Notas sobre Netanyahu e o neofascismo
A maior expressão de resiliência dos setores neofascistas é a ofensiva da ultra direita sionista contra Gaza e a Palestina
I
Estamos diante de uma tarefa central para todo um período: enfrentar e vencer à extrema-direita. Essa tarefa, junto com a luta contra o colapso ambiental e suas consequências, que ordena a agenda política.
Depois das primeiras experiências com Trump, Bolsonaro, Orbán e outros, assistimos a uma resiliência dos setores neofascistas. A maior expressão é a ofensiva da ultra direita sionista contra Gaza e Palestina.
II
Trump pode voltar à presidência. Milei assumiu e fez um discurso global no Fórum de Davos. Partidos como Alternativa na Alemanha, Rassemblement National na França, Chega em Portugal e Vox na Espanha estão pautando a política nos seus países, de tal modo que a próxima eleição europeia deve conhecer uma votação inédita para a bancada da extrema-direita. Contudo, é no caso do atual genocídio encabeçado por Netanyahu onde a experiência da extrema-direita é mais completa.
III
Netanyahu é a ponta de lança, o maior expoente, a mais nítida expressão da ultradireita mundial, para o qual corretamente uma grande parte de marxistas atribuiu a definição de neofascismo. Há uma particularidade: Israel é um país colonialista e racista que vive numa agressão armada permanente para a apropriação de todo o território do povo palestino até terminar com seu desterro.
IV
O objetivo do setor dominante do governo de Israel é uma nova Nakba, incluindo também os assentamentos na Cisjordânia. Netanyahu discursou publicamente, antes dos eventos de 7 de outubro, com uma mapa onde se poderia ver o novo estado desejado: “Grande Israel”. Figuras de seu governo como o ministro Ben Gvir defende abertamente uma “solução final”, uma Gaza sem palestinos, chegando a especular uma solução nuclear.
V
A corrente que anima a coalizão de Netanyahu é uma expressão dos setores que sempre atuaram para minar qualquer linha de conciliação com a comunidade árabe-palestina. São os mesmos que estiveram implicados no assassinato de Yitzhak Rabin, ligados a ala direita das forças militares e de segurança. São herdeiros radicalizados do legado de Ariel Sharon.
VI
O fascismo é mais que um regime político, é uma forma de estado. Assim foi o poder de Mussolini, por exemplo, nos anos 30. E Israel?
Temos que definir o estado sionista em sua totalidade. Assim como seu interior tem certa liberdade para os judeus, ao contrário dos árabes, seu caráter fascista faz mais do que seu governo ou regime. Na medida em que pratica um genocídio, cujo objetivo é o deslocamento total dos palestinos para dominação de todo o seu território, por meio de uma limpeza étnica, o estado como tal tem um caráter neofascista, apoiando-se em seu principal instrumento que são as FDI(Forças de Defesa de Israel). Podemos definir que temos um regime neofascista, assentado no apartheid e na reforma judicial bonapartista, transitando para um Estado desse tipo. A base seria a apropriação violenta dos territórios palestinos, com base no genocidio, na limpeza étnica.
VII
Esses são os reais “riscos” de um tipo de fascismo para o século XXI. Para além da retórica em muitos países, no oriente médio está agora o epicentro da situação internacional, opondo a contradição central entre a extrema-direita em armas e a luta popular anticolonial do povo palestino.
VIII
O Estado de Israel utiliza os polos mais avançados da tecnologia militar, com técnicas inovadoras, com um centro de desenvolvimento de ponta no âmbito da inteligência, dos combates cybermilitares, em profunda colaboração com os Estados Unidos. O Imperialismo dos EEUU é o sustentáculo militar e econômico do Estado de Israel.
IX
O apoio incondicional que o imperialismo norte-americano vem dando à ofensiva israelense é chave para o fortalecimento dessa ofensiva. Em que pese Biden e Netanyahu tenham divisões a respeito do rumo da ofensiva, especialmente na Cisjordânia, foram os EEUU, o pentágono e mesmo a OTAN que legitimaram sua ação. Os governos do Reino Unido e da Austrália também são vanguarda na defesa da linha genocida sobre Gaza.
X
A base material e ideológica da extrema-direita israelense é profunda. No mundo afora, a combinação de uma visão fundamentalista e agressiva do ponto de vista militar é disputada pelos seguidores de Netanyahu. A posição contra os palestinos, feita por parte dos setores mais radicalizados do sionismo, implica na defesa de uma supremacia racial.
XI
É uma batalha global, política e cultural, que tem sido palco de importantes embates em todos países. O mais importante foi a perseguição contra a reitora de uma das mais importantes universidades do mundo, a saber, Harvard. Considerada uma reitora de trajetória de excelência, Claudine Gay foi derrubada por uma campanha dos republicanos, encabeçada pelo bilionário sionista Bill Ackman. A ação da direita republicana foi uma resposta ao ascenso de lutas da juventude universitária estadunidense em apoio à palestina e aos judeus antissionistas que se destacam nos Estados Unidos. A face brasileira é a perseguição à Altman, Genoíno e antes mesmo à Luciana quando de suas primeiras declarações.
