FRANÇA | O movimento social suspenso no ar
FRANCE - SOCIAL - SPONTANEOUS DEMONSTRATION AGAINST MACRON SPEECH AND PENSION REFORM

FRANÇA | O movimento social suspenso no ar

A aprovação da reforma da previdência, mesmo com grande resistência popular, coloca o governo Macron em uma situação de crise

Léon Crémieux 19 maio 2023, 08:40

Foto: NPA

Artigo a ser publicado no numero de Abril/Maio da revista Inprecor

Desde meados de abril, a mobilização social mudou de ritmo e está exercendo uma pressão menor sobre Macron e o seu governo. Mas a hostilidade contra a reforma das aposentadorias, a hostilidade contra Macron e o seu governo quase não diminuiu e todas as pesquisas mostram uma queda crescente da confiança da opinião pública e um clima de fim de reinado, enquanto Macron está apenas no início do segundo ano do seu mandato não consegue encontrar uma maioria que apoie o seu governo, nem entre a população nem entre os deputados.

Macron conseguiu promulgar a sua lei a 14 de abril, depois de ter recebido um cheque em branco do Conselho Constitucional e até ser poupado da pressão que teria representado um Referendo de Iniciativa Partilhada (RIP)1. A mobilização de rua continuou durante todo o mês de abril e desde então, através de protestos locais, nomeadamente durante as visitas às cidades do interior de Macron es seus ministros. As interdições, as provocações e as múltiplas violências policiais não impediram os concertos de panelas e a presença de centenas de manifestantes durante esses deslocamentos. Tanto assim que Darmanin no 6 de maio preferiu negar a sua ida para inaugurar um centro urbano na região Norte e, por fim, vir às escondidas, tudo isto para não se defrontar com um panelaço.

A Intersindical tinha decidido fazer do Primeiro de Maio uma iniciativa unitária sem precedentes. De fato, foi com 2,3 milhões de manifestantes, segundo a CGT, e 300 manifestações em todo o mais maciço dos desfiles de Primeiro de Maio dos últimos 30 anos, com excepção do Primeiro de Maio de 2002. Este teve lugar na véspera do segundo turno das eleições presidenciais entre Chirac et Le Pen [o pai] e virou uma manifestação antifascista com mais de 2 milhões de pessoas nas ruas. O último 1° de maio sindical unitário, em 2009, no meio da crise financeira reuniu “apenas” 465.000 pessoas segundo a polícia, contra 782.000 este ano de acordo com a mesma fonte. O 1° de maio de 2023 apresentou, portanto, um aumento significativo do nível de mobilização, comparável às grandes manifestações de 23 e 28 de março, apesar da promulgação da lei, apesar da rejeição do RIP e na ausência de um movimento de greves renováveis. Esta dinâmica é também identificada por todas as pesquisas de opinião, que apontam que mais de 60% da população deseja que a mobilização contra a reforma continue.

O 1º de Maio de 2023 então não foi, em nada, uma última resistência, com uma combatividade estimulante nos desfiles e a vontade de não virar a página. Isto vai de par com os “100 dias de zbeul2” uma competição nacional entre todas as iniciativas de panelaços e ações contra o governo, lançada pela Union sindical Solidaires3 e difundida nas redes sociais uma resposta a pretensão de Macron de dar a si próprio “100 dias para atuar e sair da crise, 100 dias de apaziguamento”, um compromisso assumido durante o seu discurso de 17 de Abril.

O governo, ainda que Macron fale de apaziguamento, ilustrou-se especialmente no dia 1 de maio com o nível das violências policiais contra os desfiles, como se a tentasse mascarar a dimensão das manifestações atras da fumaça de gás lacrimogéneo. No dia 1 de maio, os “street medics” contaram, entre manifestantes e transeuntes, 590 pessoas feridas, 118 das quais com gravidade e tiveram de ser evacuadas para os serviços de urgência. Mas todos os canais de comunicação social se juntaram para encenar e denunciar a “violência dos manifestantes desordeiros”, dos feridos entre os polícias, procurando abafar tanto a violência policial como a importância da violência e a importância social das manifestações.

