Tese Militante: PSOL independente e anticapitalista
Conheça e assine a tese do Movimento Esquerda Socialista (MES) e aliados para o VIII Congresso do PSOL!
A existência do PSOL é um fato. Contra aqueles que não acreditavam que era possível construir um partido à esquerda do PT, os quase 300 mil filiados, os milhares de militantes no movimento de trabalhadores, popular, camponês, estudantil, além da expressão parlamentar conquistada, provaram que era possível. Ocupar o espaço deixado vazio diante da opção petista de assumir a gerência do Estado burguês, nos marcos de sua estratégia de desenvolvimento do capitalismo nacional, era o projeto mínimo fundacional do PSOL. Além disso, sua estratégia de fundação era se postular como um partido anticapitalista com influência de massas. Esse ponto não está realizado e se encontra, inclusive, ameaçado. Retroceder nele pode colocar tudo a perder.
Produto das contradições da situação mundial e nacional, a extrema direita ganhou um peso que nunca teve na história do país e a unidade democrática para enfrentá-la apresentou-se como um desafio central para o partido. A correta unidade, prioritariamente realizada com os partidos que se reivindicam da classe trabalhadora, campo do qual o PT é o partido mais importante, permitiu a vitória eleitoral contra Bolsonaro, garantindo uma via democrática fundamental para tirar o país do abismo e evitar uma catástrofe que era iminente.
No entanto, a catástrofe que ameaça a classe trabalhadora segue como ameaça. Não apenas a extrema direita continua forte como o Estado capitalista brasileiro não apresenta nenhuma possibilidade de garantir uma vida digna para o povo, nem uma democracia real capaz de permitir a autêntica participação dos trabalhadores e do povo pobre nos rumos do país. Essa incapacidade produzirá descontentamento popular e, se não existir uma esquerda que se apresente e se postule para combater esse Estado, apenas a extrema direita poderá apresentar-se para canalizar as energias de massas. Por isso, a posição do PSOL deve ser defender o governo quando é atacado pela extrema direita e se manter independente, apresentando propostas que ajustem os mais ricos, mostrando que a extrema direita os defende. Nosso partido não deve apoiar nenhuma medida do governo que coloque nas costas dos trabalhadores o preço da crise.
Essa orientação – de um PSOL que combate a extrema direita, mas que se postula e se reivindica independente – foi vista na semana em que a bancada federal, encabeçada por Sâmia Bomfim e Talíria Petrone, defendia o MST na CPI da Câmara ao mesmo tempo em que impulsionava a luta contra o arcabouço fiscal. Apesar da forte resistência inicial de uma parte da direção do partido, foi uma vitória que a bancada tenha votado por unanimidade contra esse ajuste e uma demonstração de que há esperança para o PSOL.
Nossa tese é um chamado a agrupar um polo militante, a partir do PSOL, para seguir esse combate sem tréguas contra os neofascistas e para erguer uma alternativa independente e ecossocialista que esteja presente e ativa na luta por salário, moradia e por melhores condições de vida e trabalho para o povo pobre.
I – Uma luta prolongada contra a extrema direita e a crise que assola o planeta
A atual quadra histórica é marcada por uma combinação inédita de crises. A terceira década do século XXI, inaugurada por uma pandemia que acirrou as contradições do capitalismo em sua fase de decomposição, está polarizada por uma extrema direita com peso de massas, disposta a destruir as conquistas do período anterior e impor regimes ainda mais ditatoriais.
Após a pandemia, houve uma aceleração na convergência entre as crises (policrise ou crise multidimensional), que se retroalimentam. As rebeliões e os processos de resistência também ganharam terreno, inseridas num contexto de incapacidade da democracia liberal oferecer uma alternativa consistente e de dificuldade da consciência socialista. Assim, a extrema direita organiza suas tropas com uma suposta roupagem antissistema, quando na verdade é a expressão mais apodrecida do capitalismo na sua forma política e econômica.
