A esquerda precisa rememorar os 60 anos do Golpe Militar
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A esquerda precisa rememorar os 60 anos do Golpe Militar

O cancelamento das solenidades sobre a memória do golpe militar de 1964 contribui para desorganizar a luta para que uma ditadura nunca mais aconteça

Bruno Mahiques e Camila Souza 23 mar 2024, 08:25

Com a proximidade dos 60 anos do golpe, perpetrado pelos militares em 31 de março de 1964, fomos surpreendidos pela notícia de que o Governo Lula orientou o cancelamento da solenidade conduzida pelo Ministério dos Direitos Humanos que iria se posicionar de forma crítica ao aniversário da data que marca o início da Ditadura Militar no Brasil. A mensagem do governo é clara: a esquerda deve ignorar a data, praticamente esquecer que os militares conduziram uma ditadura autoritária em mais de 20 anos no Brasil, e buscar pacificar o ambiente político. Essa postura, no entanto, traz graves consequências no enfrentamento à extrema direita, e contribui para desorganizar o campo da esquerda para as lutas que estão por vir.

Construir uma memória histórica acerca do que significou a Ditadura Militar não se trata de um mero capricho acadêmico, mas tem repercussões atuais muito importantes. A Ditadura (1964-1985) foi instaurada buscando sufocar movimentos de efervescência política, social e cultural que pautavam reformas estruturais e a ampliação da participação democrática nas decisões sobre o país. Em seus 21 anos, cerceou as liberdades democráticas; perseguiu, exilou, torturou e executou milhares de ativistas; assassinou mais de 8 mil indígenas; cometeu crimes ambientais até então sem precedentes; protagonizou diversos esquema de corrupção; e terminou deixando o Brasil com a maior crise inflacionária de sua história.

Nos últimos anos tem crescido a tentativa de revalidar politicamente a ditadura. Durante o Governo Bolsonaro, foram inúmeras as manifestações de oficiais do alto comando e de ministros do governo exaltando os supostos avanços que a ditadura trouxe; e o próprio Bolsonaro ficou marcado pela exaltação do Coronel Carlos Brilhante Ustra, torturador e chefe do DOI-CODI durante os piores anos da repressão no governo militar. Isto se deve, sem dúvida, à transição incompleta da ditadura para o regime democrático, que culminou na primeira eleição direta para presidente somente em 1989, e que teve como ponto determinante a promulgação da Lei da Anistia de 1979 que anistiou os militares de todos os crimes cometidos. Mas também é reflexo do atual cenário de polarização política que vivemos no Brasil e no mundo.

A profunda crise capitalista que estamos vivendo nos últimos 15 anos, somada à ausência de alternativas por parte da classe trabalhadora e dos setores oprimidos, alçou a extrema direita à condição de falsa alternativa para enormes setores ao redor do mundo. No Brasil não foi diferente: Bolsonaro foi eleito em 2018, e trouxe consigo diversos fantasmas do período da Ditadura que muitas pessoas acreditavam ter enterrado (não à toa, seu governo chegou a contar com mais de 6 mil militares em cargos civis). Assim, para impulsionar seu programa, também se fez necessário exaltar no imaginário social um passado autoritário na história brasileira.

Diante de inúmeras manifestações, do trauma social da pandemia e de uma ampla aliança, Bolsonaro não conseguiu seu segundo mandato, mas, mesmo tendo sido derrotado nas eleições, segue sendo o líder político de quase metade do eleitorado brasileiro, e o bolsonarismo continua concentrando muita força social e política. É importante refletir, portanto, qual deve ser o papel da esquerda num momento em que Bolsonaro e outros membros do alto escalão de seu governo estão sendo investigados pelos crimes que cometeram.

Diferentemente do que tem defendido Lula, de que seria possível trabalhar para despolarizar o cenário político, acreditamos que a polarização é fruto do momento de grave crise do capitalismo que vivemos. Fazemos nossas, assim, as palavras do Prof. Vladimir Safatle, que recentemente disse que a extrema direita é a única força real no país, no sentido de ser o único pólo que apresenta um projeto (extremamente regressivo) para a nação. A direção que aponta o governo é a abstenção do debate de projeto de país, aderindo a um programa da classe dominante em troca da promessa da governabilidade.

Para nós, os 60 anos do Golpe Militar são uma oportunidade para partir para a ofensiva no debate político, pautando a revisão da Lei da Anistia e punição de todos os militares envolvidos, assim como para avançar na reivindicação da prisão de Bolsonaro e de todos os golpistas envolvidos na tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023. Condenar a Ditadura é fundamental para não repetir experiências autoritárias, e é o único caminho para disputar no imaginário social a necessidade de uma democracia real, em que a participação popular não se limite a votar a cada 4 anos em eleições dominadas pelo poder econômico.

Temos, através da Revista Movimento, impulsionado diversas iniciativas para debater as lições da luta contra o fascismo e a extrema direita para os dias atuais, como o recente lançamento do livro A Alemanha da revolução ao nazismo: reflexões para a atualidade, de Luciana Genro. Também estaremos presentes nos atos chamados para o dia 23 de março, exigindo prisão para Bolsonaro e os golpistas, ainda que lamentemos a tímida convocatória para eles e o pequeno número de cidades em que ocorrerão.

E para o mês de abril estamos organizando o lançamento da nova edição impressa da Revista Movimento 60 anos do golpe: o passado que nos assombra, que irá discutir a luta contra a Ditadura Militar ontem e hoje, e as lições para o enfrentamento atual à extrema direita. Com contribuições de Vladimir Safatle, Bruno Paes Manso, Melina de Lima, Flávio Tavares, entre outros, será um material muito importante para discutir a ditadura e suas implicações, e subsidiar a atuação de milhares de ativistas comprometidos com a construção de um país em que o povo seja protagonista do seu próprio destino.

Ditadura nunca mais!


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