Macron e o seu governo estão de fato se saindo muito mal desta situação. Enquanto Bruno Le Maire, o ministro da Economia, se esforça por apresentar uma política económica sólida e um governo estável ao BCE e às agências de notação, a agência Fitch, uma das três principais com a Moody’s e a Standard & Poor’s, acaba de baixar a notação da França de AA para AA-, dois níveis abaixo da Alemanha. Enquanto instrumento do capitalismo liberal, estas agências avaliam a confiança que os investidores, os compradores de títulos de dívida pública, podem ter. A Fitch sanciona “um elevado nível de défice orçamental e de dívida pública e um clima social prejudicial a uma política de consolidação”. No entanto, a reforma das pensões foi precisamente apresentada como garantia de uma gestão orçamental rigorosa! Esta ingratidão conduzirá, sem dúvida, a um aumento das taxas de juro da dívida pública francesa.

O MEDEF, escaldado com a incapacidade de Macron em dirigir o barco, se vangloria de ser capaz de dialogar com os sindicatos sobre a partilha de valor, o teletrabalho e a formação profissional, e até de obter o acordo da CFDT e da CFTC sobre a “partilha de valor”, ou seja, todos os mecanismos que descartam os aumentos salariais a favor da participação nos lucros e dos incentivos. O governo de Elisabeth Borne queria, portanto, aceitar o desafio e dar a imagem de estar aberto aos dirigentes sindicais, depois de os ter desprezado durante três meses. No início de maio, anunciou que ia lançar convites às organizações sindicais para discutir todos os projetos a realizar, uma encenação que esconde mal a recusa de qualquer medida social. Em todos os domínios, saúde, educação, imigração, tudo o que é anunciado pelo governo vai no sentido de um reforço das medidas de segurança e de uma restrição dos orçamentos sociais. O truque habitual de Borne é dividir a intersindical, excluindo os sindicatos “não representativos” (Solidaires, FSU e UNSA) e propondo uma rodada de reuniões a 16 e 17 de maio às outras cinco confederações, recebendo-as separadamente “sem pauta definida“. Nesta espécie de “pescaria de festa junina”, o objetivo do governo é, obviamente, quebrar a frente sindical e ver se há abertura para negociações destinadas a restaurar a imagem social do governo. Assim, a CGT, a CFDT, a FO, a CFTC e a CGC vão se apresentar separadamente a Matignon. Sinal da fragilidade, apesar de tudo, da Intersindical, não o fazem com uma plataforma comum de reivindicações, exceto a reafirmação da exigência da retirada dos 64 anos.

Além disso, a União Intersindical nacional convocou uma nova jornada de mobilização para o dia 6 de junho. O objetivo explícito desta jornada é apoiar uma nova iniciativa parlamentar prevista para 8 de junho pelo grupo LIOT, um grupo independente do centro que já tinha iniciado a moção de censura em 20 de março. A iniciativa, o nicho parlamentar LIOT, consiste num projeto de lei que revoga o adiamento da idade legal da reforma para os 64 anos. Tendo em conta a relação de forças, não é impossível que este projeto a ser votado por maioria simple, passa o que constituiria, obviamente, uma nova bofetada na cara do Governo e a garantia de um imbróglio nos dias e semanas seguintes. Mas o governo poderia contar com os seus semi-aliados dos Republicanos no Senado para desempatar esta votação e com o bloqueio de uma comissão parlamentar mista antes do regresso à Assembleia. É claro que a hipótese de uma tal votação existe, mas o problema é a Intersindical deixar esta hipotética votação como única perspectiva nas próximas semanas e mesmo meses, tal como a esperança tinha sido depositada na realização de um referendo RIP há algumas semanas. De fato, a Intersindical não dá qualquer perspectiva ao movimento social. No entanto, a força deste movimento, a sua profundidade e persistência deveriam permitir o estabelecimento de uma plataforma unitária de reivindicações sociais levadas pela Intersindical, aquelas que, para além da questão das aposentadorias, têm sido a base das mobilizações, sobre as questões do custo de vida e dos salários, sobre a saúde, a educação, os serviços públicos, entre outras. Infelizmente, o reverso da medalha de uma intersindical unitária, que deu ritmo ao movimento desde janeiro, foi a fraqueza de uma dinâmica autónoma de Uniões Intersindicais locais ou setoriais que deram o seu próprio ritmo e o seu próprio conteúdo. Foi o que fizeram em parte os sindicatos da CGT dos sectores da Energia, da Química, dos Portos e Docas e da Limpeza urbana, e o que fez a intersindical da SNCF em março. Hoje, a energia das equipas locais aparece nos concertos de panelas e nos comités de “boas-vindas calorosas” dos ministros, mas isso não basta para dar uma nova dinâmica, uma perspectiva geral de luta a um movimento social que não está esgotado.