Há uma combinação no mundo de: 1) crise ambiental sem precedentes: a atual fase do capitalismo mundial nos coloca diante de um colapso socioambiental em que se percebe a destruição de ecossistemas, o desmonte de políticas ambientais e as ameaças à vida dos povos dos rios e das florestas, agravados pelo desastre climático que coloca o futuro da humanidade em risco; 2) crise e caos geopolítico (com ameaça nuclear), marcados, além da invasão imperialista contra a Ucrânia, pela competição entre imperialismos, pela disputa do Mar da China e de Taiwan e muitos outros conflitos – desde Hiroshima e Nagasaki, não havia ameaças reais de uso de armas nucleares; 3) crise econômica estrutural: o economista Michael Roberts tem alertado para uma possível recessão nos países centrais, além da espiral inflacionária em curso, falência de bancos, como o do Vale do Silício (EUA), e crise da dívida em países importantes e populosos como Paquistão, Egito e Argentina; 4) crise social: multiplicam-se a fome e a barbárie, bem como o crescimento assustador do número de exilados, desterrados, imigrantes e outras pessoas em situação de vulnerabilidade que necessitam deixar seus países de origem; 5) crise orgânica dos regimes (deriva neofascista): assiste-se ao crescimento de grupos de extrema direita, à ruptura da “opinião pública” tradicional, ao peso crescente das big techs, e ao ascenso de lideranças neofascistas como Meloni, André Ventura, Erdogan, Modi, inclusive na América Latina, com Millei, Kast, Keiko Fujimori, Paraguayo Cubas e Bolsonaro. A resiliência da figura de Trump também é uma ilustração da profunda crise política global.
O desenvolvimento das forças produtivas, apropriado pelos grandes capitalistas do mundo digital, vai levar a mais controle sobre a força de trabalho humana, num grande quadro de involução no qual a necessidade de parar o fascismo e colocar um freio de emergência na escalada destrutiva não pode ser adiada.
O projeto da extrema direita é a destruição civilizatória
Sob as bandeiras do armamentismo, do “politicamente correto”, da suposta pauta de costumes e do questionamento ao conhecimento científico, a extrema direita quer uma guerra total contra as instituições do movimento operário, retrocedendo a condições de vida social anteriores à Revolução Francesa.
Não se trata de uma ameaça vazia ou exagerada afirmar que o objetivo estratégico da extrema direita é impor novos regimes políticos e romper o pacto civilizatório organizado ao longo dos dois últimos séculos.
Ao mesmo tempo, a atual fase imperialista do capitalismo tem avançado sobre recursos naturais e bens comuns. Tais práticas predatórias, comumente vistas no Brasil e na Amazônia, têm contribuído para agravar a crise climática e já se fala, inclusive, em ameaças à espécie humana. Especialistas apontam que, se não houver uma mudança drástica nas políticas socioambientais, as geleiras do Ártico serão derretidas entre 2030 e 2050.
Antifascismo e solidariedade internacionalista
Interpretar a realidade é uma necessidade imperativa, diante da complexidade do cenário, mas insuficiente, como a tese onze de Marx já nos ensinou. É preciso dar passos para transformar o cenário, lançando-se ao combate. Derrotar a extrema direita exige medidas concretas no terreno internacional e nacional. Exige, igualmente, a combinação entre a ampla solidariedade antifascista para disputar, em cada acontecimento, uma posição em favor da maioria social, com o reestabelecimento de laços de confiança e solidariedade coletiva entre os explorados e oprimidos.
No terreno da política concreta, é preciso demonstrar e exigir que os governos sob ataque da extrema direita, consigam colocar-se em movimento e defender bandeiras populares. O PSOL deve ser solidário com os povos que lutam pela autodeterminação nacional como os curdos, os palestinos e os saaraui. Da mesma forma, deve denunciar o campismo e a luta contra as posições neofascistas de Putin e Dugin, por exemplo.
Nossa proposta é que o VIII Congresso do PSOL convoque um encontro internacional contra a extrema direita, de forma ampla, com diversos aliados, para fomentar a luta e trocar experiências. É fundamental colocar de pé uma rede antifascista internacional para fortalecer essa luta.
Apostar nas ruas para superar os impasses, como Petro e Francia
Por fim, a melhor forma de evitar as travas colocadas por setores da oligarquia para evitar mudanças é apoiar-se na mobilização social, seguindo o exemplo de Petro e Francia, que têm chamado as ruas para impor mudanças na Colômbia. Como forma de responder à necessidade de uma reforma que valorize a saúde pública em detrimentos dos agentes privados que controlam e manipulam as vidas dos colombianos, Petro rompeu o pacto com os setores da direita liberal e convocou duas marchas para indicar um caminho e alentar a luta social contra o golpismo e o neoliberalismo.
Se eles irão avançar até um choque maior com as forças conservadoras da burguesia, ainda estamos por ver. O fato é que, até aqui, eis um grande exemplo para os “possibilistas”, que apostam suas fichas nas negociações parlamentares e na luta meramente institucional.
II – Desbolsonarizar o Brasil e ganhar a maioria social
É preciso desbolsonarizar o Brasil e ganhar a maioria social, desmascarando a roupagem antissistêmica com a qual esse setor se apresenta para uma parcela menos informada da classe trabalhadora e esconde o neofascismo, expressão máxima do que há de mais podre no sistema.
