Ataques machistas e misóginos dominam espaços políticos
As provocações e agressões que deputadas federais vêm sofrendo – e que são rotina nas Câmaras brasileiras – têm nome: isso é violência política de gênero
“A senhora tá nervosa, deputada? Quer um remédio? Ou quer um hambúrguer?”. Foi dessa forma cínica que o deputado canalha, ops, coronel Zucco se dirigiu à deputada Sâmia Bomfim na CPI do MST. Machistas geralmente recorrem a comida e a remédios para ofender mulheres, seja para chamá-las de gordas, seja para chamá-las de loucas. O que, talvez, o deputado – “que precisa de um ‘tenente coronel’ no nome para afetar alguma musculatura moral”, como tuitou o jornalista Reinaldo Azevedo” – não imaginava era a repercussão que sua infeliz fala teria. Além da divulgação massiva pela imprensa, o episódio será levado à Procuradoria Geral da República (PGR).
A violência política de gênero se manifesta de várias formas, as mais comuns são as interrupções de falas, mas as parlamentares também sofrem assédio constante fora do plenário: nos corredores das casas legislativas, nas redes sociais e nas ruas. O ápice desse tipo de violência se revelou cinco anos atrás, com o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro.
Osasco: terra do discurso da malícia
No dia a dia das parlamentares, a desqualificação é rotineira. Na Câmara de Vereadores de Osasco não é diferente: embora a desqualificação não seja tão explícita, o assédio é constante. Um tipo de violência que poucos percebem – pois não é audível para o espectador que acompanha as sessões pela TV – é quando uma vereadora está na tribuna, discursando ou defendendo alguma moção, e todos os homens do plenário, notadamente os da mesa diretora, conversam entre si, falam ao telefone, levantam-se de seus lugares e ficam falando alto e rindo. A parlamentar que está com a fala chega a perder o raciocínio. Não são raras as vezes em que elas pedem silêncio, solicitam que sejam respeitadas ou até mesmo param de falar até que os colegas resolvam se comportar e fazer silêncio.
Outras situações de assédio bastante constrangedoras acontecem quando as vereadoras estão aguardando sua vez de fala, no microfone lateral do plenário: os vereadores ficam atrás delas, bem próximos, cochichando provocações em seus ouvidos, a fim de que se desestabilizem e percam o decoro. Apesar de os homens perderem o controle a todo momento – e os trinta anos de quebra de decoro de Bolsonaro estão aí para provar –, quando uma mulher se exalta, a horda confirma que o espaço político não é mesmo para ela. Até os elogios dirigidos por alguns parlamentares são irônicos ou proferidos em tom malicioso. Em Osasco, é comum eles comentarem ao microfone sobre a roupa das vereadoras. O ponto central de toda essa exemplificação é para afirmar que nunca se vê uma parlamentar fazendo coisas desse tipo com nenhum homem no plenário.
A violência política de gênero é direcionada ao feminino. Por tal motivo, um dos primeiros projetos de leis propostos pela AtivOz em Osasco foi o Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política Contra Mulheres, Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas. Aprovado, o dia 14 de março passou a integrar o calendário oficial do município de Osasco.
A fala da deputada federal Sâmia Bomfim no dia seguinte ao episódio misógino reafirma a importância de leis como essa e ilustra o caráter educativo da atuação das parlamentares no Brasil, país em que coronéis de meia-tigela ainda pensam dominar:
“As notícias que estampam os jornais de hoje sobre essa CPI são sobre o show de misoginia que aconteceu desde o início, não são sobre outra coisa. É sobre o show de misoginia, e não poderia ser diferente porque o povo brasileiro não concorda com isso, sobretudo as mulheres brasileiras. E é pra elas que eu quero começar falando: nunca calem a boca; nunca se intimidem; nunca baixem a cabeça para machista nenhum. Eu espero, Fernanda [Melchionna], Talíria [Petrone] e tantas outras, que o papel que nós estamos cumprindo aqui, além de político, seja pedagógico para milhares de mulheres brasileiras que acompanham a nossa CPI. Dizer também que eu sei muito bem por que fazem isso. Porque querem nos intimidar. Porque querem nos fazer retroceder.”