Privatização: podemos colocar os neoliberais na defensiva?
Uma vitória contra as privatizações de Tarcísio de Freitas em São Paulo teria repercussões nacionais
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“Privatizar faz mal ao Brasil”: esta era a palavra de ordem principal da campanha que os movimentos sociais organizaram, com bastante êxito, no final da década de 90. Muitos anos depois, volta à baila o debate acerca do mérito das privatizações, sendo alvo de discussões na imprensa paulista, com artigos contrários e favoráreis. O motivo: a venda da SABESP está para ser votada na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP). O apagão da privatizada ENEL colocou mais lenha na fogueira do debate público.
Na vizinha Argentina, às vésperas de um disputado segundo turno, Javier Milei, candidato da extrema-direita se notabiliza por defender a privatização de “absolutamente tudo”, com ele próprio se vangloria. Esse é um debate fundamental porque envolve não só a defesa de uma importante pauta política e social, como oportuniza a discussão de uma saída mais de fundo, de modelo de sociedade.
A SABESP pauta o debate na sociedade
Há um intenso debate estabelecido sobre as privatizações em São Paulo. O editorial da Folha de S. Paulo, expressão bem-acabada da ala liberal da burguesia paulista, na segunda-feira (13) não deixa dúvidas:
“O vendaval que deixou mais de 2 milhões de pessoas sem energia em São Paulo ameaça causar um apagão também na privatização da SABESP, que depende da aprovação da Câmara de Vereadores da capital e da Assembleia Legislativa”.
O temor dos liberais deriva de uma ampla revolta com os serviços da ENEL, a empresa privatizada que responde pela distribuição de energia elétrica na capital paulista, após o estrago causado pelo último grande temporal na cidade. A ineficácia generalizada, respondida com indignação e protestos, debilitou o argumento em prol das privatizações. Trata-se de uma experiência que foi feita por milhões, às vésperas da última rodada de discussões parlamentares sobre a privatização da SABESP, somada à experiência diária com os péssimos serviços prestados nos ramais ferroviários (linhas 8 e 9) privatizados, operados pela Viamobilidade, gerando o apoio popular à paralisação realizada em 3 de outubro, quando trabalhadores do metrô e dos trens cruzaram os braços contra as privatizações.
A luta contra a privatização é essencialmente uma luta contra o neoliberalismo, disputando a consciência de setores de massas a respeito dessas medidas. A história recente passa por rupturas de contratos, incluindo reestatizações em países como França, Chile e Alemanha. Como escreveu um articulista recentemente, por trás da crise da ENEL, está o apagar das luzes do discurso neoliberal.
A resistência contra o leilão da SABESP envolveu uma articulação inédita de sindicatos e movimentos, que resultou em dois importantes eventos: a greve unificada do dia 3 de outubro, entre os metroviários de SP, ferroviários da CPTM e trabalhadores da SABESP; e o plebiscito popular contra as privatizações, dando bases para um bloco social e político disposto a derrotar o governo Tarcísio de Freitas e impedir a venda da SABESP.
E o governo federal?
O enfrentamento ao governo privatista de Tarcísio envolve uma luta contra o projeto da extrema-direita, em suas bases programáticas e eleitorais e sua narrativa. Após a vitória eleitoral contra Bolsonaro, a derrota programática e prática de seu projeto é o passo necessário para reduzir sua influência política. Infelizmente, o governo Lula debilita essa luta, inclusive no terreno do debate sobre as privatizações.
Em consonância com a orientação fiscalista do arcabouço fiscal de Haddad e do plano econômico, o governo aposta numa série de privatizações. Parte delas se articula com o novo PAC, como a cessão de portos e aeroportos e o leilão de rodovias. Ainda mais grave é o plano de privatização dos presídios, apostando na mercantilização do encarceramento em massa como novo leque de negócios. O mandato de Luciana Genro organizou uma audiência para tratar do tema, já que o primeiro presídio indicado para ser vendido localiza-se em Erechim, no Rio Grande do Sul. Ao invés de combater a matriz ultraprivatista do bolsonarismo, o governo incorpora e reforça a agenda de privatizações.
Uma vitória em SP teria impacto nacional
Está marcada para novembro a votação da venda da SABESP na ALESP. Também está marcado um forte calendário de lutas, que passa pelo protesto no dia 16/11 na audiência pública marcada e tem como ponto culminante a nova greve unificada marcada para o dia 28 de novembro. Como já anunciamos, estamos jogados para que essa luta triunfe. O mandato de Mônica Seixas e das Pretas, junto com a bancada do PSOL, está sendo fundamental para obstrução e para combinar a luta parlamentar à luta social. Na Câmara Municipal, Luana Alves representa o PSOL na comissão especial de estudos que se formou sobre o tema, dando visibilidade à pauta e aproveitando a crise entre representantes de diferentes setores políticos que não tem pleno acordo com a entrega da SABESP.
Mesmo um setor bolsonarista colocou-se contra o projeto de Tarcísio, abrindo uma fissura no bloco que sustenta o projeto governista em São Paulo. O governo atua para impor a privatização pela força, reprimindo o movimento, como no caso da absurda demissão de sete metroviários, entre eles importantes e reconhecidas lideranças da categoria. Há um momento ímpar: a crise da ENEL abriu uma discussão geral, em meio à maior onda de calor da história, que pode ser uma brecha para uma discussão mais profunda, que envolva a SABESP, ganhando para a crítica substancial do neoliberalismo uma importante parcela da população. E isso só pode ser feito, ampliando a resistência e impondo uma derrota na votação da ALESP. Vale lembrar que o movimento estudantil paulista acaba de sair de uma vitoriosa greve na USP e na Unicamp.
Uma vitória nesse terreno em São Paulo teria repercussões nacionais, onde a situação é menos dinâmica, ainda que tenhamos atos e processos pontuais, como a luta do funcionalismo público mineiro. A aposta da esquerda socialista deve ser o desenvolvimento da unidade para lutar em São Paulo, barrar a privatização da SABESP e reverter as demissões no metrô.