Carta à advocacia do Estado do Rio de Janeiro
Sobre a renúncia coletiva da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ envolvendo pressões sobre o caso Marielle
Nos últimos seis anos, participei intensamente da reconstrução da comissão de direitos humanos e assistência judiciária da OAB/RJ, inicialmente como secretário-geral e, por fim, presidindo o órgão. Foram anos formidáveis. Reunimos centenas de colegas e colaboradores e, sem nenhuma modéstia, pautamos os grandes temas de interesse tanto da advocacia quanto da sociedade fluminense.
Nos momentos mais tensos da Nova República e seus muitos reflexos em âmbito estadual, estivemos irmanados na defesa da dignidade humana, do estado de direito e dos valores republicanos. Alteramos políticas públicas, dialogamos com outras agências do sistema de justiça e com a sociedade civil organizada, mudamos posicionamentos judiciais entre muitas outras vitórias.
No entanto, nos últimos meses, percebi que parte importante da diretoria da OAB/RJ está mais preocupada em performar nas redes sociais suas pré-campanhas que apoiar efetivamente a advocacia e dialogar com a sociedade, funções basilares da nossa instituição.
Temas fundamentais como o altíssimo valor das custas judiciais, que afeta nosso exercício profissional e impede o acesso à justiça, foram ignorados e, quando a omissão se tornou insustentável, objeto de um risível e genérico abaixo-assinado.
A morosidade dos processos judiciais, problema crônico do sistema de justiça, é tratado como estratégia de autopromoção. Dirigentes semanalmente tirando fotos em cartórios aleatórios não resolverá a questão. Quando muito, atesta nossa debilidade em tratar o tema de forma minimamente séria.
O retumbante silêncio institucional diante de violações ao nosso juramento profissional realizadas por ocupantes de altos cargos na instituição, que defenderam em eventos oficiais a limitação da universalidade dos direitos humanos entre outros absurdos, não me passou despercebido. De igual maneira, fiquei decepcionado com a filiação de membros da alta administração da casa à associações de juristas com pouco ou nenhum apreço pela democracia e seus valores.
Recentemente, a recusa em assumir o protagonismo na defesa da reabertura dos inquéritos presididos pelas autoridades policiais indicadas, pela Polícia Federal, como coautoras intelectuais da morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, a direção da comissão de direitos humanos chegou a ser ameaçada de exoneração em caso de insistência nesta agenda, atestou que meu ciclo na direção da comissão de direitos humanos da OAB/RJ chegou ao fim.
Como não aceitei a política da omissão diante da necessidade de enfrentar a relação entre política, polícia e crime organizado em nosso Estado, fui exonerado do cargo.
Fecho este ciclo com a mesma dignidade que iniciei, não posso atestar o mesmo daqueles que me pediram silêncio.
No mais, ombreado com os amigos que fiz nesta jornada, continuarei advogando, defendendo os direitos humanos, lutando em favor da dignidade da advocacia e da reconstrução da OAB/RJ, afinal, nossa profissão não é para covardes!
Rio de Janeiro, 08 de abril de 2024.
Ítalo Pires Aguiar.