Os dias mais quentes de nossas vidas
IMG_3020

Os dias mais quentes de nossas vidas

Antes que seja tarde, é hora da luta

Israel Dutra 21 nov 2023, 13:27

Não houve escapatória. Quem estava no Brasil nos últimos dias não teve outra opção que não sobreviver à onda de calor. Temperaturas altíssimas, como nunca se viu, assolaram inúmeras regiões, particularmente no Sudeste e no Centro-Oeste, com fortes repercussões em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Ao mesmo tempo, seguem temporais devastadores no Sul do Brasil. A força do mar em Santa Catarian chegou a ser qualificada como um pequeno “tsunami”. As duas consequências mais imediatas são as mortes e a alteração qualitativa do modo de vida; ambas atingem em cheio e de forma desigual os mais pobres e vulneráveis. 

A morte de uma fã de Taylor Swift, em um show com sensação térmica de mais de 50 graus no estádio Engenhão, no Rio de Janeiro, comoveu o país e as redes sociais. Uma tragédia diretamente ligada à crise climática. A jovem Ana Clara Benevides faleceu por conta de hemorragias decorrentes de “calor, insolação e desidratação”, segundo o laudo médico. O show no dia seguinte foi cancelado devido às altas temperaturas. 

A era da “fervura global” veio para ficar. Nas útimas semanas, milhões de brasileiros chegaram a essa tétrica conclusão. Cabe à esquerda entender, dialogar e se posicionar diante da nova realidade. 

Um novo normal no Brasil

50 graus como sensação térmica e 40 graus nos termômetros: as temperaturas bateram recordes. O sofrimento de milhões de brasileiros não deve ser passageiro. Há um “novo normal”: três capitais do Sudeste brasileiro, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, tiveram suas mais altas temperaturas registradas em um novembro, nas últimas semanas. Esse “novo normal” combina temperaturas altas, tempestades e queimadas como as que vimos no Pantanal. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná tiveram tempesteades que causaram transtornos, mortes e milhares de desabrigados. Os estados amazônicos ainda sofrem com uma seca sem precendentes. 

Quais são as causas imediatas para tamanho descalabro climático? A onda de calor é resultado direto do aquecimento global – ou fervura global – que aumentou muito as temperaturas em várias partes do mundo. O caso brasileiro envolve o El Niño, fenômeno climático que atinge o Oceano Pacíficio, com previsão para durar até o próximo semestre. A ciência explica que o aquecimento global é causado pelos gases de efeito estufa – dentre os quais o mais importante é o gás carbônico -, que retêm o calor do nosso Sol na atmosfera e são liberados na queima dos chamados combustíveis fosseis, como o carvão e petróleo, gerando alterações climáticas.

Às vésperas da COP28, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) afirmou que o mundo está a caminho de um infernal aumento de 3° de aquecimento global, segundo informação do jornal The Guardian. Por sua vez, os cientistas do observatório europeu Copernicus anunciaram que 2023 deve terminar como o ano mais quente em 125 mil anos. Trata-se de um dado assustador. 

O calor não é igual para todos

Thiago Amparo, colunista da Folha de S. Paulo, apresentou uma definição “essencial”: o calor tem cor e classe. Os bairros nobres com mais condições de acessar serviços e recursos podem melhor se “defender” do calor insuportável em comparação com quem depende de conduções lotadas e sem ar-condicionado, para ficarmos num exemplo elementar. Se vamos puxando o “fio” das contradições, podemos assinalar situações ainda mais graves: as escolas públicas viraram fornos, com crianças e adolescentes com maior dificuldade de concentração e aprendizado. Também sofrem as pessoascom deficiência e dependentes do SUS, vivendo em condições irregulares de moradia em favelas e bairros das periferias do país. 

A restrição ao acesso à agua potável é outra marca da desigualdade gritante do Brasil. Como tem afirmado a deputadaestadual Mônica Seixas (PSOL-SP), utilizando o conceito de “racismo ambiental” para descrever a enorme diferença deacesso aos recuros e exposição aos riscos ambientais. Mônica, inclusive, trava nessas semanas uma luta duríssima no parlamento contra a privatização da água no estado de São Paulo, com o governo de Tarcísio de Freitas querendo vender a SABESP. 

Os desastres naturais são agravados pela condição estrutural da desiguldades, levando a cada vez mais devastação da vida. O outro lado da moeda é reveleado pelos dados da Oxfam sobre os verdadeiros responsáveis pelo colapso que estamos vivendo: o 1% mais rico emite a mesma quantidade de poluição que 5 bilhões de pessoas, segundo dados de 2019. 

Não mude o clima, mude o sistema

É preciso agir imediatamente para puxar os freios de emergência do planeta. Podemos enumerar três dimensões para ação: 

1) pautar medidas emergenciais, na forma de leis e garantias para que a população trabalhadora possa se defender da onda de calor: desde impedir o corte de energia e água de inadimplentes, passando por medidas protetivas para quem trabalha nas ruas, declarando faixas de emergência climática, como muitos países já estão fazendo;

2) pensar num plano integrado de transição energética, levando em conta as demandas dos trabalhadores, pensando em políticas compensatórias, defendendo a Amazônia e se poscionando contra a exploração do petróleo, como o povo equatoriano recentemente fez em plebiscito; um plano gerido por interesses públicos, cancelando as privatizações,  como a que está em curso da SABESP e revendo a da CEDAE no Rio de Janeiro; 

3) o Brasil terá enorme responsabiliidade daqui até a COP 30, que será um dos maiores eventos e desafios do país, para debater um projeto ambiental orientado por uma política de sobrevivência. Há necessidade de um recorte ecossocialista, que ganhe a juventude brasileira para essa luta vital para acumular forças nos próximos anos. É preciso incorporar as demandas dos povos originários e de ribeirinhos, a começar pela campanha em defesa do povo quilombola, ameaçado e criminalizado pelo latifúndio. 

Para defender esses postulados, a esquerda social e política tem que abrir a cabeça e os caminhos para uma nova forma de pensar, atualizando o programa nessa chave e construindo pontes para um bloco social que postule que a defesa do meio ambiente é uma pauta central para classe trabalhadora, ganhando maioria social para forjar essa mudanças. 

Antes que seja tarde, é hora da luta.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi