Relatório da visita de Mónica Baltodano ao Brasil, Uruguai e Argentina
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Relatório da visita de Mónica Baltodano ao Brasil, Uruguai e Argentina

Compartilhamos aqui o relatório do giro da ex-comandante sandinista à países do Cone Sul para denunciar a ditadura Ortega na Nicarágua

Mónica Baltodano 20 jun 2023, 13:31

Brasil, de 9 a 22 de abril. 

Uruguai, de 22 a 27 de abril. 

Argentina, de 28 de abril a 3 de maio. 

O objetivo dessa visita foi apresentar aos partidos, organizações de esquerda, funcionários do governo e parlamentares, instituições de direitos humanos, movimentos sociais, feministas, mídia etc. a gravidade das restrições à liberdade e das violações dos direitos humanos impostas aos nicaraguenses pela ditadura de Ortega Murillo.

Responde a um convite que me foi feito como comandante guerrilheiro da Revolução de 79, e por meu papel na luta contra a ditadura de Somoza, por militantes de organizações de esquerda que queriam sensibilizar governos, parlamentares e formadores de opinião, principalmente de setores progressistas, sobre a situação, exigindo solidariedade e mais beligerância do Sul sobre o grave contexto em que vivemos.

No Brasil, há um Comitê de Solidariedade ao povo nicaraguense do qual participam nicaraguenses e brasileiros de esquerda. Em julho de 2022, um grupo de parlamentares de esquerda participou da Caravana pela liberdade dos presos políticos na Nicarágua, que tentou, sem sucesso, entrar na Nicarágua pela Costa Rica, com o objetivo de visitar os presos. Naquela ocasião, Antonio Neto, do MES (Movimento Esquerda Socialista), do PSOL, começou a apresentar a ideia de Mônica Baltodano fazer um tour pelo Brasil. Eles obtiveram o principal financiamento para a viagem ao Brasil. Depois que essa viagem se tornou conhecida, foi considerada a possibilidade de estendê-la ao Uruguai e à Argentina. O deputado Tato Olmos, vice-presidente do Parlamento uruguaio, envolveu-se diretamente e buscou financiamento para minha viagem e despesas no Uruguai. Na Argentina, contamos com o movimento Pañuelos en Rebeldía. Também recebemos apoio da Oxfam CA para parte das despesas, que foram aumentadas porque tive de viajar duas vezes a Brasília, uma delas para me reunir com Celso Amorim.

PRINCIPAIS ATIVIDADES 

1) Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores nos primeiros mandatos de Lula e, além disso, uma personalidade incontestável no Brasil, e atualmente o principal assessor de Lula para assuntos internacionais.

2) Diferentes correntes do PSOL (Socialismo e Liberdade), em particular com a corrente MES, que obteve parte do financiamento dos sindicatos. 

3) Em Brasília, participamos de uma sessão da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Congresso Federal, onde a deputada Fernanda Melchiona (PSOL) apresentou uma moção de Requerimento a Daniel Ortega pelo banimento e desnacionalização dos 317 nicaraguenses, que foi aprovada por consenso.  

4) O PSB (Partido Socialista Brasileiro), com os membros do Diretório Nacional Paulo Bracarense e Dora Pires e também líderes no Rio, como Alessandro Molón, que foi deputado federal.

5) Lideranças históricas do PT com uma longa trajetória de defesa dos direitos humanos como Luis Eduardo Greenghalt, Adriano Diogo, Eduardo Suplicy que, nesta semana foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo. Em Porto Alegre, com Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-prefeito de Porto Alegre. Ele organizou um almoço para cerca de 20 líderes, artistas, juristas e formadores de opinião.

6) PDT, Partido Democrático Trabalhista, e a deputada estadual do Rio, Martha Rocha.

7) Tivemos uma reunião com Bruno Bath, Embaixador do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) no Congresso Federal, que chegou acompanhado de vários chefes de Divisão e que, além de nos informar, pedimos que definissem os procedimentos para optar pela nacionalidade brasileira.

