Sobre a morte de Alexei Navalny
Alexei Navalny, principal opositor de Putin, foi encontrado morto na cela da prisão siberiana IK-3
O principal opositor do regime russo, Alexei Navalny, foi encontrado morto, na sexta-feira, 16 de fevereiro. Seu corpo foi encontrado na cela da prisão siberiana IK-3, conhecida como “Lobo polar”, por conta das péssimas condições carcerárias. Destinada para criminosos de alta periculosidade, a prisão fica nos limites do Ártico, remota e inacessível, com uma temperatura que chega aos -30 graus, a quase dois mil quilômetros de Moscou.
Oficialmente a causa da morte é desconhecida. Contudo, porta-vozes e advogados próximos a Navalny já acusam Putin e o governo, por suposto envenenamento. Não seria a primeira vez: Navalny sofreu, durante um voo, tentativa de assassinato por esse método, tendo que ir a Alemanha para fazer tratamento médico.
Conhecido blogueiro e ativista contra a corrupção, Navalni cumpria pena de 30 anos de prisão, por diversas condenações, como incitação ao extremismo, recrutamento político de menores de idade e gestão de uma ONG ilegal. Foi preso diversas vezes, a mais recente em 2021, fato que chegou a desatar protestos nas principais cidades da Rússia.
Sua trajetória é marcada pelo enfrentamento à figura de Vladimir Putin, à corrupção da elite mafiosa russa e em defesa das liberdades democráticas e civis. Ganhou destaque em 2012 denunciado as fraudes nas eleições parlamentares. Em 2013, chegou perto de 30% nas eleições para a prefeitura de Moscou, numa eleição vencida por aliado de Putin. Há um excelente documentário que foi exibido pela Netflix que conta sua história. Carismático, conseguiu agregar diferentes setores sob a bandeira do combate aos oligarcas corruptos e ao autoritarismo de Putin. Não se pode esquecer, contudo, suas controvérsias, como flertes na juventude com posições de direita e nacionalistas. Foi impedido de concorrer à presidência em 2018, por motivos “técnicos”.
O fato é que ele era a cara pública de uma oposição democrática e heterogênea contra Putin.
Um dia antes de sua morte, Alexei Navalny participou de audiência por vídeo, em que chegou a fazer uma piada com o juíz, demonstrando bom estado de saúde. Biden e alguns líderes ocidentais já foram à imprensa acusar Putin de responsável pelo assassinato.
Ainda que tenhamos pontos cegos sobre a morte de Navalny é evidente que existem motivações políticas e que o regime utiliza dos métodos de assassinatos de opositores para calar os dissidentes.
A morte de Navalny ocorre num momento complexo, no giro autoritário do imperialismo russo, que buscou cessar os descontentamento em duas frentes: a guerra de rapina sobre a Ucrânia e uma brutal repressão aos opositores internos.
Estão programadas eleições presidenciais para 17 de março, sendo Putin amplíssimo favorito. Dos 33 candidatos inscritos, foram aceitos apenas três concorrentes contra o atual mandatário russo. O regime controla as eleições, isso é um fato.
Podemos nos apoiar na definição do dirigente socialista Ilya Budriakis, que esteve recentemente no Brasil, para melhor caracterizar o regime de Putin:
Sim, eu diria que este regime existe há mais de 20 anos e, durante todo este período, passou por uma séria transformação. Começou como um regime bonapartista neoliberal e transformou-se num tipo de ditadura aberta fascista. E eu acredito que esta transformação num regime fascista começou depois do início da invasão da Ucrânia. Posso apresentar uma análise mais extensa sobre como essa transformação aconteceu ao longo destes anos
Radar Internacional entrevista Ilya Budraitskis, reproduzido por Esquerda.Net
Tal condição é indissociável da invasão à Ucrânia e o atual estado da guerra.
A invasão russa passou por um período de instabilidade , onde se combinou a defesa de posições por parte da resistência ucraniana com a rebelião do grupo mercenário Wagner, em junho de 2023. Contida a rebelião dos mercenários, que chegaram a marchar até Moscou, Putin avançou na linha repressiva. O chefe público de Wagner, Yevgeny Prigozhin, morreu, em “circunstâncias misteriosas”, meses após o fim da rebelião, num acidente aéreo que sequer foi investigado.
Nas vésperas de cumprir-se dois anos do começo da guerra de ocupação, a situação ucraniana é considerada débil. Se somam fatores adversos: o esgotamento das condições materiais da resistência; o cansaço da opinião pública europeia; o deslocamento do centro das atenções para a agressão à Gaza e a tensão sobre o Oriente Médio; a contestação da gestão de Zelesnki por parte de setores da sociedade ucraniana, com a demissão do chefe das forças armadas nas últimas semanas.
Putin joga para consolidar esse cenário, flertando com o principal líder da extrema-direita mundial, Donald Trump, que disputa em condições renhidas a eleição para presidência dos Estados Unidos. Trump chegou a defender que Putin tinha o direito de reagir e se armar.
Os acontecimentos da semana indicam essa tendência: o bloqueio parlamentar, até agora, por parte dos Republicanos à novas ajudas militares à Ucrânia.
A entrevista de Putin para o Republicano e estrela da Fox, Tucker Carlson, na qual repetiu sua prédica contra os ucranianos, com pérolas conhecidas como a de que a “Ucrânia é uma invenção dos bolcheviques”, entre outros elementos discursivos utilizados para se aproximar de Trump.
O caso do líder socialista Boris Kagarlintsky, condenado a 5 anos de prisão por suas posições antiguerra, também ilustra a implacável perseguição do regime autoritário russo. O Movimento Socialista Russo (RSD) tem denunciado a repressão estatal aos dissidentes de esquerda com posições antiguerra.
Podemos definir a morte de Navalny como uma tragédia e um revés para a oposição democrática à autocracia de Putin. Num cenário de aprofundamento das contradições geopolíticas e de luta contra a extrema-direita, certamente é uma peça que move outras.
Putin é um dínamo na militarização e escalada crescente dos conflitos bélicos do planeta. Devemos rechaçar a visão ignorante que um setor campista tenta produzir: a de que Putin seria progressivo por ser supostamente “antiimperialista”.
Navalnvy foi mais uma vítima do regime autoritário russo.