Um ano depois, tarefas inconclusas, respostas insuficientes
Há um ano cerca de três mil bolsonaristas organizaram uma ação golpista inédita e sem precedentes
Há um ano, cerca de três mil bolsonaristas, culminando um processo de questionamento às eleições, ingressavam nas sedes dos Três Poderes em Brasília. Foi uma ação inédita e sem precedentes. Sua inspiração explícita foi a ação da direita trumpista, dois anos antes, em 6 de janeiro, no Capitólio, em Washington, DC.
Foi um marco na atividade dos golpistas, dias após a posse de Lula, que encerrou o triste capítulo do genocida à frente da presidência da República. A subida na rampa, empossando Lula como novo presidente, significou o fim de uma página dolorida na história do país, o governo de Jair Bolsonaro, derrotado após uma polarizada e apertada disputa eleitoral, em outubro de 2022.
Foram meses de preparação, combinando a caravana para Brasília com acampamentos em frente aos quartéis militares de todo país, durante os meses de novembro e dezembro. O fim manifesto era criar um ambiente de tensão e caos, que justificasse a “intervenção militar” tão visível nas palavras de ordem dos golpistas celerados nas suas manifestações.
O 8 de janeiro, batizado “Capitólio à Brasileira”, foi um capítulo dramático da história do país que viu seus protagonistas derrotados e desmoralizados, a partir dos acontecimentos posteriores.
Apesar de demora de Dino, podemos avaliar que Lula e Moraes responderam de forma correta, com a entrevista de Lula ainda em Araraquara apontando responsabilidades para o bolsonarismo e suas bases principais, chamando de fascistas e identificando os setores do agrobolsonarismo – como grileiros, madeireiros e latifundiários como agentes centrais da ação golpista -, além da colaboração óbvia de dirigentes políticos e militares. Moraes atuou corretamente ao afastar Torres e Ibaneis de imediato e solicitar a prisão e desmonte dos acampamentos, além de nomear um interventor para o Distrito Federal. Trezentos golpistas foram presos. Também vale registar que foi correto não acionar a GLO, uma das provocações esperadas pelos golpistas para seguir seu roteiro. A ação feita semanas depois para desalojar milhares de garimpeiros nas terras Yanomami também seguiu essa linha correta.
São dois elementos centrais que ficam do “Capitólio à Brasileira”, que os golpistas atuaram. Primeiro: existe um setor (nada desprezível) que está disposto a dar um golpe, e essa é a estratégia do Bolsonarismo, explícita e anunciada. Esse setor atua em diversas esferas, dentro das Forças Armadas, das Polícias Militares, deputados, empresários, latifundiários, etc. Segundo: a derrota da ação do 8 de janeiro foi flagrante, abrindo espaço para uma ofensiva consciente e massiva contra os golpistas, seus financiadores e lideranças. A começar pelo seu principal chefe, Bolsonaro e seu clã.
Aí reside a principal contradição do “pós-8” e do necessário enfrentamento à extrema direita. As respostas oficiais do governo e das instituições ficaram e estão aquém das necessidades da sociedade.
A derrota do 8 de janeiro abriu o caminho para um maior enfrentamento, na esteira do slogan cantado por centenas de milhares nos últimos anos, após a derrota eleitoral de Bolsonaro: “Sem anisitia”. Uma pesquisa da Genial/Quaest mostra que 89% dos entrevistados desaprovam a ação dos invasores, um ano após o ocorrido.
Bolsonaro segue livre e fazendo política. Esteve com o embaixador de Israel num ato na Câmara dos Deputados para celebrar o genocídio em Gaza.
Múcio não só não foi demitido, como ganhou peso como interlocutor dentro do governo. As Forças Armadas receberam R$ 59,2 bilhões no novo PAC, valor superior às cifras destinadas para a maioria das áreas estratégicas para a sociedade. A tentativa de mudança do artigo 142 – que delimitava e restringia o papel político dos militares – não foi em frente, apesar do esforço de alguns parlamentares. Até hoje, diversos generais que tiveram papel ativo na conspiração sequer foram indiciados, quem dirá punidos.
Por outro lado, tivemos iniciativas interessantes que pautaram o combate à extrema direita, como o tribunal popular impulsionado em São Paulo por intelectuais como Safatle e o movimento das mães de maio; a derrota que Sales, a direita e o latifúndio sofreram na CPI do MST, onde Sâmia Bomfim se destacou como linha de frente; e a atuação combativa do deputado Fábio Felix na CPI dos Atos Antidemocráticos, no Distrito Federal. Isso é só uma pequena amostra de que é possível derrotar o bolsonarismo e o golpismo contando com uma estratégia altiva e de aposta na mobilização.
A medida mais importante passa por Bolsonaro ser preso, sua quadrilha (não apenas Mauro Cid, mas também Pazuello) e seu clã serem proscritos e julgados pelos seus crimes. Crimes que tocam o golpismo, mas também devem ser responsabilizados pela corrupção e enriquecimento ilícito e pela morte de centenas de milhares de inocentes na pandemia.
É urgente a demissão de Múcio e o fim dos privilégios aos militares, além da necessária limpa nos aparelhos de inteligência e segurança. Ibaneis Rocha não pode seguir como governador do DF, colaboracionista direto dos chefes de 8 de janeiro, como Anderson Torres. É preciso identificar e asfixiar o financiamento dos golpistas, parte deles feita por latifundiários criminosos, verdadeiros milicianos rurais.
Enfrentamento à linha repressiva nas PM e sua letalidade – como no caso de Tarcísio em SP, onde enfrentamos à polêmica das câmeras, com a direita reforçando a ação violenta. Desmontar o entulho das milícias e do crime organizado, que é uma das fortalezas do bolsonarismo, por exemplo, no Rio de Janeiro.
A linha de conciliação, majoritária no governo e nas entidades do movimento social dirigidas e influenciadas pelo campo lulista, é insuficiente. E organiza derrotas futuras, dando fôlego para as expressões políticas e sociais da extrema direita, apostando na linha de “esfriar os ânimos” para seguir o calendário eleitoral, fazendo concessões ao centrão, aos militares e aos liberais.
Em 2024, coordenar a luta contra a extrema direita, inclusive no âmbito internacional, passa por organizar campanhas para ganhar maioria social e esmagar a extrema direita, no âmbito das ruas, da maioria do povo e mesmo no terreno eleitoral, parlamentar e institucional. Disputar as bases das forças armadas, das polícias; atuar para colocar o agrobolsonarismo na defensiva, defendendo os lutadores do campo, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e camponeses.
Participaremos dos atos do dia 8, embora bastante institucionais e diluídos na chamada genérica de defesa da democracia, levando a bandeira da prisão imediata de Bolsonaro e a necessidade de ampliar a mobilização para tanto. Não se pode ter liberdade para os inimigos da liberdade.