O retorno das mobilizações camponesas na Índia
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O retorno das mobilizações camponesas na Índia

O movimento camponês realiza a principal luta atual contra o presidente de extrema direita Narendra Modi

Sushovan Dhar 30 abr 2024, 11:15

Foto: JK Photography/Creative Commons

Via Sin Permiso

Confira abaixo o artigo do ativista indiano Sushovan Dar, que estará presente na 1ª Conferência Internacional Antifascista em Porto Alegre.

Após as grandes mobilizações de 2020-2021, que resultaram em vitórias, o governo conseguiu estabilizar a situação. Às vésperas das eleições legislativas indianas de 2024, os agricultores estão se mobilizando novamente.

Em 13 de fevereiro, milhares de agricultores iniciaram uma marcha até a capital nacional para reivindicar suas demandas, incluindo o preço mínimo de apoio (MSP, cujo valor é determinado pelo preço pelo qual o produto será vendido no final da cadeia). Mas quando os agricultores de Punjab estavam a caminho de Délhi, a polícia os deteve na fronteira entre Punjab e Haryana e atacou os manifestantes com canhões de água e gás lacrimogêneo.

Após o fracasso das conversas com os representantes do governo em 12 de fevereiro, grupos como o Samyukta Kisan Morcha (Frente Unida dos Agricultores) e o Kisan Mazdoor Morcha (Frente dos Agricultores e Trabalhadores) organizaram a marcha Dilli Chalo (“vamos caminhar até Délhi”), também chamada de Protesto dos Agricultores 2.0. Alarmado com as ações dos agricultores, o governo indiano aplicou a Seção 144 (1) e cercou a capital com arame farpado, blocos de concreto e contêineres de transporte.

Os protestos atuais representam um desafio para o governo do BJP à medida que as eleições gerais se aproximam. Se a oposição conseguir fazer campanha pelo MSP, com salvaguardas legais, ela poderá se beneficiar de um impulso adicional antes das eleições parlamentares.

A renovação da agitação

Os protestos dos agricultores em 2020 e 2021 contra as leis agrícolas marcaram um ponto de virada no cenário político dos movimentos sociais do país (2). A adoção apressada de três projetos de lei agrícola pelo governo indiano em setembro de 2020 serviu como um catalisador inicial. Suas amplas ramificações e a falta de um debate ou consulta mais ampla provocaram uma forte reação dos movimentos rurais e dos sindicatos de agricultores de todo o país.

O governo indiano foi forçado a revogar as três leis agrícolas em novembro de 2021 após os enormes protestos que elas provocaram. As manifestações dos agricultores, que coincidiram com o uso da pandemia de Covid-19 pelo governo como pretexto para aprovar uma ampla reforma econômica neoliberal, foram uma grande vitória para os movimentos sociais da Índia.

O governo autoritário de Modi, que também tentou suprimir a crescente resistência popular ao seu nacionalismo e aos programas neoliberais, foi forçado a fazer concessões substanciais ao revogar as leis. Assim, o Kisan Andolan (luta dos agricultores) mostrou que era possível desafiar a estratégia do governo de minar os movimentos sociais e reprimir a resistência.

Um conflito muito violento com o poder

Em 21 de fevereiro, o uso maciço de gás lacrimogêneo pela polícia no estado de Haryana, no norte da Índia, contra os agricultores que se manifestavam, cobriu de fumaça espessa o céu sobre os pontos de passagem de Shambhu e Khanauri, na fronteira entre Punjab e Haryana. Isso também destacou a sombra que paira sobre o país: o recurso recorrente do governo a represálias violentas contra cidadãos organizados, o que demonstra suas tendências ditatoriais. Nesse contexto, a extraordinária mobilização de milhares de agricultores representa não apenas um desafio de grupos marginalizados (3), defendendo seus interesses econômicos, mas também um objetivo muito mais importante: a rejeição abertamente confrontadora e intransigente dos métodos de um governo que controla tudo.

