“O PL da Uber complementa o ataque trabalhista do Temer”
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“O PL da Uber complementa o ataque trabalhista do Temer”

O economista David Deccache analisa os graves problemas do novo projeto de lei apoiado pelo governo que regulamenta a uberização

David Deccache 11 mar 2024, 11:15

Foto: Wikimedia Commons

Via X

O PL da Uber complementa o ataque trabalhista do Temer, a reforma da previdência do Bolsonaro e o teto de gastos do Haddad.

A austeridade do teto mantém o desemprego elevado. Com desemprego, o trabalhador perde correlação de forças frente ao capital. Com a reforma trabalhista, perde direitos e garantias se tornando ainda mais frágil na injusta luta capital X trabalho. A reforma da previdência destrói a segurança social do trabalhador e amplia a força de trabalho disponível ao capital ao mesmo tempo que se reduz o número de empregos. Sem empregos dignos para sobreviver por conta da austeridade, o trabalhador entra em desespero.

Abre-se, então, caminho para formas cada vez mais bárbaras de gestão do trabalho. A uberização avança como tecnologia de gestão da exploração e subordinação intensificadas, bem como se revela instrumento de violação de direitos trabalhistas, dada a insuficiência da atual legislação para a proteção plena do trabalhador diante desta nova realidade.

A legislação atual, mesmo insuficiente, é considerada pelo capital como um obstáculo para a exploração e controle plenos da classe trabalhadora. Deve, portanto, ser destruída para o capital ter segurança jurídica plena para espoliar sem limites.

Nesta situação, o trabalhador, sem empregos dignos e tendo que se submeter à uberização para sobreviver é ameaçado: se não abrir mão de todos os seus direitos, as plataformas digitais deixam o Brasil e, portanto, não haverá chance de sobrevivência, ainda mais em um contexto de seguridade social destroçada.

Como o Estado respondeu a isso no Brasil? Cumprindo exatamente as exigências do capital predatório. Quais são essas exigências?

O capital quer garantir, em lei, a subordinação e controle do trabalhador, porém, sem que isso implique qualquer direito. Colocaram isso no PL da Uber. O trabalhador, legalmente, será constantemente monitorado, avaliado e punido em tempo real pelas plataformas, sem que isso implique vínculo de emprego.

Além disso, o PL cria um piso que, na prática, é quase metade do que o trabalhador ganha atualmente. Em uma corrida de uma hora, o custo médio com combustível é de uns 25 reais, considerando-se depreciação do veículo, alimentação, manutenção do carro e afins, custa ao motorista mais de 30 reais. Qual é o piso que a Uber colocou no projeto de lei? 32 reais por hora. Portanto, qualquer coisa acima do que o trabalhador tem de custo vira um favor. Uma corrida que chega a 100 reais terá como remuneração piso para o trabalhador 32 reais! A Uber fica com 68 reais neste situação! Cruel demais. Hoje a Uber pagaria algo como R$ 70 ao trabalhador e ficaria com R$ 30.

Ou seja, o piso não vale nada, servindo apenas como argumento para a plataforma colocar em lei que estão dando algo em troca da garantia de exploração plena sem qualquer tipo de vínculo de emprego. E qualquer coisa que pague acima do piso será vendido por ela como “favor”. Há clara tendência de rebaixamento da remuneração atual. Piso funcionam como um imã nesses casos. Torna-se a referência. Uma referência rebaixada a metade do que o trabalhador ganha hoje, que já é pouco.

Claro, o PL é tão patético que, literalmente, a Uber se compromete em troca da exploração irrestrita e total segurança jurídica não usar trabalho análogo ao escravo e nem explorar trabalho infantil de motoristas. Sim, é um escárnio. A Uber se compromete a não cometer crimes como contrapartida.

Aos defensores do Projeto resta o argumento mentiroso de que foi criada uma previdência para esse trabalhador. Mentira.

O PL apenas torna obrigatória a previdência no modelo de contribuinte individual, que já existe hoje, conforme elaborada por Temer. Porém, é pior: o trabalhador pagará até 4 vezes mais caro que atualmente pela mesma previdência.

