Autor de ameaças a padre Júlio Lancellotti quer capela ‘de volta’
O bolsonarista Wilson Aliano é descendente de imigrante que construiu templo da paróquia onde o religioso atua em benefício aos mais pobres
Foto: Reprodução
Um bolsonarista de 72 anos é o autor de um bilhete com ameaças enviado ao padre Júlio Lancelotti, no último domingo (27). O homem, identificado como Wilson Aliano, foi flagrado por câmeras de segurança deixando a mensagem no portão da Paróquia São Miguel Arcanjo, na zona leste de São Paulo. Em depoimento ao 8º Distrito Policial, no Brás, o homem confessou ter escrito o bilhete.
Na mensagem, o Aliano acusa o religioso de ser “defensor dos direitos de bandidos”, “padreco de merda” e “petista vagabundo”, acrescentando que o “dia de reinado aqui vai acabar”. O caso foi registrado como injúria e ameaça.
“O autor é conhecido da vítima denunciante e disse em depoimento que não pretendia fazer, efetivamente, mal a ela. O padre foi orientado quanto ao prazo de seis meses para representar criminalmente contra o autor”, informou, em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP).
À polícia o autor justificou o ato como consequência da mistura de remédios psiquiátricos com bebida alcóolica, alegou ter escrito algo “que não devia” e afirmou não pretender fazer mal ao padre. Lancellotti, porém, contou que o agressor havia estado na paróquia dias antes e ofendido os frequentadores.
“Já tinha reclamado, já tinha esbravejado. Eu acho que é um ódio ao fato de serem atendidas as pessoas em situação de rua. Porque aí coloca que defende bandido, essas coisas de sempre”, diz o religioso.
Conforme levantamento do portal Metrópoles, Aliano é ex-empresário e descendente de um imigrante italiano que desembarcou no Brasil no século 19 e que, mais tarde construiria a Capela São Miguel Arcanjo, doada à Cúria Metropolitana na década de 1960. Recentemente, ele teria ido à paróquia pedir que a doação feita por sua família fosse desfeita.
“Ele esteve lá esses dias pedindo documentação de batismo. Foi informado que da época que ele pediu não era paróquia ainda. Ele sabia disso, mas estava implicado com o tratamento que se dá com a população de rua e ficou xingando, ofendendo e dizendo que ia entrar na Justiça para anular a doação”, explicou o padre.
Trabalho nas ruas
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo e referência na luta pelos direitos humanos, Julio Lancellotti soma 40 anos dedicados aos mais pobres, um trabalho que tem irritado militantes e políticos de extrema direita. Ele é perseguido por pessoas do naipe do deputado federal cassado Arthur do Val – que chamou o religioso de “cafetão da miséria” – e do empresário Luciano Hang, condenado no ano passado a pagar R$ 8 mil ao religioso por tê-lo chamado de bandido em um grupo de WhatsApp.
Para eles, alimentar e acolher pessoas de rua é um ato criminoso e não um ato de amor e solidariedade diante da falta de políticas públicas que reduzam essa mazela nacional. Apesar de não ter dados muito confiáveis sobre a questão, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam que a população em situação de rua no Brasil ultrapasse 281.472 pessoas. Segundo o Ipea, entre 2012 e 2022, o crescimento desse segmento foi de 211%.