De novo, a culpa é da chuva?
Governador do Rio de Janeiro atribui inundações que mataram 12 pessoas ao clima e não à falta de dragagens e a ineficiência da Cedae privatizada
Foto: Prefeitura do Rio de Janeiro/Instagram
Reportagem do portal G1 informa que em 1575, menos de oito décadas após o descobrimento e apenas “10 anos depois da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o padre José de Anchieta escreveu uma carta para outro jesuíta contando sobre a força das chuvas em terras cariocas: ‘[…] choveu tanto que se encheu e rebentaram as fontes […]’”.
O testemunho faz parte de um compilado levantado pela historiadora Andréa Casa Nova Maia, em um artigo divulgado na Revista da Fundação Casa de Rui Barbosa. Esses relatos evidenciam que as inundações e as adversidades por elas ocasionadas têm uma presença praticamente tão antiga quanto a própria cidade do Rio. E nem seria necessário ir tão longe para saber que as chuvas – e os danos, transtornos e mortes – são um aspecto climático característico do verão fluminense.
O que não se pode tolerar, porém, é que de posse dessas informações o poder público, ano a ano, atribua as tragédias ao clima e não a sua própria ineficiência em criar políticas de prevenção e mitigação. À CNN, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), teve a desfaçatez de dizer que a “a crise é da chuva e não política”, ao ser perguntado sobre os temporais que castigam o Estado desde sábado e mataram pelo menos 12 pessoas.
“Como um governante pode vir a público, com milhares de pessoas castigadas pela chuva, passar a mensagem de que quando chove 300mm, infelizmente não há nada a ser feito e o alagamento é inevitável. Inevitável é a sua incompetência!”, critica o deputado federal Prof. Josemar Carvalho (PSOL-RJ).
Racismo ambiental
O parlamentar qualifica como “irresponsabilidade” do gestor culpar o volume de chuva pelos alagamentos que aconteceram nos últimos dias. Isso porque avaliações preliminares indicam que as inundações em municípios da Baixada Fluminense e da Zona Norte do Rio foram causadas pela falta de dragagem dos rios Acari, Pavuna e Meriti pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Os rios Iguaçu e Sarapuí, que absorvem as águas de mais de duas dezenas de riachos da Baixada e deságuam na Baía da Guanabara, também ficaram sem o serviço.
Além disso, a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae), privatizada em 2021, falhou na manutenção de galerias de águas pluviais entupidas. A água, sem ter onde escoar, sobe. A culpa não é da chuva, mas da falta de infraestrutura. Quem sofre é o cidadão – especialmente os trabalhadores mais pobres, que habitam as regiões mais carentes de investimentos do poder público, num caso clássico de racismo ambiental.
“O racismo ambiental é produto de uma intenção efetiva de não produção de políticas para essas populações, de não participação dessas populações nas decisões que são tratadas, de políticas que efetivamente são feitas ou não são feitas, que essa também é uma forma de fazer política. A omissão é uma forma também de fazer política”, disse o codiretor-executivo do Observatório da Branquitude, Thales Vieira, à Agência Brasil.
Vieira acrescenta que, com o histórico de chuvas fortes nesse período do ano e a inação do poder público em ações preventivas, pode se dizer que, “na prática, essa população é deixada para morrer”. Por tudo isso, Josemar se indignou com o primeiro pronunciamento de Castro, “diretamente da Disney”, onde passava férias com a família, pedindo resiliência à população.
“Isso é uma piada de muito mal gosto. As pessoas perderam tudo nas enchentes, o estado não vai amparar ninguém e você pede resiliência?”, questionou o deputado.
Ajuda federal
O governo federal reconheceu nesta segunda-feira (15) situação de emergência na cidade do Rio de Janeiro e em mais três municípios fluminenses – Belford Roxo, Nova Iguaçu e São João do Meriti. Com isso, os municípios podem solicitar recursos federais para ações de apoio à população, como reconstrução de ruas, vias e casas destruídas pelos temporais.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) vai unificar o pagamento do Bolsa Família para todos os beneficiários desses municípios. dessa forma, os beneficiários da capital fluminense podem sacar a parcela de janeiro no primeiro dia de transferências, sem a necessidade de seguir o calendário escalonado conforme o Número de Identificação Social (NIS). Os pagamentos ocorrerão nesta quinta-feira (18).