O ressurgimento dos protestos mostra que o movimento oferece a possibilidade de formar uma ampla coalizão política e social contra o poder. A reação frenética do BJP e sua tentativa desesperada não apenas de conter o movimento dos agricultores a todo custo, mas também de desacreditá-lo, podem ser explicadas pela natureza fundamental do movimento e suas consequências para o sistema político e a sociedade a curto, médio e longo prazo.

Com suas grandes barricadas em todas as entradas da capital, a polícia impediu até agora que os agricultores chegassem ao centro político da nação, Nova Délhi. Os manifestantes montaram seu acampamento incansavelmente em dois locais, Khanauri e Shambhu, a uma curta distância da delegacia de polícia, conectados apenas por uma estrada de terra. Essa última é intransitável devido à presença de arames farpados, trincheiras cavadas e contêineres. A menor tentativa de atravessar a estrada leva à intervenção da polícia, como aconteceu durante a repressão de 21 de fevereiro.

O governo ignora as exigências dos camponeses

A demanda por uma lei que garanta um MSP para produtos agrícolas está no centro das manifestações.
O governo estabelece “preços de apoio” para mais de vinte produtos todos os anos para proteger os agricultores de quedas bruscas de preços, mas a implementação continua problemática. Apenas 7% dos agricultores que cultivam arroz e trigo se beneficiam das compras de apoio feitas por agências estatais para essas culturas. Os manifestantes exigem que todos os produtos agrícolas sejam incluídos nos preços de apoio.

Eles também exigem o cancelamento das dívidas dos agricultores, pensões de aposentadoria para agricultores e trabalhadores rurais, bem como indenização para as famílias dos agricultores mortos no movimento de 2020-21. Embora o governo diga que está disposto a discutir com os representantes dos agricultores, seu controle de comunicação visa apresentar a solicitação de um MSP como economicamente impossível. No entanto, os agricultores indianos lembram ao público que um dos principais motivos que levaram o primeiro-ministro Narendra Modi ao poder em 2014 foi a promessa que ele fez a eles de garantir um benefício de 50% sobre os custos de insumos e dobrar sua renda até 2022. Quatro rodadas de negociações entre a administração e os líderes sindicais dos agricultores terminaram em um impasse em fevereiro. O governo prometeu comprar lotes inteiros de algodão, milho e leguminosas para os próximos cinco anos com um MSP, mas os agricultores se recusaram a aceitar migalhas.

A crise agrária

O setor agrícola é crucial para a economia indiana, pois 60% da população está envolvida na agricultura, que responde por cerca de 18% do PIB do país. Entretanto, os agricultores enfrentam muitos problemas, desde a aquisição de insumos até as atividades de comercialização e pós-colheita, que podem ter um impacto direto ou indireto em suas vidas.

O campesinato indiano continua a lutar pela sobrevivência em um contexto de crise agrária crônica, causada por três décadas de reformas neoliberais. Essa crise se manifesta de várias maneiras, inclusive por meio de quebras de safra, que levam a rendas baixas ou negativas, dívidas, subempregos, desapropriação e até suicídios.

As raízes dessa crise remontam à época da colonização britânica e aos fracassos do Estado indiano desde 1947. Embora tenham surgido novos fatores, os antigos persistem. A crise eclodiu quando o governo desregulamentou o setor bancário, licenciando novos bancos privados para competir com os bancos do setor público.

Os bancos do setor público, incapazes de competir com os novos bancos privados, eliminaram suas agências rurais, e o crédito para a agricultura foi transferido para outros lugares, especialmente para o setor financeiro em desenvolvimento. O crédito agrícola diminuiu e os agricultores voltaram-se novamente para fontes informais de crédito.

