvres, e tem como efeitos um considerável desperdício de recursos, uma vez que a taxa de evaporação varia de 20 a 60%, segundo os peritos da pesquisa científica.
30.000 pessoas reuniram-se no 25 de março, ao apelo de uma ampla rede, “Bassines non merci” [Barragens não, obrigado], “Soulèvements de la Terre” [Levantes da terra], da Confédération paysanne para marcharem em direção ao local de construção de uma destes açudes, ou seja, uma vasta cavidade coberta de lonas impermeáveis. Para proteger esta coisa, a manifestação foi proibida e 3000 policiais e gendarmes foram mobilizados. Invocando um clima de guerra civil e a “vontade de matar” dos manifestantes presentes, um dilúvio de mais de 5.000 granadas de gás lacrimogéneo, 89 granadas sting-ball e 81 tiros de LBD (balas de borracha) foram disparados contra a manifestação. Mais de 200 manifestantes foram feridos, em particular por GM2L, granadas explosivas libertando gás lacrimogéneo que, quando explodem, projetam estilhaços que podem causar ferimentos graves. Todas estas munições são classificadas como munições de guerra pelo Código de Segurança Interna. Isto não impediu Gérald Darmanin, questionado pela imprensa, de mentir num primeiro tempo, alegando que “nenhuma arma de guerra” tinha sido utilizada, mas ele próprio teve de negar esta alegação, na sequência dos relatórios da polícia.
Num primeiro balanço, dois homens ainda estão em coma, o rosto de uma jovem mulher está fraturado, e outro perdeu um olho. Desde vários anos, a Liga dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional, a Comissão das Nações Unidas contra a Tortura, o Conselho da Europa, publicaram avisos após avisos expressando preocupação ou denunciando métodos de intervenção ao estilo francês durante manifestações sociais, em vão. Macron e Darmanin, na linha de seus predecessores, afirmam que a violência policial não existe em França, invocando erradamente Max Weber para se esconder por detrás da “violência legítima do Estado”.
O que é certo neste episódio dramático é que não era o local de construção de uma barragem que a polícia estava protegendo. Foi antes o pântano de Macron e do seu governo e o medo de uma crise social e política que afirma as suas múltiplas dimensões e evidencia que, tanto na questão das “bassines” como das aposentadorias, somos confrontados com escolhas da sociedade e sobretudo com a ausência de qualquer soberania popular, de qualquer controlo democrático que nos permita contestar e nos opor a escolhas de classe, feitas em nome de regras e interesses capitalistas. No fundo, uma grande maioria da população, as classes populares, recusam este mecanismo e estas escolhas. O receio do governo é obviamente de que esta recusa aflora e se transforme em reivindicações e numa vontade política de afirmação positiva. Foi, portanto, necessário criminalizar, abafar e asfixiar os 30.000 manifestantes presentes em Sainte Soline. O pânico governamental chegou ao ponto de atrasar por três horas, segundo os organizadores presentes no local, a intervenção do SAMU (serviço de assistência médica de emergência) para evacuar um dos homens que se encontra agora em coma. Desde então, houve numerosas manifestações denunciando a violência, e foram apresentadas várias queixas, mas o Ministro do Interior foi especialmente rápido a iniciar um procedimento para decretar a dissolução da rede “Soulevements de la Terre”, organizadora da manifestação.
Fazendo eco da violência de Sainte Soline, nos últimos dias assistiu-se a um aumento do número de proibições de manifestações, de detenções “preventivas” em torno das manifestações, à detenção de muitos manifestantes e mesmo de líderes sindicais, ao controlo da entrada nas universidades pela polícia, como na Universidade Tolbiac de Paris, e à intervenção do RAID (um grupo de intervenção dedicado a casos de crime organizado e terrorismo) para pôr fim à ocupação de uma faculdade em Bordéus. Também aqui, o objetivo óbvio é pôr fim a todos os bloqueios e ocupações que se multiplicam para manter a pressão sobre o governo e manter as mobilizações, como aconteceu com as manifestações noturnas nos dias que se seguiram aos 49,3.