A outra questão, corolário da anterior, é a incapacidade do NUPES e das suas componentes de se apoiarem neste poderoso movimento social para debater das reivindicações da luta contra o capitalismo liberal, no prolongamento da rejeição dos 64 anos. O NUPES não busca se apoiar na situação atual para propor que, a nível sindical e político, os militantes do movimento se reúnam localmente em estruturas unitárias para debater em conjunto, agir e construir uma força que se apresente como uma alternativa a Macron e à extrema-direita. Infelizmente, o baixo nível de auto-organização nas empresas e a nível local também tem sido a característica do movimento desde janeiro. Podemos lamentar o reduzido número de iniciativas de debates unitários entre forças políticas e sindicais nos últimos meses.

Atualmente as componentes do NUPES, em vez de debaterem iniciativas unitárias locais na extensão do movimento, têm seus olhares virados nas próximas eleições europeias de 2024, onde as componentes que não a France Insoumise (Partido Socialista, Ecologia/Os Verdes e Partido Comunista) anseiam se recuperar para reequilibrar a relação de forças à esquerda. No entanto, a urgência deveria ser de abrir a perspectiva de uma construção unitária para lutar contra as políticas capitalistas de Macron, enquanto a raiva social está bem presente entre as classes trabalhadoras. O NUPES conseguiu, há um ano, ocupar o terreno da esquerda durante as eleições legislativas. Mas, desde então, se os deputados do NUPES têm sido o braço parlamentar do movimento social, não foi criada nenhuma dinâmica agrupamento unitária da militância a nível local ou nacional. Este é um dos elementos que explica por que, paradoxalmente, a NUPES, enquanto força política, não tira qualquer proveito político deste movimento social, enquanto a extrema-direita, a RN, se constrói sobre a crise da direita e uma polarização dos sectores abstencionistas da direita.

Podemos, então, dizer que, tanto a nível sindical como a nível político, existe hoje um momento de suspensão, um momento em que o movimento social e popular de resistência a Macron está suspenso no ar. A urgência das próximas semanas é, portanto, à esquerda, ocupar o espaço social e político para que os militantes que agiram em conjunto nos últimos meses se possam se juntar e agir.

1 RIP e um dispositivo constitucional que a priori permite apresentar um projeto de lei submetido aa referendo desde que apresentado por 1/5 dos parlamentares. Mas o processo e tão tortuoso e demorado que até nenhum foi concluído, sendo em geral barrado na primeira etapa, a validação pelo Conselho Constitucional.

2Zbeul” e uma palavra árabe integrada na gíria das periferias e significa “bagunça”, “confusão”, “desordem”.

3 Fundado no final do século XX por militantes descontentes com o rumo seguido pelas direções dos sindicatos tradicionais, em particular a CFDT, a União Sindical Solidaires tem hoje uma implementação significativa entre os servidores públicos e trabalhadores das estatais e ex-estatais (Correios, Ferroviários). Os seus sindicatos são frequentemente apelidados de SUD (Solidários, Unitários e Democráticos).


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Pedro Micussi