8) Na Câmara Municipal do Rio com Mônica Cunha, líder de uma organização de mães de assassinados pelo Estado, e com a equipe da vereadora Mônica Benício, que nos informaram que estão preparando um discurso de repúdio a Ortega. 

9) Realizamos reuniões com padres e religiosos da teologia da libertação. Frei Betto, o padre dominicano que visitou a Nicarágua por muitos anos, organizou uma roda de conversa em um Convento, o respeitado padre Julio Lancelotti e outros padres e líderes religiosos, como Paulo César Pedrini, da pastoral operária. Fomos recebidos pela Comissão de Justiça e Paz da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em Brasília.  Mas também outros religiosos como o bispo da Igreja Anglicana Humberto Maiztegui que trabalha muito pelos Direitos Humanos, o Padre Eduardo Faria, importante líder da Igreja Luterana e uma importante reunião no INSTITUTO HERZOG de Direitos Humanos.

10) Atividades abertas: na Faculdade de Direito de São Paulo, na Universidade do Rio, no Rio Grande do Sul, com o Sindicato dos Profissionais da Educação no Rio de Janeiro.  

URUGUAI

1) Início com a reunião com o ex-presidente Pepe Mujica e a ex-presidente do Senado Lucía Topolansky, ex-vice-presidente de Tabaré Vázquez em 2017.

2) Vice-presidente e presidente do Senado Beatriz Argimón e seu assessor Wilson Ferreira, ambos do Partido Nacional, acompanhados pela deputada Martina Casás da FA.  

3) Reunião com o Presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Sebastián Andújar, do Partido Nacional.  

4) Reunião com parlamentares e mulheres feministas, entre elas Alma Espino, Alba Silvana Pissano, prefeita do município B de Montevidéu, que corresponde à área central, Fernanda Blanco, vice-prefeita do Conselho Departamental de Montevidéu. Marisa Ruiz (historiadora), Carmen Beramendi, ativista da FA, membro da diretoria da Flacso Uruguai, ex-deputada em outros períodos, Lilian Abrascinkas, Mulher e saúde no Uruguai, Elsa Duhagón, ativista feminista e Lilian Celiberti do Cotidiano Mujer.

5) Reunião com o Dr. Pablo Mieres Gómez, Ministro do Trabalho e da Previdência Social, líder do Partido Independente, de orientação social-democrata.  Ex-senador e ex-deputado.

6) Fernando Pereira, Presidente da Frente Ampla, e Ariel Bergamino, Presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Frente Ampla.

7) Com a liderança da principal força da Frente Ampla, o Movimiento de Participación Popular MPP. Além de Lucía Topolansky, estavam presentes Daniel Caggiani, IR e Senador. Cecilia Cairo, e outros membros da liderança, como Heber Bousses e outros três.

8) O vice-presidente do Congresso, Gustavo (Tato) Olmos, o senador Mario Vergara, a ex-embaixadora Rosario Portell, a senadora Liliam Kechichiam, fizeram parte de uma reunião que contou com a presença de cerca de 30 personalidades. 

9) A principal atividade aberta foi em El Paranifo. Em todas essas atividades houve uma grande participação de internacionalistas que estiveram na Nicarágua na luta contra a ditadura de Somoza, nos cortes de café e como repórteres, bem como de pessoas que foram vítimas das ditaduras na Argentina ou em Montevidéu, onde pude me reunir com a organização CRYSOL

ARGENTINA

1) Madres Plaza de Mayo Linea Fundadora com a emblemática Norita Cortiñas, que se manteve firme em sua rejeição à ditadura de Ortega.  Intervi ao do encontro no final da rodada, explicando a situação. 

2) Reunião no SERPAJ com o ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, que também organizou outras entrevistas.

