A covardia da esquerda não pode ter vez diante da luta do povo palestino
Qual o papel da esquerda brasileira diante do massacre do povo palestino?
No dia 23 de outubro, fiquei chocado ao ler um artigo no site Esquerda Online, pertencente à corrente interna do PSOL Resistência, escrito por Gabriel Santos e Lucas Ribeiro, com o título “A esquerda brasileira diante da guerra na Palestina”. Desde o próprio título, percebi que o artigo se referia ao genocídio perpetrado pelo Estado Sionista na Faixa de Gaza como uma “guerra na Palestina”, mesmo após duas semanas e meia de bombardeios intensos nesse pequeno território e inúmeras imagens que retratam o sofrimento e a dor do povo palestino em sua própria terra.
Nós, que fazemos parte da esquerda radical de nações colonizadas e que carregamos as marcas profundas do racismo, sempre consideramos a luta pela libertação da Palestina – incluindo o combate ao Estado sionista e à sua ideologia -, como uma missão fundamental e imperativa nos dias atuais. Há mais de 75 anos, o imperialismo criou um Estado racista e colonial nessa região e, desde então, o povo palestino luta incansavelmente pela mera possibilidade de existir.
O sionismo nunca aceitou a existência de territórios palestinos em sua vizinhança. Por essa razão, mesmo após a criação do Estado de Israel, desencadeou a Guerra dos Seis Dias com o claro propósito de consolidar sua influência sobre as poucas terras alocadas pela ONU aos palestinos. As condições já difíceis na Cisjordânia e em Gaza se deterioraram ainda mais após os Acordos de Oslo em 1994, quando Israel intensificou o processo de colonização nas áreas restantes. É importante ressaltar que, mesmo quando houve a retirada dos colonos da Faixa de Gaza, ela veio acompanhada do cerco e sufocamento desse território, que se tornou o maior gueto da história, abrigando 2,2 milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que avançou na invasão com assentamentos na Cisjordânia.
Tendo este contexto em vista, chegamos ao artigo da Esquerda Online. O centro do argumento do texto é que os setores da extrema direita têm utilizado muito o tema da “guerra na Palestina” para atacar as nossas figuras públicas, por isso teríamos que tomar cuidado ao se posicionar sobre eles. Alegando uma situação defensiva no país, a esquerda deveria mediar o seu discurso para o público geral e não apenas falarmos com o nosso entorno e a vanguarda. Para piorar, fala que palavras de ordem radicais como o questionamento do Estado de Israel não deveriam ocorrer e que deveríamos apenas “(…) lamentar e condenar a morte de civis inocentes, buscar se diferenciar do Hamas (…)”.
Primeira coisa a ser dita é que não existe mediação com relação a princípios, ainda mais num momento em que ocorre um genocídio transmitido em tempo real para todo o Mundo. É por isso que temos muito orgulho do protagonismo de nossos lutadores e parlamentares nesta luta, como símbolo principal Luciana Genro.
Em segundo lugar, a intervenção na luta de classes não se faz com fato consumado, mas agindo para transformar a realidade. A força do sionismo nos meios de comunicação e na superestrutura global é imensa e sabíamos que os primeiros dias após 7 de outubro seriam difíceis para a causa palestina. Porém, também já prevíamos a reação de Israel, ainda mais com um governo de extrema direita e corrupto com Itamar Ben-Gvir e Netanyahu. Estar na linha de frente neste momento é se transformar em referência para desmascarar o apartheid e o projeto colonial do sionismo. Tanto é assim que já na semana do dia 16 de outubro viramos nas redes por todas as projeções e agora no dia 28 de outubro saiu um levantamento na revista Veja (muito esquerdista) um levantamento do Genial/Quaest que aponta que a maioria dos brasileiros (61%) acha injustificável a reação de Israel. E mais: como o próprio Netanyahu disse, a guerra será longa, e cada minuto que passa é tarefa da esquerda mundial retirar mais um desses tijolos que protegem essa ideologia colonial e racista. Assim como a pressão internacional teve um papel muito importante na derrubada no Estado racista na África do Sul, também terá no caso do sionismo não apenas para libertar os palestinos, mas os próprios judeus.
O outro problema grave do texto é a falsa simetria entre um Estado genocida bancado pela principal potência mundial com um grupo armado de resistência a colonização e ao apartheid que pratica atos terroristas. É claro que nós, trotskistas e da esquerda, sempre criticamos atos terroristas como estratégia de disputa de maioria ou fortalecimento da nossa causa, inclusive a nossa tradição também questionou a guerrilha foquista. Mas, apesar disso, nós nunca igualamos a violência dos oprimidos à violência dos opressores. É como se nosso centro na ditadura fosse questionar a guerrilha, mas não o regime, ou igualá-los, ainda mais estando de fora da região. A mídia e o sionismo já vão apresentar o lado deles, o nosso papel é apresentar aquilo que eles não vão mostrar – o genocídio de um povo.
Quando Petro, atual presidente da Colômbia, já cortou relações com Israel e até o Lula já fala em Genocídio, parece-me uma postura completamente covarde mediar nas denúncias do sionismo, apesar de eles quererem mostrar um debate de propaganda e agitação. Na essência, parece-me o oportunismo do medo de não perder seguidores ou de garantir curtidas, ou mesmo de não se queimar para uma futura eleição.
Por mais triste que seja o momento e, muitas vezes, desesperador, toda crise também abre brechas para transformar o status quo. O que temos visto é que para além dos países árabes/mulçumanos, os protestos em solidariedade à Palestina têm ganhado corpo e se expandido. Avançar na denúncia internacional, pressionar o governo brasileiro a romper as relações diplomáticas e econômicas com Israel, e exigir o cessar-fogo precisam estar juntos à denúncia do caráter colonial e ao apartheid do sionismo.
Por fim, é fundamental nos somar à luta e nos solidarizar com aqueles que por denunciar a barbárie provocada pelo Estado Israelense estão sendo perseguidos nos seus locais de trabalho com assédio e até mesmo demissão. Aqui, em especial a perseguição que bolsonaristas e sionistas estão fazendo à professora Monica Herz, da PUC-Rio, e as nossas parlamentares Luciana Genro e Monica Seixas do Movimento Pretas, que estão sofrendo processos de perseguição nas Assembleias Legislativas do Rio Grande do Sul e de São Paulo, respectivamente.
Todo apoio à luta do povo palestino!
Palestina Livre do Rio ao Mar!