E esse tal de Jesus?
Uma reflexão sobre a figura de Jesus Cristo às vésperas do Natal
Fazem-se necessárias – neste mês de dezembro – algumas reflexões sobre as tradições cristãs que celebram através do natal o nascimento de Jesus Cristo, que pregam há séculos idealismos deturpados, que são utilizados como ferramentas de dominação da classe trabalhadora.
Para citar alguns poucos exemplos na atualidade, “Em nome de Jesus!”, elegeram-se candidatos de cunho fascista, terreiros de matriz africana foram destruídos, e tanto o racismo quanto a xenofobia e a misoginia estão sendo normalizados por aqueles e aquelas que se dizem seguidores do Messias.
Curiosamente, praticamente todas as passagens bíblicas usadas para justificar as barbaridades supracitadas, não remetem aos textos que narram a vida de Jesus, que são os Evangelhos de Matheus, Marcos, Lucas e João; normalmente utilizam, de forma completamente descontextualizadas e atemporal, o Antigo Testamento ou as Cartas de Paulo, somente fazendo uso da figura de Jesus para justificar a exclusão social, mas sem embasamento algum em suas palavras.
Referente a xenofobia, muitos grupos de extrema-direita, como o bolsonarismo no Brasil, utilizam como pautas para uma supervalorização da nação, mas sem encontrar ecos na biografia de Jesus. Vejamos! Logo nos seus primeiros dias de vida, para escapar de um massacre, José, Maria e Jesus se tornaram refugiados no Egito (Mt 2, 13). Ora, imaginem se ao chegarem ao exílio encontrassem um muro, como o da fronteira entre E.U.A e México, impedindo-os de adentrarem no país? Ou, se talvez, tivessem sido expulsos de volta para suas terras, que se encontrava banhada em sangue por causa dos poderosos sedentos de poder? Nesse sentido, a primeira lição que o nascimento de Jesus ensina é amparar todos refugiados e, portanto, combater (e não apoiar) a xenofobia.
O racismo que considera um povo inferior ao outro é outra balela propagandeada por setores religiosos que se importam apenas com seus interesses vis. Observe-se a relação que o próprio Jesus nutriu com os samaritanos, povo este que historicamente era considerado inimigo dos Judeus. Jesus quando foi questionado acerca de quem poderia ser considerado “como meu próximo” por um legista, responde-o contando a parábola do Bom Samaritano (lembrando que Ele não aceitou o título de bom) (Mc 10,18) em que demonstra que o próximo são todas/os aqueles que servem de misericórdia com qualquer necessitado (Lc 10, 29-36). Assim sendo, Jesus rompe com a ideia racista de que alguém, pelo simples fato de ter nascido com determinado fenótipo ou em determinada região, possa ser considerado superior ou inferior.
Sem dúvida alguma, as mulheres ocuparam papel central na trajetória terrena de Jesus, em que o simples falto de manter uma conversa com elas era considerado pela cultura hegemônica de sua época como imoral. Jesus, esse “imoral”, dialogava abertamente com as mulheres. Um caso interessante a ser analisado é o Seu diálogo com a mulher samaritana (Jo 4, 1-25), que talvez traga os elementos mais chocantes culturalmente observado: 1°) Era uma mulher, isso por si só era um absurdo; 2°) além de mulher, era samaritana; 3°) Jesus conversou com ela sozinho, longe de seus discípulos; 4°) Era divorciada e vivia, como dizemos nos dias de hoje, “juntada” com um homem que não era seu marido.
Muitos outros exemplos poderiam ser mencionados referentes a relação que Jesus mantinha com as mulheres, sendo importante ainda mencionar o que é considerado para várias vertentes cristãs como a própria base do cristianismo, a Ressurreição. Quando esse fenômeno ocorreu, Jesus não apareceu num primeiro momento para nenhum de seus apóstolos, mas para uma mulher – Maria Madalena (Jo 20, 11-18). Assim, vendo a relevância das mulheres para Jesus, é impossível teoricamente qualquer cristão o utilizar como ferramenta para impor a submissão feminina e a defesa do patriarcado.
Assim, devemos rememorar que o próprio Cristo, o Verbo que se Fez Carne (Jo 1), fora um preso político! Ele não foi encarcerado aleatoriamente, Jesus apresentou uma ameaça concreta às elites de seu tempo, por isso que recebeu o mandado de prisão, por isso que foi julgado, torturado e executado. Expressando de outra forma, Jesus Cristo era um subversivo ao poder hegemônico de sua época, pois não se omitia diante das opressões desferidas contra todas e todos oprimidos. Em seu último suspiro, na hora de seu assassinato, ali permaneceram firmes ao seu lado a força feminina e da juventude, este representado na figura do apóstolo mais novo – João Evangelista (Jo 19, 25-27).
Portanto, a luta diária em defesa das maiorias menorizadas historicamente – a luta contra os fascistas que desejam implementar um regime ditatorial, ora por golpe, ora por via eleitoral – se constitua enquanto ético dever daqueles que se reivindicam seguidores e seguidoras de Jesus Cristo.
Para encerrar esta reflexão, nada melhor que transcrevermos a música “Pai Nosso dos Mártires”, que fora escrita pelo padre Cireneu Kuhn logo após a execução do padre Ezequiel Ramin, em que inúmeras vezes foi ecoada pela Pastoral da Juventude da Igreja Católica e por tantos outros seguimentos cristãos, como os Espíritas Progressistas:
Pai nosso, dos pobres marginalizados
Pai nosso, dos mártires, dos torturados
Teu nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida
Teu nome é glorificado, quando a justiça é nossa medida
Teu reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão
Maldita toda a violência que devora a vida pela repressão
O, o, o, o, o, o, o, o
Queremos fazer tua vontade, és o verdadeiro Deus libertador
Não vamos seguir as doutrinas corrompidas pelo poder opressor
Pedimos-te o pão da vida, o pão da segurança, o pão das multidões
O pão que traz humanidade, que constrói o homem em vez de canhões
O, o, o, o, o, o, o, o
Perdoa-nos quando por medo ficamos calados diante da morte
Perdoa e destrói os reinos em que a corrupção é a lei mais forte
Protege-nos da crueldade, do esquadrão da morte, dos prevalecidos
Pai nosso revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos
Pai nosso, revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos
O, o, o, o, o, o, o, o
Pai nosso, dos pobres marginalizados
Pai nosso, dos mártires, dos torturados
1 Pedagogo, estudante de Ciências Sociais, palestrante espírita e dirigente estadual do MES-MG.