Junho, outra vez, 10 anos depois

Junho, outra vez, 10 anos depois

Faremos um esforço concentrado da Revista Movimento, com uma série de podcasts, debates presenciais, discussões on-line e com uma edição especial de 10 anos das Jornadas de Junho

Israel Dutra e Thiago Aguiar 7 jun 2023, 18:00

Há dez anos, o Brasil passava pela maior revolta popular dos últimos 30 anos. A disputa pela memória e pelo sentido daquele acontecimento é vital para entender os aspectos atuais da política e da sociedade brasileiras. A revista Movimento fará um esforço concentrado de publicação de artigos, entrevistas e debates sobre o tema, visto que é impossível compreender o Brasil dos dias de hoje sem levar o conta as Jornadas de Junho de 2013.

Os meios de comunicação têm feito uma série de “especiais” acerca dos 10 anos de Junho. De nossa parte, refutamos tanto a interpretação dos bolsonaristas de que ali começou uma explosão antissistema que resultou no empoderamento da extrema-direita, quanto a de setores da dita esquerda que, de forma vulgar, atribuem a Junho o “chocar do ovo da serpente”, desresponsabilizando o PT e suas escolhas pelo perigoso impasse em que nos encontramos. Em nossos materiais, com pluralidade, envolvendo ativistas, dirigentes e intelectuais, queremos refletir uma visão comum sobre as Jornadas de Junho, que aponte sua potência e limite, bem como a necessidade de auto-organização e de uma direção capaz de lutar até o fim por mudanças.  De forma resumida, há que afrontar os seguintes pontos:

O acontecimento 

Em nossa leitura, as Jornadas de Junho foram um levante juvenil e popular, com demandas diversas (de caráter progressista) e com uma potencialidade anticapitalista. Foi a síntese de um processo internacional – a onda dos “indignados”, que levou a juventude a questionar os regimes autoritários no Norte da África, os pactos democrático-liberais e a Troika na Europa Mediterrânea e até mesmo o peso do capital financeiro nos Estados Unidos – com um processo nacional de descontentamento com as condições de vida. Sua enorme debilidade foi a derivação numa “rebelião sem programa” bem como a não entrada dos setores organizados da classe, ainda que tenha havido na sequência das jornadas importantes processos como as greves de rodoviários, professores, garis e trabalhadores da saúde.

O “simulacro

A resposta da burguesia foi significativa. A partir da primeira etapa mais radical dos protestos, uma fração da burguesia e, sobretudo, os meios de comunicação à época hegemônicos, como Folha e Globo, mudaram sua orientação. Ao invés de atuar para desmoralizar os protestos como de início, temerosos do aprofundamento da crise política, optaram por disputá-los. Focaram, então, suas coberturas na ampliação genérica das pautas políticas (anticorrupção, sobretudo), aproveitando-se da dificuldade de direção dos principais setores e da política do governo de reprimir as manifestações em 2014 para colocar toda sua energia na construção do que chamamos de “simulacro”. Como uma espécie de espelho reverso, utilizaram o MBL e outros grupos para canalizar a energia contra o governo em 2015 e 16 – quando Dilma já assistia sua base social erodir, fruto de seu ajuste econômico –, abrindo caminho para mobilizações massivas da classe média pelo impeachment. O “simulacro” e a prisão de Lula foram a senha para abrir caminho para Bolsonaro, com apoio central de Temer – o vice golpista que atuou para debelar a proposta de constituinte no momento mais agudo da crise de 2013.

O legado

O controverso legado de Junho nos assombra e, a seu modo, nos impulsiona. Sem compreender o acontecimento, a revolta popular ficará como um elo recalcado, pronto para retornar à ribalta. Pode-se concluir que o legado de Junho possui três dimensões: foi uma revolta popular que mostrou a força do povo na rua como vetor central; feriu de morte a Nova República e a dimensão “parlamentar” da política como conhecíamos até então; e mostrou para toda uma nova geração que sem direção revolucionária as revoltas são marés cegas, incapazes de efetivar a quebra do Estado, principal agente da manutenção da ordem destrutiva do capitalismo global.

Precisamos disputar a narrativa com os setores que atuam contra as Jornadas de Junho para defender sua opção pela defesa da ordem vigente. E, para isso, faremos um esforço concentrado da revista Movimento com uma série de podcasts, debates presenciais, discussões on-line e com uma edição especial de 10 anos das Jornadas de Junho, que queremos discutir com os ativistas de ontem e de hoje. Somos orgulhosos da nossa história: quando as ruas arderam, lá estavam as nossas bandeiras, disputando contra o reformismo e contra a direita que buscava desvirtuar a luta aberta das ruas.


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