As bases políticas e econômicas para o ascenso do bolsonarismo são objetivas e estruturais: o Brasil enfrenta um processo de regressão social, de reprimarização e neocolonialismo, além de uma crise política permanente. O bolsonarismo venceu as eleições de 2018 e segue vivo por conta desses fatores estruturais. Podemos esquematizar da seguinte forma:
– Uma base social e econômica poderosa, com o agronegócio sendo o núcleo fundamental da classe dominante pró-Bolsonaro;
– Uma crise política, baseada na frustração e desesperança, causada pela incapacidade da esquerda institucional e pelo derretimento da direita liberal;
– Um controle de um aparato comunicacional capaz de competir com os antigos grandes meios de comunicação;
– A perspectiva de construção de uma força de choque, recrutando elementos entre as forças de segurança, ampliando o fluxo e o comércio de armas e munições;
– A presença forte do neopencostalismo, sobretudo em territórios periféricos, funcionando como uma superestrutura de reprodução de ideias conservadoras.
Do ponto de vista social, a situação é dramática, como revelam os dados sobre trabalho, desemprego, trabalho, crise e superexploração. A indústria correspondia a aproximadamente 50% do PIB no começo dos anos 1980, mas a apenas 22% em 2022, uma queda pela metade; a exportação de produtos primários chega a 47%, num país onde sobram alimentos para venda para o exterior e faltam para 30 milhões de brasileiros em situação famélica. De um ponto de vista desigual e combinado, o avanço tecnológico no campo convive com formas de trabalho análogas à escravidão e outras práticas de exploração, bem como a digitalização avançada das plataformas de aplicativos nas cidades oferece a base tecnológica para a superexploração do trabalho sem proteção, garantias e direitos, remetendo a níveis pré-CLT.
Nesse contexto, a vitória eleitoral de Lula foi um respiro essencial para a manutenção das liberdades democráticas. No entanto, o governo de conciliação de classes é refém de alianças que levam a um programa social-liberal. A ação golpista de 8 de janeiro foi uma expressão de até onde querem ir os setores bolsonaristas, imitando o assalto ao Capitólio americano. Frustrada essa ação, abriu-se o espaço para lutar de forma pública contra o bolsonarismo, ao mesmo tempo em que há um alerta de que cedo ou tarde essas ações golpistas poderão repetir-se.
O PSOL acertou ao afirmar que não participa no governo como partido, ainda que a resolução de dezembro tenha sido híbrida. Por isso, nossa localização deve ser a de independência, como fizemos valer nas votações para a presidência da Câmara e do arcabouço fiscal.
Duras trincheiras de combate
No Brasil, estamos em várias trincheiras lutando contra a ação da extrema direita. Na luta contra as fake news, contra as milícias rurais do agro e dos garimpeiros, pela punição exemplar dos golpistas de antes e depois da intentona do dia 8 de janeiro – com o destacado papel que o deputado Fábio Félix (PSOL-DF) vem cumprindo para desmascarar o papel da cúpula das Forças Armadas na CPI distrital. Por isso, segue sendo fundamental a agitação “sem anistia”, exigindo a prisão de Bolsonaro e a responsabilização de todos os golpistas: nossa independência também serve para ir para cima da extrema direita sem amarras.
Também expressa a nossa de linha de frente única contra a extrema direita a já mencionada atuação de Sâmia Bomfim na CPI do MST. Desde o momento da instalação da comissão, Sâmia vem cumprindo o papel de polarizar com os aliados do genocida em nome do PSOL. O “agrobolsonarismo” quer ir para a ofensiva contra o MST e os movimentos sociais do campo e da cidade. Derrotados eleitoralmente, os agrobolsonaristas querem avançar na espoliação de terras indígenas e quilombolas para seguir sustentando seu modelo de desenvolvimento, amparado na reprimarização e na regressão social.
Por um lado, o agro quer arrancar mais compromissos do governo, freando medidas que possam avançar a reforma agrária e a luta do campo. Por outro, o governo Lula quer evitar choques, sustentando outros setores do agro, como o ministro Fávaro, e atuando para conter as ocupações e a mobilização social. Para todo um setor do governo, o eixo seria colocar “panos quentes” na luta contra o agrobolsonarismo, sequer falando da violência e da perseguição no campo brasileiro. Vale ressaltar, ainda, que a adoção de uma política econômica estruturada em commodities fortalece o neofascismo, por tudo que este sistema agropecuário representa nos territórios brasileiros, com remoções forçadas, expulsões de territórios, alteração de paisagens, envenenamento, degradação das terras e rios.