Esta repressão anda de mãos dadas com ataques violentos contra a França Insoumise [França Insubmissa, principal organização da esquerda, cuja figura mais conhecida é Jean-Luc Melenchon], acusada de fomentar uma guerra civil. Enquanto o Rassemblement National [extrema direita da Marine Lepen] permanece totalmente dentro do quadro institucional na esperança de colher os frutos da cólera social em 2027, sem questionar as políticas capitalistas, a France Insoumise, e mesmo os partidos do NUPES como um todo, ecoam, com mais ou menos força, o movimento social e as suas exigências. E é verdade que o receio do governo é mesmo que se realiza uma frente das forças sociais e políticas, o que não é o caso, uma junção que torne credível uma alternativa baseada nas necessidades populares. Então, desacreditar o NUPES é necessário para desativar tal perspectiva. “Melhor o Rassemblement National do que a unidade popular” parece ser o conselho do governo.
Neste contexto, o décimo dia nacional convocado pela Intersindical a 28 de março demonstrou de novo a força da mobilização. Com mais de 2 milhões de pessoas a nível nacional, 450.000 em Paris, foi mais fraca do que a do 23 de março, mas ainda na parte de cima dos números das manifestações desde janeiro, especialmente em dezenas de cidades de pequena e média porte. Paralelamente às manifestações, houve dezenas de ações de bloqueio de estradas circulares como em Caen, Rennes, Le Mans, depósitos de petróleo, pedágios, aeroportos como em Biarritz, ou o museu do Louvre em Paris. 450.000 jovens na marcha, um número quase igual aos 500.000 de 23 de março. Mas, no entanto, este dia marcou claramente o fim da greve, com o fim das greves dos garis em Paris e Marselha, uma clara diminuição no serviço público e na educação nacional. Do mesmo modo, na SNCF, onde 45% dos condutores estavam em greve no dia 28, o movimento é menos renovável do que a escolha dos dias da Intersindical.
Os limites deste movimento – mesmo que veja os maiores dias de manifestações durante décadas – continuam presentes: nenhuma generalização das greves renováveis para além de alguns sectores que dificilmente podem permanecer mais tempo na recondução, fraca presença nas assembleias gerais nos setores em greve, e poucas assembleias gerais interprofissionais que poderiam ter sido o coração de grandes mobilizações anteriores, como aconteceu em 1995 ou em 2010. Estes limites existem apesar da ação militante de dezenas de milhares de militantes, assalariados que são hoje o coração do movimento na animação de manifestações e bloqueios.
O papel contraditório da Intersindical também pesa muito. Esta unidade de todas as centrais sindicais é uma novidade, está à medida do profundo repúdio da reforma de Macron e tem sido até hoje um verdadeiro apoio para organizar a mobilização em muitas cidades e setores, mesmo se hoje a questão dos confrontos e a necessária denúncia da violência policial se está a tornar um pomo de discórdia em vários espaços da Intersindical ao nível departamental ou local. Obviamente que não foi a Intersindical nacional nem a presença dos sindicatos CFDT ou UNSA na mesma que impediu a criação de interpros (união intersindical e interprofissional) locais ou a presença de grevistas nas assembleias gerais. Por outro lado, ao estabelecer ela mesma o ritmo, a União Intersindical se alinhou com as possibilidades dos sectores menos capazes de entrar na greve renovável, em detrimento de um calendário de confronto alinhado com os sectores mais mobilizados nas greves renováveis, a fim de favorecer a extensão. Este foi o caso, se não nos escritos, mas pelo menos na prática ao redor do dia 7 de março, com um êxito limitado. Já não é este o caso.
A partir daí, as atenções voltaram-se para prazos fora do próprio movimento. É o caso da reunião entre a Intersindical e a Primeira-Ministra, no dia 5 de abril. É uma pequena manobra de Elisabeth Borne para tentar sair do bloqueio em que ela se encontra. Encarregada por Macron de “alargar a sua maioria”, ela sabe que o único parceiro teoricamente possível, os Republicanos, vão se negar a o que nem sequer é uma oferta de um contrato governamental comum. A partir daí, no domínio dos “parceiros sociais”, tenta parecer aberta à discussão de novas questões. Mas isto significa considerar que a questão das aposentadorias está resolvida e que as lideranças sindicais aceitam uma derrota frontal. Não é este o caso hoje, mesmo para o CFDT. Portanto, a menos que haja uma boa ou má surpresa, esta reunião e apenas uma fachada.
Durante este tempo, acontecimento revelador, o governo vai debater a lei de programação militar 2024/2030 que planeia aumentar o orçamento para 413 bilhões quando a anterior era de 293 mil milhões. Mais de 100 bilhões de aumento, 100 bilhões que não irão para os orçamentos sociais nem para o financiamento das aposentadorias.