XII
Ao mesmo tempo é importante destacar que a uma maioria da opinião pública mundial está a favor do cessar-fogo, de uma trégua ou da paz em geral. Essa radicalização atinge também aos judeus de esquerda que tem se somado aos protestos. Na medida que a guerra é prolongada, cresce o mal estar interno do povo judeu e dos setores mais empobrecidos. Ao passo que sofre com a degradação de sua economia e as incertezas políticas. Não esqueçamos que Israel vinha de grandes mobilizações contra as medidas de supressão dos direitos da Corte Suprema.
XIII
Nesse marco, para além de todos os esforços de solidariedade à causa Palestina no mundo, devemos discutir como combinar uma saída imediata para parar o genocídio, à definição do risco real do neofascimo e uma saída mais global. A política dos setores liberais do imperialismo, de coexistência pacífica entre dois estados é irrealizável, uma espécie de utopia reacionária. (Seria como se na África do Sul se pudesse ter tido outro estado de convivência com o os africaners brancos; havía que terminar com o estado do apartheid). É impossível conviver com um estado que faz uma agressão permanente. A tarefa que está colocada é destruir esse estado, o que não significa destruir o país nem o povo que o habita. Essa é a área estratégica que está ligada ao crescimento da mobilização mundial contra o fascismo no mundo e, em particular, às rebeliões que virão a ocorrer no mundo árabe e islâmico. Tarefa que tem que contar com o apoio da esquerda em Israel e a mobilização nesse país
XIV
A política de guerra genocida israelense para exterminar o Hamas e destruir o povo de Gaza leva mais de 120 dias sem que possa cumprir essa tarefa. A resistência armada de Hamas, a Yihad Islâmica, e a FPLP continuam a expressar-se ao mesmo tempo que aproximadamente cem reféns continuam sob seu poder. Netanyahu reconhece que está diante de uma guerra longa para cumprir seu objetivo.
XV
Netanyahu está muito fragilizado diante do povo judeu , seja pela indeterminação do ataque destruidor que atingiu, seja pelo prolongamento da guerra e a não libertação dos reféns. Ao mesmo tempo, pela primeira vez neste histórico e longo conflito, a opinião pública mundial mudou a partir do massacre genocida que está fazendo o estado israelense. Isso em parte se expressa na resolução do Tribunal de Haia por abrir a condenação por genocídio. Esta resolução é contraditória: por um lado, não se pronunciou por parte do pedido de cessar-fogo que reclamou a África do Sul, (o que logicamente caiu muito mal na população de Gaza e Cisjordânia e é condenável, não podemos deixar de sinalizar), por outro lado, ao reconhecer o genocídio (que foi saudado pelo Hamas e a FPLP como positiva) abre as portas para que siga a mobilização, pois, se há genocídio, porque se permite que siga.
XVI
O desenvolvimento do conflito é imprevisível. Até onde vai estender o conflito? Vai escalar no Irã?
Podemos assinalar alguns fatores serão decisivos para os próximos dias
- a capacidade de escalar o conflito no Mar Vermelho, onde os houtis seguem com sua artilharia, interferindo diretamente nas principais rotas comerciais marítimas; de outra parte, como Irã e Hezbolah vão responder às hostilidades mútuas na região, inclusive envolvendo Síria, Jordânia e Iraque
- A mobilização internacional que segue forte em vários polos, como nos EEUU, onde todo ativismo e a esquerda social tem questionado a política de Biden, países europeos e o mundo árabe,. A sentença de Haia, com todos seus poréns, ajudou a isolar ainda mais a linha sionista de direita.
- o tempo de Bibi Netanyahu dentro de Israel está se esgotando, com os protestos sobre os reféns chegando ao limite, ameaçando até a estabilidade de seu governo
- a resistência heróica segue combatendo
XVII
A resistência palestina está dando alguns passos de unidade. A aproximação entre FPLP, setores marxistas a direção da Resistência em Gaza(Hamas, Jihad) é uma notícia importante. A liderança de Barghouti, principal preso político, (considerado o Mandela da Palestina), que goza de grande popularidade por ter encabeçado intifadas e recusado o acordo de Oslo não é contestada por nenhum, ao mesmo tempo que o desprestigio da Autoridade Palestina de Abbas se aprofunda. Cresce a ideia de retomar uma frente como a OLP histórica como organização de luta de todo povo palestino.
XVIII
Temos que coordenar as ações internacionais, a partir dessa agenda, para edificar uma esquerda antifascista de fato, intensificando a solidariedade ao povo palestino e seus defensores no mundo.
Ir além do cessar-fogo, alcançando o eixo na libertação dos prisioneiros políticos e as questões humanitárias. São as tarefas de unidade de ação. Ao mesmo tempo que colocamos de pé, na propaganda, o programa histórico de defesa de um estado democrático e laico Palestino, com direito ao retorno, hoje expresso na palavra de ordem “Palestina Livre do Rio ao Mar.”
XIX
A IV Internacional está tentando responder ao fenômeno da direita no mundo. A conferência antifascista, cuja primeira etapa acontece em Porto Alegre, encabeçada pelo MES, é um esforço no agrupamento de setores da esquerda mundial nesta tarefa. Nos coincidimos na necessidade de sermos a vanguarda na luta contra a extrema direita, a qual exige uma unidade de ação e frente única com setores da esquerda reformista e setores democráticos. A unidade de ação ou a frente única não significa nossa diluição nesses processos. Mantemos nossa independência para poder falar nossa política global. Não podemos deixar de dizer que esse crescimento é também consequência da política social liberal de governar para os grandes capitalistas sem tocar seus interesses que seguem estes governos.
1 de fevereiro de 2024.