O MST é um dos maiores movimentos sociais do mundo. A despeito de certas diferenças de leitura política, não temos dúvidas de que é hora de defendê-lo. E temos com sua direção política um ponto de acordo central para a conjuntura: sem apostar na mobilização de rua e nos conflitos de classe não há saída para o impasse do país. A simpatia de setores urbanos e apoiadores da reforma agrária cresceu no Brasil, lembrando muito os anos 1990. A enorme simpatia também está vinculada à luta contra o veneno dos agrotóxicos, por uma alimentação mais saudável e pela distribuição de alimentos, combatendo a fome nas periferias das grandes cidades. Os conflitos no campo seguem e a pauta da reforma agrária continua atual num Brasil que ainda não resolveu seus problemas estruturais. É preciso fortalecer a militância do campo do PSOL, que já conta com militantes do MST, FNL, MLST, Movimento Nossa Terra e Movimento Popular de Luta.
Nesse cenário de conflitos sociais, a Amazônia é um território estratégico de disputa territorial, em que os povos da região estão sob um cerco de morte a mando de latifundiários, grileiros, madeireiros e garimpeiros, com o apoio das elites políticas e econômicas rurais e urbanas. Ao sul do bioma amazônico, o “arco do fogo” – consórcio de madeira, gado e soja – pressiona para avançar sobre a floresta. A norte, a rede de garimpo ilegal utiliza o mercúrio para envenenar as águas e o solo como forma de eliminar os Yanomami e outros povos indígenas e ribeirinhos. A leste, os grandes projetos mineradores iniciados ainda durante o Projeto Grande Carajás vinculam-se ao escoamento de soja a partir do Maranhão, com a conclusão da Ferrovia Norte-Sul, tornando essa região uma das mais violentas do mundo, com constantes assassinatos de quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais. A oeste, as fronteiras da Amazônia e as terras indígenas continuam desprotegidas e disponíveis ao tráfico, ao desmatamento e à pistolagem com desfechos gravíssimos, como o caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips em 2022, cujas investigações foram acompanhadas de perto pela companheira Vivi Reis (PSOL-PA) quando deputada federal.
A complexidade desses conflitos mostra que a Amazônia está longe de ser um santuário verde. Depois da exploração primitiva e predatória imposta historicamente aos povos amazônicos, o capitalismo tem procurado se reinventar na região a fim de, única e exclusivamente, manter elevado seu patamar de acumulação e riqueza. Numa linha dita “sustentável” e supostamente para combater as mudanças climáticas, as grandes empresas capitalistas responsáveis por grande parte da destruição dos biomas apresentam falsas alternativas, como a emissão de créditos de carbono ou outras medidas do receituário da economia verde, que efetivamente são novos formatos de financeirização da natureza, privatização de bens comuns, recursos naturais conhecimentos e saberes tradicionais.
O PSOL deve ser parte integrante das lutas dos povos amazônicos, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e demais trabalhadores rurais que seguem na resistência e têm construído processos de retomadas de territórios, ao mesmo tempo em que constroem modos de vida e processos de sociabilidade que resistem à noção de tempo e espaço do capital, afirmando valores, culturas e saberes que se contrapõem à lógica do mercado.
A independência necessária ao PSOL
A luta pela independência do PSOL mostrou-se necessária na definição da candidatura própria da bancada do PSOL contra Arthur Lira e, mais recentemente, na luta contra o arcabouço fiscal, projeto-chave e definidor porque o se trata de uma composição de Lula e Haddad com a burguesia e o rentismo, sobretudo a fração dos bancos, para manter o ajuste e o pagamento da dívida, sob a orientação “fiscalista” da política econômica. O “novo marco fiscal”, além de limitar os gastos e colocar o governo em maus lençóis no caso de crises econômicas, impõe um acordo nítido sobre a orientação macroeconômica do país.
A proposta do novo teto também ameaça a educação e a saúde, já que os pisos de investimento nessas áreas, uma conquista inscrita na Constituição, podem pressionar outros gastos limitados pelo arcabouço, o que tem levado técnicos do Ministério da Fazenda, como o secretário Rogério Ceron, a afirmar que o governo pretende acabar com os pisos dessas áreas.
Sendo uma medida de ajuste fiscal, o PSOL corretamente votou contra porque não importa o proponente e sim quem paga a conta para manter os ricos satisfeitos em uma situação de crise. Além disso, a proposta é uma camisa de força para o governo, frustrando medidas da agenda eleita nas urnas.
