Governo cede e põe fim a departamento que apoiava comunidades terapêuticas
Estabelecimentos supostamente destinados ao tratamento de dependência química acumulam denúncias de violações aos direitos humanos
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O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) anunciou o fim do Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, criado no início do governo Lula para atender ao lobby religioso, em grande parte, fundamentalista. Estabelecimentos supostamente destinados ao tratamento de dependência química acumulam denúncias de violações aos direitos humanos e à laicidade do Estado. A deputada federal Sâmia Bomfim (SP) e outros parlamentares do PSOL, assim como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), pressionavam o Executivo por essa decisão.
Segundo a reportagem da Folha de S.Paulo, o órgão será renomeado para Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas. O intuito é mudar também o método de abordagem ao problema, contemplando uma visão multidisciplinar que inclui profissionais capacitados e a adoção de uma conduta ética em acordo com a política antimanicomial em vigor há mais de duas décadas no Brasil, com a promulgação da Lei da Reforma Psiquiátrica.
Atualmente, estão previstos R$ 215 milhões dos cofres públicos gastos por ano com as tais “comunidades terapêuticas”, uma média de R$ 1,7 mil mensais por cada usuário em tratamento. Durante o governo Bolsonaro, foram criadas cerca de 5 mil unidades em todo o país, gerando um custo de quase R$ 1 bilhão à União.
Ocorre que essas instituições, em sua maioria, são desprovidas de especialistas e impõem aos pacientes a conversão religiosa impositiva, com castigos e ameaças àqueles que se recusam a proferir determinada doutrina. Além disso, muitas lançam mão de técnicas arcaicas e violentas que há muito tempo já foram banidas pela ciência, como a reclusão social, a abstinência compulsória, o trabalho forçado e até torturas físicas.
Em fevereiro, junto com o Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e demais colegas de bancada, Sâmia protocolou na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 34/2023 para sustar a portaria que criava o órgão. No mês seguinte, os deputados estiveram reunidos com a diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros, para reforçar a preocupação e defender o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS e a ampliação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “A Política Nacional de Saúde Mental é de responsabilidade do Ministério da Saúde. Qualquer ação existente em outra pasta vai ser feita de forma coordenada e interseccionada”, garantiu a gestora na ocasião.
Acusações contra a Comunidade Nova Esperança, em São José dos Campos (SP), vieram à tona em maio. O estabelecimento contratado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para atender cerca de 30 pacientes com histórico de uso abusivo drogas não possuía médicos, terapeutas, assistentes sociais e tampouco medicamentos. Internados e apartados das famílias, os usuários eram obrigados a participar de rodas de orações durante as refeições, sob risco de expulsão para os que recusassem. Sâmia, a deputada estadual Mônica Seixas e a vereadora Luana Alves – todas do PSOL de São Paulo – acionaram o Ministério Público Federal (MPF) para apurar o caso.
A decisão do MDS simboliza uma conquista, mas não basta, aponta Sâmia:
“Médicos não podem ser substituídos por pastores fundamentalistas. Defendemos a ampliação dos CAPS, o fortalecimento da RAPS e o SUS como gestor de uma política nacional efetiva para a promoção da saúde mental. Não há espaço para retrocessos na luta antimanicomial do Brasil!”.