Contra a instrumentalização da pauta racial para manter o poder no PSOL
A luta antirracista não pode ser utilizada de forma oportunista para justificar a violência política que cresce no PSOL
Este documento é escrito por negros e negras do MES. Somos uma corrente com forte tradição no movimento de massas, seja ele estudantil, popular, sindical ou camponês. Nos inserimos e construímos diversas frentes de atuação na causa negra: comunidades tradicionais de matriz africana, comunidades quilombolas, ribeirinhas, núcleos em defesa dos direitos humanos e de educação popular. Atuamos nas periferias de norte a sul deste país.
Neste texto, queremos contrapor aqueles que tentam instrumentalizar a pauta racial para defender agressão, violência e manobras internas ocorridas no 8º Congresso do PSOL.
O 8º Congresso Nacional do PSOL finalizou-se no último domingo (01/10). Infelizmente, o grande destaque do espaço foi o soco realizado por um dirigente da Revolução Solidária contra um dirigente nacional do Movimento Esquerda Socialista. O Congresso, na íntegra, foi veiculado ao vivo nas redes sociais. A agressão foi vista pelos presentes, reproduzida e veiculada em jornais, não existindo dúvidas quanto à gravidade do fato. O Congresso se encaminhava para seus momentos finais, uma vez que um acordo político entre os agrupamentos internos permitiu que fosse derrotada a tentativa de mudança regimental de última hora organizada pelas tendências Revolução Solidária e da Primavera Socialista, de Juliano Medeiros e Paula Coradi (eleita presidenta do partido). Esta mudança tentava impedir a proporcionalidade na direção do partido, como historicamente é organizado o PSOL.
Nesses momentos finais, um pedido de resposta feito por membros da tendência Resistência gerou um debate em frente à mesa. A pessoa que desferiu o soco não estava em meio aos debates e Roberto Robaina estava em apoio a uma camarada que ajudava a coordenar os trabalhos da mesa. A agressão que o fundador do PSOL sofreu nada teve a ver com o debate político que acontecia naquele momento.
Qualquer ação de violência física entre companheiros precisa ser duramente combatida pelo conjunto do partido, mas o que tem ocorrido é uma tentativa de amenizar o fato, a partir da instrumentalização da pauta antirracista. A pessoa que desferiu o soco foi identificada, e o fato de ser uma pessoa negra tem sido utilizado como justificativa para que não seja exigido da direção do PSOL uma posição firme de combate a violência política.
A violência política tem sido um método frequente da tendência Revolução Solidária. No Rio de Janeiro, já haviam tentado atacar fisicamente nosso principal dirigente no estado, o deputado estadual Josemar Carvalho, também um homem negro. O não combate a esse método foi o que fez com que a situação se agravasse no Congresso Nacional.
Ao não repreender a violência como método e permitir que seus dirigentes a reproduzam de forma corriqueira, é a Revolução Solidária quem não protege seus homens negros e reforça o estereótipo do homem negro agressor ou violento. Historicamente os corpos negros foram utilizados, ora como receptores da violência física, ora são instrumentalizados como agentes, como é caso de policiais negros. O padrão branco colonizador por anos tentou nos fazer seguir esses padrões, construindo o imaginário de uma masculinidade violenta que impõe práticas de dominação a partir da virilidade e da violência física.
O dirigente da Revolução Solidária que desferiu o soco não estava em meio às discussões que ocorriam em frente ao palco, e saiu do fundo do plenário, por cima do palco, indo em direção ao dirigente nacional do MES para atingí-lo pelas costas. Os vídeos infelizmente já veiculados pela própria mídia não deixam dúvidas, assim como não há dúvidas de que a ação foi premeditada e organizada. A questão racial posta não trata se é necessário que o partido responsabilize o responsável, pois essa resposta é óbvia. A questão racial posta é o uso de pessoas negras para atitudes deliberadas de violência. Isso precisa ser de forma urgente respondido pelo grupo majoritário no PSOL, e em primeiro lugar pela Revolução Solidária, corrente ao qual o filiado faz parte, pela Primavera Socialista, que hoje ocupa a presidência do partido, e pelo mandato federal da qual o agressor é assessor na Câmara dos Deputados.
Porém, o que está ocorrendo é uma tentativa desses grupos de não responsabilização pela violência política cometida. Ao contrário, usam a instrumentalização da pauta racial para a naturalização da violência política como método!
Como militantes negros no PSOL, queremos ser indicados para as tarefas políticas, queremos organizar e dirigir este partido, e não ver nossos corpos na linha de frente das brigas físicas internas. Sabemos e queremos resolver nossas diferenças na política e no campo das ideias e é por isso que não aceitamos a reprodução de que nossos corpos são violentos. Não aceitamos que o PSOL, partido construído por milhares de militantes, quadros e dirigentes negros socialistas, não haja com firmeza para coibir qualquer episódio de violência física. Um partido que naturaliza a violência física não é um partido seguro para nenhuma pessoa negra, pois somos os primeiros a ter nossos corpos vistos como descartáveis. E sobretudo, não aceitamos uma perversa instrumentalização da luta antirracista.
Somos uma corrente dirigida pela centralidade da política antirracista. Organizamos a luta quilombola em vários estados. Atuamos nas periferias, seja no trabalho popular, seja com cursinhos populares. Nossos militantes do campo são alvo direto da criminalização racista nos tirou historicamente o nosso direito à terra. Nossos parlamentares negros encabeçam a luta contra racismo na tribuna das casas legislativas: Luana Alves, vereadora de São Paulo, lutou até derrubar de forma inédita um racista da Câmara Municipal da cidade. Fábio Félix, deputado distrital do DF, além de importante liderança LGBTQIA+, é grande atuante no combate ao racismo religioso. No Rio de Janeiro, o deputado estadual Professor Josemar é autor da lei Vini Junior, que combate o racismo nos estádios e arenas esportivas. O mandado estadual Movimento Pretas, encabeçado por Mônica Seixas em São Paulo, expressa a luta das mulheres negras no parlamento e sua auto organização. No Pará, Vivi Reis é uma guerreira em defesa dos povos da Amazônia, no Maranhão temos a atuação exemplar da companheira Antônia Cariongo contra os latifundiários, entre tantos outros exemplos.
Nos inserimos e disputamos contra o neofascistas e fundamentalistas que visam um projeto político que quer exterminar nossas culturas e identidades. Os enfrentamos por que são nossos inimigos de classe e fazemos isso construindo a partir da educação popular da luta no campo, nas universidades, nos sindicatos, no seio da classe trabalhadora.
Aproveitamos a oportunidade, para salientar a necessidade dos negros e negras do PSOL se organizarem. É preciso avançar nas nossas pautas. E principalmente resistir. A violência policial segue matando nosso povo nas periferias, favelas, comunidades e quebradas. O racismo religioso está perseguindo nossa gente nos terreiros de matriz africana. As enchentes e os deslizamentos atingem ainda mais os nossos, pois somos a maioria dos que moramos em áreas de risco: palafitas, encostas e terrenos alagadiços.
A luta racial é estratégica para a luta socialista no Brasil. Não haverá revolução socialista no nosso país, sem nós, o povo negro, pobre e trabalhador. Devemos sim combinar e organizar as nossas lutas, avançar na nossa formação militante, apresentar um programa negro anticapitalista para a crise econômica, social e ambiental que assola o país.
04 de Outubro de 2023
NEGROS E NEGRAS DO MOVIMENTO ESQUERDA SOCIALISTA