As contradições do governo se expressaram igualmente na pauta ambiental. Após o Ibama vetar corretamente a emissão de licença de exploração de petróleo na foz do Amazonas, os ministérios do Meio Ambiente, de Marina Silva, e dos Povos Originários, de Sônia Guajajara, foram esvaziados pelo Congresso, com conhecimento e até mesmo elogios públicos da articulação política do governo. O movimento indígena seguiu bastante atuante durante o governo Bolsonaro, tendo protagonizado a denúncia do desmonte ambiental, das invasões de terras indígenas, da mineração e do garimpo ilegais. Acaba de completar-se um ano sem Bruno e Dom, ainda sem justiça. Há muitos outros embates dentro do governo, como a construção do Ferrogrão.
A luta da educação também polarizou o primeiro semestre. Sendo um setor central na derrota do bolsonarismo, com o “tsunami da educação”, o movimento educacional brasileiro tem lutado contra o Novo Ensino Médio, que segue sendo objeto de controvérsias, já que, apesar das pressões da sociedade e do movimento, a orientação do ministério da Educação segue tendo forte componente neoliberal, com relações intrínsecas entre seus dirigentes e organizações como a Fundação Lemann.
Também há um importante conflito entre os setores históricos da luta pela saúde pública e o governo, materializado na opção pelas comunidades terapêuticas, na contramão das conquistas e da luta antimanicomial, para dialogar com os negócios de setores ligados às igrejas neopentecostais que, aliás, pleiteiam ainda maiores isenções tributárias.
Também se preparam medidas amargas contra o povo, como a que atrela as dívidas bancárias à possibilidade de tomada de casas e propriedades individuais, ameaçando a casa própria de milhões de famílias brasileiras endividadas. O governo não apenas não encara o debate do endividamento – com medidas absolutamente tímidas, que tangenciam a discussão sobre a redução do IR e as dezenas de milhões que estão no SPC – como abre a porta para um ataque capaz de causar uma verdadeira “crise de hipotecas” para agradar o capital financeiro.
Para enfrentar de forma contundente a questão distributiva que tira da classe trabalhadora os frutos do seu próprio trabalho, levantamos a bandeira da taxação das grandes fortunas, assim como a revogação das reformas trabalhistas e previdenciárias que retiraram uma série de direitos da população nas últimas décadas.
Apoiar as mobilizações e construir um campo crítico
O PSOL deve apoiar todas as mobilizações por direitos, combinando-as com a luta contra a extrema direita e a resistência aos ataques no campo e nas cidades, abrindo a hipótese, inclusive, de frentes e unidades nos terrenos parlamentar e eleitoral. Na esteira do debate sobre os dez anos das Jornadas de Junho de 2013, por outro lado, repetimos que não se pode neutralizar as demandas populares e seus métodos de mobilização. Isso nos separa da visão dos setores da esquerda e da centro-esquerda que se distanciaram das ruas.
Há unidade burguesa nas medidas contra a classe trabalhadora, como nas medidas de privatização, arrocho salarial e deterioração das condições de trabalho de modo geral, envolvendo os parlamentos, o judiciário e os governos de turno. Neste ponto também o governo federal tem se inclinado claramente a ser parte dessa unidade, seja por ação ou omissão. Não apenas não questiona as reformas trabalhistas e da previdência, mas adota a defesa de PPPs. Além, é claro, de jamais questionar o judiciário em seu ativismo contra os trabalhadores, como no caso da posição de Gilmar Mendes contra o piso da saúde e agora contra a greve dos profissionais da educação do Rio de janeiro.
Portanto, a orientação do PSOL, além do combate consequente à extrema direita deve ser a de construir um campo crítico, a partir de sua independência para fortalecer as trincheiras da sociedade e do movimento de massa, estimulando a auto-organização, a defesa do ativismo do campo e da cidade, e a criação de formas associativas ligadas aos interesses dos debaixo. Desse modo, podemos fomentar a reunião dos setores críticos que possam estar de acordo com tal plataforma para derrotar a extrema direita, ganhar a maioria social e forjar uma força militante e material para a realização de um programa efetivo de mudanças, sem conciliar com os interesses da classe dominante.
III – Apenas um projeto militante pode mudar o Brasil
Os quase 20 anos de construção do PSOL não foram em vão. Temos um partido que se mostrou necessário diante da falência estratégica de partidos como o PT e PCdoB, agora federados. Podemos afirmar que o PSOL tem um caráter contraditório: trata-se de um projeto extremamente progressivo por sua simbologia, base social e parte das bancadas parlamentares, mas com grandes lacunas e importantes riscos, como a diluição no lulismo, a falta de um projeto estratégico e uma relação indefinida com o Estado.