Explico: hoje, o trabalhador paga 5% no MEI em cima do salário mínimo ou 7,5% como contribuinte individual. Agora, o trabalhador passará a pagar até 27,5%, já que o governo criou um tributo indireto e chamou de contribuição social. A Uber repassará a totalidade ou boa parte dos 20% de contribuição, um imposto indireto, para o motorista e/ou passageiro. Tem poder de mercado para isso. E tem informações completas em tempo real para maximizar os repasses de custos. O trabalhador ainda tem que pagar mais 7,5%. Isso dá até 27,5% de custo para o motorista, provavelmente a contribuição social mais cara do mundo para o motorista ter acesso à previdência criada pelo Temer.

Além disso, como o piso é bem abaixo da remuneração atual, há espaço de sobra para a Uber repassar a contribuição para o motorista. Claro, pode aumenta a tarifa para o consumidor também.

A empresa ganha segurança jurídica, o Haddad fatura arrecadação tributária (que não se reverte em gastos sociais pq há uma meta zero e um teto de gastos), o motorista ganha menos e paga mais pela mesma previdência que já pode ter hoje e o consumidor, a depender, pode ter aumentos de tarifas.

Esqueci de dizer: a correção do piso é pelo salário mínimo. Não raramente, a remuneração do salário mínimo é insuficiente para absorver o custo do setor. Imagine choque de preços de combustíveis bem acima da inflação. O piso acaba caindo, portanto, em termos reais considerando-se a inflação do setor. Além disso, se o preço da gasolina começa a subir no início de um ano (via câmbio ou dólar, já que a Petrobras mantém a paridade internacional) o trabalhador absorverá o custo, já que a correção será feita só no outro ano. Pode até pagar para trabalhar, já que não possuo informações completas sobre custos invisíveis.

E a transparência, David? Será na forma do contrato que o trabalhador estará, supostamente, livre para negociar com a Uber. Ou seja, nem isso presta no projeto. Alguém já viu trabalhador construir contrato? Ele só assina. O Projeto de Lei é todo baseado na livre negociação entre trabalhador e plataforma. Um escárnio. Retrocesso ao século XIX. Uma plataforma com imenso poder de mercado (que pode até virar monopólio sem regulação) e detentora de informações completas em tempo real livre para negociar com um trabalhador que morrerá de fome se rejeitar se submeter à exploração, além de não ter informações completas para a tomada de decisão.

Por fim, se você leu este texto e achou que não tem nada a ver com você, lembre que em breve vai aparecer projeto de lei toda hora para inserir novas categorias nesta legislação ou criando novas legislações semelhantes. Hoje são os motoristas, amanhã os professores, trabalhadores da saúde, arquitetos, engenheiros…. Todos nós.

O governo deveria é criar empregos dignos para ninguém ter que se submeter a Uber (como fazer isso com um teto de gastos?). Deveria criar formas de proteção do trabalhador diante da uberização. Porém, está apenas dando segurança jurídica plena para a exploração.

Finalizo dizendo que como qualquer projeto neoliberal de exploração o autoritarismo e violência contra a democracia são claros: pretendem aprovar esse ataque detestável em regime de urgência, sem o devido debate público e audiências em comissões. Sem dar a chance do povo debater no parlamento. Sem dar a chance dos poucos parlamentares atrelados aos interesses da classe trabalhadora apresentarem questionamentos e emendas. Sem a chance da academia avaliar e estimar impactos, como por exemplo os repasses das contribuições para os motoristas e consumidores ou o impacto de um piso tão baixo.

Argumentam que durante a elaboração, os trabalhadores participaram. Que foram os trabalhadores que construiram. Mentira absoluta, pois a base do projeto foi construída em 2020, na chamada Prop 22, pelas plataformas na Califórnia, que gastaram quase 1 bilhão de reais para aprovarem a matéria naquele Estado. Inclusive, o presidente Biden irá consolidar, semana que vem, uma regra que cria vínculo entre empresa e trabalhador dependente, visando reverter a Prop 22 3 afins….


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