3) Reunião com parlamentares de esquerda, entre eles Alejandrina Barry, do PTS, Mercedes Mendieta, da Izquierda Socialista, Pablo Almeida e outros líderes, como Rafael Santos, do Partido Obrero, e o vice-presidente do MST (movimento socialista dos trabalhadores), Mariano Rosa. 

4) Comemoração do 15º aniversário da Pañuelos en Rebeldía, uma organização feminista popular presidida por Claudia Korol. 

5) Formação do Comitê de Solidariedade com o povo da Nicarágua.

6) Reunião no Ministério das Relações Exteriores com a Ministra Laura Ramirez Barrios, da Diretoria da América Central, Caribe e México. Aqui também solicitamos a definição de um procedimento para aqueles que optarem por essa nacionalidade. 

7) Reunião com o escritório da Fundação Rosa Luxemburgo do Cone Sul. 

8) e CELS (Centro de Estudos Jurídicos e Sociais).

9) Duas atividades abertas, uma na Faculdade de Ciências Sociais de Buenos Aires e outra na Faculdade de Serviço Social da Universidade de La Plata. 

MÍDIA 

a) Entrevistas em: Brasil de Fato; Revista Forum, Carta Capital, IHU Unisinos, O Globo. No Uruguai, En Perspectiva, fui entrevistado por Roberto López Belloso para o Le Monde Diplomatic: Programa La mañana en Camino; na Rádio El Sol para o programa Fácil Desaviarse; Programa Televisivo Desayunos Informales; Programa Televisivo Ideas Cruzadas; e La Diaria.

Na Argentina, principalmente na mídia alternativa.

CONCLUSÕES  

1) A viagem atingiu os objetivos propostos, pois possibilitou informar diretamente importantes setores da esquerda sobre a grave situação da Nicarágua, devido às ações repressivas do governo de Daniel Ortega e Rosario Murillo. No entanto, esse foi apenas um primeiro esforço que deve ser continuado por outras delegações, em outros países do sul e, acima de tudo, mantido por meio de informações constantes através de comunicações e redes sociais.

2) Por meio das informações que fornecemos à mídia nicaraguense, como Confidencial, La Prensa e 100% Noticias, e por meio das redes sociais, conseguimos informar o público de nicaraguenses no exílio sobre as realizações da visita. Isso também teve um efeito positivo nos setores progressistas da oposição nicaraguense. Em nossas entrevistas, pudemos enfatizar que, embora em certos círculos da oposição nicaraguense não haja desejo de falar em termos de esquerda e direita, na sociedade política ainda há forças de direita e de esquerda. Embora os significados possam expressar ênfases diferentes. Agora temos de falar no plural e frequentemente lhes damos apelidos (republicanos, democráticos, liberais, conservadores, sociais, anticapitalistas, stalinistas e assim por diante), a verdade é que as disputas eleitorais são geralmente decididas entre esses dois blocos principais.   

Também pudemos mostrar ao público nicaraguense que, na América Latina, algumas dessas esquerdas ocupam cargos importantes em governos, parlamentos e organizações sociais. Para que a luta acabe com a ditadura de Ortega Murillo, temos que ser capazes de alcançar todas as forças sem diferenças ideológicas.  Na oposição nicaraguense, o partido azul e branco, também há militância de todos esses espectros da direita e da esquerda. Querer ignorar isso é bancar o avestruz.  Não há força de sobra para a enorme tarefa de acabar com a ditadura e depois construir uma nova institucionalidade democrática com liberdade e justiça social.

3) Enfatizamos que o grande desafio é isolar muito mais o regime e, para isso, devemos conversar com a esquerda, informá-la da verdade, mas também questionar aqueles que, com o argumento de que Ortega é de esquerda e anti-imperialista – o que não é – fecham os olhos para suas atrocidades. Combatemos essa abordagem afirmando que, no século XXI, não é possível, com argumentos ideológicos, fazer vista grossa diante das brutalidades do regime de Ortega. O mesmo se aplica quando se trata das direitas. 