Passados dez anos das Jornadas de Junho de 2013, a falta de uma direção política capaz de dar sentido à revolta cobra seu preço. Falta um sujeito político que busque a unidade na diversidade e que seja fiel às reivindicações surgidas nas ruas. Apenas com a ação decidida de milhões, com um programa e com cultura organizativa, vamos inverter a relação de forças, passando novamente à ofensiva. A luta entre golpes e contragolpes exige uma direção atenta e capaz de mobilizar. O bolsonarismo atua de forma conspirativa e organizada, apelando para as ruas, para a disputa comunicacional e de hegemonia, buscando impor-se pela força e pelo peso social. Por isso, a tarefa é agrupar as iniciativas e construir um polo militante, a partir da orientação que estamos disputando.
Entre os inúmeros ataques que vem sendo infringidos contra militantes e lideranças do campo popular, destacamos também a perseguição política ao camarada Aldo Santos, fundador do PSOL histórico militante do grande ABC paulista. Em 2003, como vereador pelo PT, Aldo apoiou milhares de famílias da ocupação Santo Dias em São Bernardo. Em 2018, Aldo foi condenado pelo STF a perda por cinco anos do exercício de seus direitos políticos plenos e uma multa que atualmente está estimada em torno de R$ 800.000. É absolutamente injustificável a cobrança de tamanha cifra contra qualquer trabalhador, temos lucidez que a condenação é um ataque mas contra todas os movimentos e organizações populares. Lutamos pelo fim deste processo criminoso e defendemos anistia para o camarada Aldo Santos e Camila Alves!
O PSOL deve atuar contra o Estado Burguês e seus agentes
Há outro debate, que já dividiu águas durante anos de discussão na esquerda do PT: a relação com o Estado. Como fomos obrigados a, corretamente, defender os marcos da Constituição de 1988 diante das ameaças de Bolsonaro e da extrema direita, a discussão ficou mais complexa na atualidade.
Não temos dúvida das características estruturais do Estado brasileiro. Assim como temos em conta que as conquistas da luta contra a ditadura são centrais para defendermos a limitada democracia liberal brasileira. Entretanto, a orientação de unidade de ação democrática em defesa do regime da Nova República não pode ser utilizada para a defesa de um projeto que tenha em mente apenas reformar a estrutura do regime e do Estado. Isso deve ser uma diferença do PSOL para os outros partidos do regime.
As pressões dos fundos partidários e eleitorais, e da nossa presença institucional em dezenas de casas parlamentares existem e não podem ser desconsideradas. A presença ou a relação com governos de outros partidos do dito campo progressista também é fonte de enormes pressões.
Nossa orientação deve ter isso em conta. Exemplos preocupantes e negativos, como a colaboração da prefeitura de Belém com o governo de Helder Barbalho do MDB, a presença de militantes do PSOL no ministério dirigido por Jader Barbalho Filho e de uma figura pública do partido no governo do Amapá, com Solidariedade e Republicanos, apontam um caminho de integração ao regime, assim como o voto equivocado do PSOL do Pará para uma dirigente do MDB assumir cargo vitalício no TCU local. Por isso, lutamos para que o PSOL não se integrasse organicamente ao novo governo Lula. Essa batalha, somada ao voto contrário ao arcabouço fiscal, nos dá ânimo para seguir discutindo a necessidade de uma localização independente.
A centralidade da luta antiracista no PSOL
A luta antirracista tem ganhado forças em projeção internacional e renova lutas históricas dos movimentos antirracistas e por direitos civis que foram avanços importantes de gerações anteriores
É importante resgatar que a escravidão negra foi o alicerce à expansão do capitalismo em nível mundial, e não falamos aqui da escravidão que sempre existiu em diversos momentos da história antiga, e sim de uma escravidão organizada, com um fim de estruturação de um sistema que tomava diversos países no mundo, mas se fortalecia em países que se tornavam centrais como eixo do capitalismo.
O Brasil é marcado por um histórico de 356 anos de escravidão de pessoas negras e foi o último país a abolir a escravidão. A economia brasileira foi sustentada por esse sistema e estruturou o país através do trabalho escravo em um período histórico de muitas resistências, revoltas e revoluções em busca da liberdade, que sempre foram duramente reprimidas. A abolição do trabalho escravo, como a história dominante nos conta, se deu há apenas 135 anos, o equivalente a quatro gerações (diante de vinte e cinco gerações dos anos de sistema escravagista), tempo insuficiente para qualquer tipo de mudança estrutural.
No Brasil, qualquer caracterização das relações de força e relações sociais e políticas que não levem em consideração a luta antirracista será uma caracterização parcial e desconectada com a formação e estruturação desse país. Não há como falarmos de revolução ou mudanças estruturais sem fortalecer a luta antirracista no mundo inteiro.
