Equador à beira do abismo

Equador à beira do abismo

Documento do MRT Equador diante da onda de violência aberta no país

Uma imensa onda de violência eclodiu em todo o país: mais de dez mortos até o momento, policiais sequestrados, 329 presos, carros incendiados, tiroteios em shopping centers, bombas em diferentes cidades, apreensão do Canal 10 de TV, assaltos em rodovias. As principais prisões do país ainda continuam sob controle dos criminosos que mantêm reféns 142 agentes penitenciários, funcionários e autoridades. Dois dos principais líderes dos grupos mafiosos escaparam da prisão. Em todo o sistema educacional, as aulas foram suspensas. Quase todos os estabelecimentos comerciais fecharam suas portas. O trânsito nas cidades ficou caótico, as pessoas deixaram seus empregos e correram para se refugiar em suas casas. Notícias falsas proliferaram nas redes sociais sem que a mídia, pública ou privada, apontasse claramente o que havia acontecido. O Equador está passando por um momento de crise muito profunda, talvez uma das mais graves de sua história.

Os antecedentes imediatos dessa situação são:

1. A descoberta da penetração do narcotráfico e do crime organizado nos órgãos estatais: a administração da justiça, a polícia, as forças armadas e os partidos políticos. As investigações trouxeram à tona áudios e documentos que revelam claramente a maneira como as máfias organizadas operam e a forma como corrompem funcionários públicos e políticos para colocá-los a serviço do tráfico de drogas.

2. As mudanças na liderança da Polícia e das Forças Armadas e a decisão de transferir os chefes da máfia de prisões onde eles têm controle total para outras onde não teriam o mesmo poder de operar e enfrentar outros grupos criminosos. Junto com isso, o anúncio de extradição, a construção de prisões de segurança máxima e a decisão do governo de retomar o controle das prisões.

3. O anúncio do governo declarando guerra contra as máfias significa que o exército está entrando na batalha. De fato, o eixo central das possíveis perguntas para a Consulta Popular é a participação do exército na luta contra o crime organizado.

A primeira reação do governo foi decretar estado de emergência, o que implica toque de recolher e mobilização da polícia e das forças armadas, e, em seguida, estado de guerra interna contra 22 grupos do crime organizado, que foram descritos como terroristas. Dessa forma, ele está tentando recuperar o controle. Mas não é possível saber que rumo esse confronto tomará. As prisões permanecem nas mãos do crime organizado, o país ainda não conseguiu voltar a trabalhar, o comércio foi parcialmente aberto em várias cidades e as aulas ainda estão em modo virtual. Desde o início, o governo Noboa adotou o discurso, não apenas do conflito interno contra as organizações criminosas que quebraram o monopólio da força do Estado, mas elevou o tom, declarando que estamos em um estado de guerra interna, poderíamos dizer guerra civil, e fala que seu objetivo é a extinção desses 22 grupos criminosos. No entanto, esses grupos têm dezenas de milhares de combatentes, estão fortemente armados, controlam prisões e bairros nas principais cidades do país e construíram, à força e com dinheiro, bases de apoio social e mantêm reféns setores importantes da população, sujeitos ao terror e à extorsão.

Pode-se dizer que as máfias alcançaram o resultado que esperavam e colocaram o Estado e a população na corda bamba, mesmo além da magnitude real dos ataques e das ações criminosas. É claro que estamos lidando com uma população sem experiência nesse tipo de agressão violenta. Ninguém sabe o que fazer, ninguém sabe como reagir, ninguém sabe o que propor.

Os primeiros efeitos da situação são negativos para o povo equatoriano: uma onda de medo varre o país, lojas fecham, o transporte é paralisado, o prejuízo econômico é enorme, o desespero aumenta, as pessoas se voltam, mais uma vez, para a migração, todos querem fugir. A extrema direita tenta tirar proveito do caos, enquanto as organizações sociais são encurraladas e impedidas de agir e se manifestar contra as políticas neoliberais.

Agora, a questão fundamental é o que propor e como agir por parte do campo popular e das organizações sociais. Esses são os momentos mais perigosos; um discurso de ultradireita no estilo Bukele está sendo fortalecido, porque a consciência da população pode ser facilmente manipulada em um momento de tanta ansiedade e medo, quando não há um futuro viável e o pessimismo é abundante. É também uma oportunidade para a direita aprovar suas leis mais repressivas e implementar seu projeto neoliberal contra os trabalhadores. A derrota do campo popular pode ser profunda.

Diante disso, é essencial que as organizações sociais, especialmente a FUT e a CONAIE, juntamente com as organizações feministas, ambientais e dos bairros, se levantem e proponham soluções populares para a crise. Aqui estão alguns elementos que propomos:

Assim que o estado de emergência terminar, convocar uma grande manifestação pela paz e contra a violência do crime organizado, para mostrar que o povo equatoriano resistirá ao ataque do crime e que as cidades, as ruas e as estradas pertencem ao povo e não ao crime.

Essa mobilização também exigirá que o governo tome medidas, não só imediatas, mas de fundo, para atacar as causas estruturais do problema que estamos vivendo, porque a intervenção militar nunca será suficiente; e que não será permitido aproveitar esses eventos trágicos para lançar medidas contra os pobres, que são os que pagam as consequências da crise econômica e da insegurança.

Exigir a revogação imediata dos decretos que perdoaram as dívidas dos empresários, forçá-los a pagar e apontar claramente que isso também é uma forma de corrupção, neste caso do setor privado. Esse dinheiro proveniente de impostos não pagos deve ser imediatamente alocado em programas sociais, especialmente para os jovens dos setores mais pobres da população.

Suspender imediatamente o pagamento da dívida externa, a fim de interromper a crise econômica e ter recursos para enfrentar o crime organizado e atender às necessidades urgentes da população, pagar a dívida do Estado com o IESS, resolver a crise energética, pagar as dívidas com os municípios e governos provinciais e melhorar a qualidade do atendimento à saúde.

No campo popular, é indispensável fortalecer as organizações comunitárias, camponesas, de bairros, de pequenos produtores, feministas, ambientalistas, de trabalhadores rurais e urbanos, como a melhor maneira de resistir à penetração das máfias criminosas e do narcotráfico. É urgente a elaboração de um plano nacional para que essas organizações participem plenamente da resistência auto-organizada contra o crime. Sem a participação ativa da população, nada será resolvido, e é por isso que temos que elaborar estratégias a partir de baixo. Somente dessa forma poderemos recuperar nossos jovens do crime organizado.

Lançar uma campanha contra todas as formas de violência que, em última análise, alimentam a macroviolência do crime organizado. Ou seja, combater a violência de gênero, a violência gerada nas redes, onde o ódio e as notícias falsas são incubados, e rejeitar a violência simbólica que está presente em todas as etapas das lutas políticas. Na medida em que as causas da insegurança não são apenas nacionais, mas internacionais, o governo deve solicitar a formação de uma comissão das Nações Unidas para solidariedade e apoio ao nosso país. Da mesma forma, uma comissão latino-americana deve ser criada com o mesmo objetivo.

UMA RESPOSTA POPULAR À CRISE E À VIOLÊNCIA DO CRIME ORGANIZADO É URGENTEMENTE NECESSÁRIA.

Quito, 11 de janeiro de 2024


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Pedro Micussi