75 anos da Nakba – pela memória da catástrofe, pelo retorno dos palestinos!
A Nakba, ou “Catástrofe”, foi o processo que expulsou mais de 700 mil palestinos de suas terras pelos sionistas que fundaram o Estado de Israel
Ontem, dia 15/05 (segunda) completaram-se 75 anos da Nakba (“catástrofe”, em árabe) na Palestina, dando início ao processo de expulsão forçada de centenas de milhares de palestinos de suas casas por milícias sionistas para estabelecer Israel. Desde então, os sobreviventes do desterro e da fome, assim como seus descendentes, lutam pelo retorno à terra tomada, em diversos atos de rua ao redor do mundo, pressionando a Organização das Nações Unidas (ONU) para que faça valer sua autodeterminação e imponha sanções contra as inúmeras violações ao direito internacional cometidos pelo Estado colonial e genocida.
2023 sequer chegou à metade e já se mostra um ano particularmente cruel para a longeva história de apartheid na região: com a emergência da coalizão formada entre Benjamin Netanyahu e partidos de extrema-direita nas últimas eleições parlamentares, a política de assentamentos ilegais por colonos judeus ultraortodoxos em Cisjordânia vem se intensificando, tendo resulado na pilhagem de vilarejos inteiros, como o de Huwwarah por exemplo, e na morte de 130 homens, mulheres e crianças palestinas em bombardeios feitos pelas Forças Armadas Israelenses somente nos últimos cinco meses. Estes e outros crimes de ódio têm gerado enorme preocupação entre a comunidade internacional, a ponto de até representações dos Estados Unidos – principal aliado e patrocinador do genocídio – repudiarem figuras de destaque do atual governo em Israel.
Em meio a tal cenário de fechamento de regime, descrito em detalhes em artigo publicado anteriormente nesta revista, um fato chamou a atenção do conjunto da diáspora e de lutadoras e lutadores em solidariedade ao povo: pela primeira em sete décadas e meia, a ONU, em cerimônia oficial, reconheceu a data como marco de deslocamento violento de famílias inteiras de todo um território até então ocupado há milênios por árabes – apesar do slogan sionista “uma terra sem povo para um povo sem terra”, cada vez mais com gosto de coalhada azedada. Um feito histórico que pode e deve animar a mobilização pela causa palestina, ao mesmo tempo que é necessário reafirmar que o giro reacionário em Israel, longe de um dilúvio passageiro, é uma tragédia anunciada.
Aqueles homens que hoje ameaçam acabar com direitos sociais de mulheres e LGBTQIAPN+ israelenses em nome de Yahweh são os mesmos que pregam o extermínio físico de árabes e o apagamento de sua história e memória, num claro desdobramento do caráter colonial do Estado de Israel. Numa metáfora médica: o colonialismo sionista é um tumor maligno que se multiplica, desde 1948, em escala exponencial, com sujeitos como Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrych levando-o a um estado quase de metástase.
Além disso, “Palestina livre” é mais que uma palavra de ordem: a esquerda socialista e revolucionária necessita estar à frente dessa pauta, apresentando um horizonte internacionalista que quebre os muros entre povos e religiões para superar não somente a falácia liberal de “única democracia no Oriente Médio” em torno de Israel, como também os limites da institucionalidade burguesa, que assiste inerte aos massacres sobre os palestinos. Isso passa inclusive pela denúncia da subserviência da Autoridade Palestina ao apartheid desde os Acordos de Oslo, quando se consolidou a estratégia reformista como majoritária dentro da Organização pela Libertação Palestina, cuja hegemonia é hoje disputada por grupos armados fundamentalistas, especialmente o Hamas.
Por maior tenha sido o silêncio dos meios de comunicação da burguesia no Dia da Nakba de 2023, com uma cobertura tímida da cerimônia na ONU, o grito indignado dos palestinos – tanto os sitiados por Israel quanto aqueles dispersos pelo mundo – se faz ecoar clamando por reparação ao genocídio que sofrem através de gerações inteiras e tomando as ruas de cidades em uníssono: “sana‘ud!” – “voltaremos”, em árabe. Que se fortaleça a luta por uma Palestina livre, laica e socialista, como um dia sonhou o eterno poeta Mahmoud Darwish, cujo poema “Carteira de identidade” fecha esse artigo:
Toma nota!
Sou árabe
Número da identidade: 50 mil
Número de filhos: oito
e o nono… já chega depois do verão
E vais te irritar por isso?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira
Com meus companheiros de dor
Pra meus oito filhos
O pedaço de pão
as roupas e os livros
arranco da rocha…
Não mendigo esmolas à tua porta,
nem me rebaixo
no portão do teu palácio
E vais te irritar por isso?
Toma nota!
Sou árabe
Paciência sem fim
Num país onde tudo o que é
Ferve na urgência da fúria
Minhas raízes…
Antecedem
o nascimento do tempo
o princípio das eras
o cipreste e a oliveira
a primeira das ervas
Meu pai…
De família na terra
Sem nobreza entre os seus
Meu avô
De presença no arado
Nem distinto nem bento
Sem nome nem renome
Sem papel nem brasão
Minha casa, só choça no campo
de troncos e tábuas
E ela te agrada?
Toma nota!
Sou árabe
Cabelos negros
Olhos castanhos
E o que mais?…
A cabeça coberta com keffiyya e
cordão
Dura como pedra
Rija no toque
a palma da mão…
E o melhor pra comer?
Azeite e zaatar
O endereço?
Uma aldeia isolada… esquecida
De ruas sem nome
E homem…
No campo e na pedra…
E vais te irritar por isso?
Toma nota!
Sou árabe
Arrancaste as vinhas de meu avô
a terra que eu arava
Eu, os filhos, todos
Nada poupaste…
Pra nós, pros netos
Só pedras, pois não
E o governo, o teu, já fala em
tomá-las
Pois então!
Toma nota!
No alto da primeira página
Não odeio ninguém
Não agrido ninguém
Ao sentir fome, porém,
Como a carne de quem me viola
Atenção… cuidado…
Com minha fome…
com minha fúria.