O ascenso da luta negra fez com que a necessidade de representatividade ocupasse espaço nos parlamentos. O PSOL cresceu sua representação na negritude e precisa avançar ainda mais nesse sentido, com o ascenso de candidaturas e parlamentares negros, devendo se reverter para dentro do PSOL como trabalho para organizar e ganhar militância negra, construindo o PSOL como um polo para amplificar e estimular a luta do movimento negro nas ruas por suas exigências.
Para enfrentar a violência estatal racista contra a população negra, em especial sua juventude, denunciamos a guerra às drogas e defendemos a legalização das substâncias psicoativas, desmilitarizando as periferias e construindo uma abordagem para o tema desde a saúde pública.
O PSOL precisa ter a luta antirracista como prioridade em todas as suas frentes, seja por campanhas junto a movimentos sociais ou por frentes parlamentares, a exemplo dos projetos de leis sobre o futebol a partir do enfrentamento feito pelo jogador Viny Jr. A Luta antirracista é uma luta necessária e essencial.
O PSOL deve seguir sendo a referência na pauta feminista, LGBT e da negritude
Se a extrema direita disputou o sentido da indignação anti-regime pelo mundo, também o fizeram os movimentos feminista, LGBTQIA+ e antirracista. Depois de 2013 o Brasil viveu uma verdadeira Primavera Feminista que relacionou a violência contra a mulher e a invisibilidade do cuidado com o avanço neoliberal e a precarização da vida. Foi esse movimento que apontou, mais que qualquer outro, um programa de saída para a crise social. Da mesma forma, avançaram elaborações sobre a heteronormatividade e a manutenção das famílias e sua relação com a privatização da vida e sobre os marcadores históricos de estratificação racial da classe trabalhadora. No Brasil, o PSOL se tornou grande referência desses movimentos, tanto na construção ativa dos próprios movimentos, quanto através da eleição de uma bancada parlamentar orgânica dessas lutas.
Hoje, esses movimentos são muito atacados pela extrema direita que tem no racismo, na LGBTfobia e no masculinismo alguns de seus pilares. Além disso, são disputados por visões liberais, que veem na representatividade e ascensão financeira de poucos respostas para problemas estruturais do capitalismo. O PSOL deve seguir organizando e referenciando essas lutas e apontando a necessidade de uma visão anticapitalista para as mesmas.
Nossa experiência
Achamos que a tarefa do PSOL é construir sua condição militante nas categorias, bairros, assentamentos, escolas, universidades e territórios. Nossa atuação está articulada entre professoras, professores, funcionários e funcionárias de escolas e universidades, bancárias e bancários, metroviárias e metroviários, servidores públicos das três esferas, metalúrgicos, vigilantes, policiais antifascistas, rodoviários, advogados e advogadas, operários e camponeses. Outro exemplo que deve ser nacionalizado é a experiência do Pará, a partir da liderança de Vivi Reis, com a Casa Amazônia, espaço de organização de uma militância com horizonte estratégico no ecossocialismo.
Na luta dos trabalhadores e trabalhadoras construímos a TLS como ferramenta sindical combativa em todo país. Na educação básica, estamos localizados na maioria dos grandes sindicatos do país e nos tornamos a maior oposição à maioria da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), a maior confederação de trabalhadores na educação básica da América Latina. Estamos também localizados na educação superior, na direção do Andes/Sindicato, dirigimos o Sindicato de Metroviários do Rio Grande do Sul, participamos da direção nacional da Fasubra e do sindicato dos trabalhadores da Saúde de Porto Alegre. Temos nos enraizados no movimento sindical como uma força política que, nos últimos anos, consolida-se a partir de um permanente trabalho de base e nas estruturas de diversas direções sindicais.
Na juventude temos feito a experiência com Juntos defendendo o legado das ruas, 10 anos após o levante juvenil. Vamos impulsionar a defesa da independência política e a luta da juventude no congresso da UNE, batalhando por uma nova direção, unificando a esquerda a partir da unidade da Juventude do PSOL.
No movimento de mulheres, impulsionamos o Juntas em diversos estados como ferramenta para a auto-organização e ação do movimento feminista, em ascenso desde a primavera feminista, com a grande manifestação do EleNão, com o protagonismo destaca das parlamentares mulheres.
Como já citada acima, reforçamos nossa presença nos movimentos populares, seja no campo – com uma articulação que hoje nos faz atuar em sete diferentes movimentos camponeses, em diversos estados; na educação popular, onde apostamos na construção da Rede Emancipa de Educação Popular, junto a centenas de ativistas independentes. E a partir da Revista Movimento, da Escola Marx e do Podcast EM, estamos difundindo ideias para a construção de um marxismo “a quente”, capaz de orientar milhares de ativistas.