4) Há um grande potencial de apoio à nossa luta no Sul, mas até agora muito mais trabalho foi feito para denunciar e aumentar a conscientização no Norte, particularmente entre as forças de direita. Só podemos fazer essa luta a partir de um polo de esquerda que existe objetivamente na oposição, mas que tem se mantido disperso e retraído, uma vez que a retórica esquerdista de Ortega desqualificou esses conceitos, especialmente em relação às novas gerações.

Precisamos articular aqueles que se dizem de esquerda, sem complexos de qualquer tipo, para, entre outras coisas, construir um diálogo mais eficaz e transparente com a esquerda do sul. Em particular, deve-se dar prioridade às forças que ocupam espaços em plataformas como a UNASUL, a CELAC, o Foro de São Paulo, etc. Etc

5) Insistimos que não se trata apenas de alcançar governos e parlamentares. É necessário priorizar os movimentos sociais e estabelecer vínculos com base nas agendas da esquerda social: as agendas feministas, as agendas antiextrativistas, os problemas da dívida externa, os direitos da diversidade sexual, os direitos indígenas, a justiça para as vítimas, têm grande peso no Sul e todas essas questões estão presentes na oposição da Nicarágua ao regime que é misógino, extrativista, violento com as comunidades indígenas em favor da depredação do território. 

6) No Sul, há experiências de transição da ditadura para a democracia que devem ser destacadas. No Chile e no Uruguai, para dar dois exemplos. Há experiências de transição do confronto armado para a paz; temos experiências na Colômbia e na própria Nicarágua. Há muitas lições a serem aprendidas com essas experiências. Por exemplo, a formação de uma aliança entre brancos, vermelhos e a Frente Ampla, onde também havia ex-guerrilheiros na Convergência e no Uruguai, é inquestionável. Podem ser organizadas conversas on-line para conhecer essas experiências, com as quais se pode aprender muito. 

7) Está claro para todos que devemos tentar construir uma grande convergência entre os nicaraguenses, sem esperar que as diferenças desapareçam. Alguns terão de conversar com forças semelhantes da direita, outros com forças da esquerda. Todos são importantes para a luta. 

8) Existem possibilidades para a construção no Sul de articulações entre governos e partidos que, de forma pluralista, promovam iniciativas diplomáticas – privadas e públicas – que proponham uma solução democrática para a crise que estamos vivendo e que incluam o retorno de todos os exilados com todos os seus direitos, a restituição de todas as liberdades e o desenvolvimento de eleições livres e transparentes. 

9) Isso não é exclusivo, pelo contrário, é complementar à necessidade de continuar organizando a resistência dentro e fora da Nicarágua, de continuar trabalhando para o enfraquecimento e a implosão do regime, de colocar em primeiro lugar a organização e a luta de baixo para cima, de modo que os interesses das maiorias prevaleçam em qualquer cenário.  

10) OUTROS: É necessário que desde o exílio emitamos UM BOLETIM de notícias importantes e urgentes sobre a Nicarágua para não encher o povo solidário com muitas notícias.

11) Levando em conta que nos próximos meses haverá reuniões importantes, como o Fórum de São Paulo: 29 e 30 de junho, 1 e 2 de julho, é necessário tentar influenciá-lo por meio de seus participantes em cada um dos países.

12) Durante nossa visita, questionamos a decisão de realizar a 8ª Conferência da Via Campesina em Manágua. Conferência da Via Campesina em Manágua, conforme decidido originalmente. Como se sabe, o Comitê Internacional decidiu transferi-la para a Colômbia. No entanto, acreditamos que é necessário continuar influenciando essas articulações dos movimentos sociais, com informações e também com denúncias. Por exemplo, entre as organizações que participam em nome dos camponeses nicaraguenses estão a Organização de ex-contras, acusada de invadir territórios indígenas, e a Coordenação Nacional de Oficiais Aposentados, uma organização de ex-militares, incluindo muitos paramilitares que atiraram nos manifestantes e entrincheirados


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Pedro Micussi