IV – Tarefas, programa e propostas
O VIII Congresso do PSOL tem como principal tarefa votar uma orientação que combine a luta contra a extrema direita com a necessidade de construir uma alternativa independente. Ao mesmo tempo, o congresso deve congregar os esforços para tornar o PSOL um projeto mais militante, presente nas trincheiras das lutas sociais. A serviço disso, construímos essa tese para ampliar o papel do bloco anticapitalista dentro do partido, incorporando outros camaradas à exemplo da Construção pela Base do RS e do Enfrente de SP.
Defendemos a aprovação de um programa de urgência com cinco bandeiras:
1) Contra a extrema direita, desbolsonarizar o Brasil! É preciso aproveitar o momento de defensiva da extrema direita para atacá-la em seus pontos críticos, expondo as ligações entre os atentados nas escolas, ataques de ódio, movimentos misóginos e similares com essa vertente ideológica. Da mesma forma, a ação contundente contra o trabalho escravo e o trabalho infantil, temas sistematicamente relativizados por parlamentares bolsonaristas, deve enfrentar luta sem trégua ou anistia para seus responsáveis;
2) A defesa das bandeiras da classe trabalhadora, o apoio a suas lutas e a rejeição da regra fiscal, do ajuste de Haddad e dos banqueiros. A partir dessa posição, vamos desenvolver nossa linha de defesa da auditoria da dívida pública, não pagamento e redução dos juros – voltando aos termos da Constituição de 1988, que previa como crime taxas acima de 12%. Além disso, devemos centrar nossa agitação pela taxação das grandes fortunas, dos lucros e dividendos empresariais e dos bens de luxo, demonstrando ao povo a necessidade de fazer os ricos pagarem pela crise;
3) Indicar a centralidade das reivindicações socioambientais perante a crise climática. Para isso, é essencial lutar por uma reforma urbana que atue contra os interesses dos grandes mercados imobiliários, assim como o enfrentamento concreto do racismo ambiental que afeta os setores oprimidos mais vulneráveis da classe trabalhadora, além da criação de um fundo especial contra os desastres climáticos. Nesse sentido, o fortalecimento de políticas em defesa dos povos originários, o combate ao extrativismo predatório e ao garimpo na Amazônia, a luta contra novas barragens e obras de infraestrutura que degradam o meio ambiente, entre outros exemplos, devem estar no centro de um plano de ação construído com protagonismo dos movimentos e organizações sociais das populações diretamente atingidas;
4) Reforma agrária radical para combater o latifúndio, a monocultura agroexportadora predatória, garantindo o direito à terra e ao trabalho a milhões de famílias do campo, e a oferta de alimentos saudáveis e acessíveis às famílias trabalhadoras da cidade. Para isso, enfrentamos a grilagem de terras públicas, indígenas e quilombolas, as milícias de jagunços e a perseguição aos lutadores do campo;
5) O feminismo, o antirracismo e o movimento LGBTQIA+ são essenciais para derrotar a extrema direita e para a construção do socialismo: Justiça para Marielle e Anderson! Contra a violência de gênero e a violência LGBTfóbica! Pelo aborto legal, seguro e gratuito! Pela socialização do trabalho de cuidado, com mais creches, escolas e serviços públicos de saúde! Contra a precarização dos serviços de assistência social! Contra a violência policial e o extermínio da juventude negra! Nacionalizar o debate em torno do combate ao racismo religioso! Nacionalizar a lei Vini Jr. de autoria do deputado Prof. Josemar! Contra a precarização do trabalho e pelos direitos dos trabalhadores de aplicativo! Contra a tese do marco temporal! Demarcação de terras já!
Por uma nova direção para o PSOL
A atual direção do PSOL foi incapaz de colocar o Partido a serviço dessa orientação. Buscando uma confusão teórica (com base nas elaborações do populismo de esquerda) entre a unidade de ação necessária com a diluição em frentes permanentes com o lulismo, a linha do PSOL Popular era votar a integração plena ao governo de Lula e Alckmin. O marco do pragmatismo leva a uma maior integração ao regime, à despolitização e um partido que cada vez mais seja de filiados, diminuindo o peso da sua capacidade militante.
É necessário uma nova direção para o PSOL. Queremos unificar todos os anticapitalistas do partido num único campo, materializando numa chapa democrática que impeça uma maioria que mude a natureza do Partido.
Temos diversas propostas de construção partidária como a realização de um encontro internacional antifascista, da conferência nacional do trabalho agrário do PSOL, a organização das instâncias de base do partido, a formação permanente de lideranças, realização de debates virtuais mensais com participação de membros da executiva e da bancada para discutir a linha partidária, entre outras.
Fazemos um chamado para uma orientação MILITANTE no VIII Congresso do PSOL.