Atacados pela concorrência global e pelos capitalistas

Após a adesão da Índia à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1º de janeiro de 1995, as restrições quantitativas às importações agrícolas foram reduzidas. Os agricultores indianos, muitos dos quais cultivavam apenas alguns hectares, foram forçados a competir com grandes multinacionais do agronegócio, bem como com agricultores de países desenvolvidos que cultivam milhares de hectares e se beneficiam de subsídios substanciais de seus governos.

O governo não apenas permitiu a importação de produtos agrícolas, mas também reduziu os subsídios aos agricultores indianos, colocando-os sob pressão. O aumento do custo dos fertilizantes resultou em custos de cultivo mais altos. Os agricultores compraram sementes e inseticidas caros como resultado de operações maciças de relações públicas realizadas por empresas do setor privado que prometiam maiores rendimentos e lucros, o que levou a um aumento das despesas por safra sem aumentar significativamente os rendimentos.

O cultivo de algodão nas regiões semiáridas do Planalto de Deccan [4] é uma prova disso: os agricultores foram incentivados a cultivar algodão para exportação, mas a falta de regulamentação rigorosa do agronegócio levou à venda de sementes falsas e ao uso excessivo de pesticidas, o que não protegeu os agricultores de sucessivas quebras de safra causadas por ataques de pragas.
A queda dos preços mundiais do algodão precipitou uma grave crise agrícola nessa região, levando a um aumento no número de suicídios de agricultores. Os gastos públicos nas áreas rurais caíram drasticamente. Não houve aumento na irrigação de superfície desde 1991. Como não houve reparos ou compensações, a área irrigada por canais diminuiu em 400.000 hectares. Como resultado, a renda dos agricultores aumentou apenas 1,96% ao ano entre 1993-1994 e 2004-2005.

Consequências dramáticas

A queda dos preços no mercado mundial e as colheitas ruins levaram a uma crise agrícola prolongada. Desde 1991, o governo reduziu os subsídios alimentares aos consumidores, o que teve um impacto negativo no acesso de milhões de indianos aos alimentos. Na Índia, o número de pessoas subnutridas aumentou em cerca de 20 milhões entre 1995 e 2001. De acordo com o relatório State of Food Insecurity in the World (Estado da Insegurança Alimentar no Mundo) publicado em 2003 [5] pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, 214 milhões de pessoas, ou 25% dos 842 milhões de pessoas subnutridas no planeta naquela época, estavam na Índia. Na mesma década, pelo menos 25.000 agricultores cometeram suicídio devido à sua situação financeira desesperadora.

Os agricultores pequenos e marginais são os primeiros a serem afetados pela crise agrária. Os agricultores abastados conseguiram se proteger do impacto total da crise confiando nos mercados globais em setores importantes, como aquicultura e horticultura. Eles conseguiram tolerar as perdas durante os anos de escassez e tiveram os recursos para fazer investimentos. Os grandes agricultores não foram tão afetados pela liberalização quanto o restante da sociedade agrária.

Suicídios devido ao endividamento

O número de suicídios de agricultores aumentou ainda mais em 2022. De acordo com os dados mais recentes do National Crime Records Bureau (NCRB) [6], cerca de 11.290 casos de suicídio foram registrados nacionalmente em 2022. Isso representa um aumento de 3,7% em comparação com 2021. Os dados de 2020 indicaram um crescimento de 5,7%. Pelo menos um fazendeiro indiano comete suicídio a cada hora. Os agricultores estão morrendo por suicídio em uma taxa que tem aumentado desde 2019.

De acordo com os dados do NCRB para 2022, o setor agrícola indiano não teve um bom desempenho nos últimos anos. Houve secas em muitas áreas e as colheitas foram danificadas por chuvas repentinas e intensas. Os problemas foram agravados pelo aumento dos preços das forragens e pela dermatite nudolar em bovinos, altamente contagiosa, que não facilitou em nada a tarefa dos criadores de gado.

As estatísticas do NCRB revelam uma tendência preocupante: os trabalhadores rurais que dependem da agricultura para sua subsistência diária cometem suicídio com mais frequência do que outros agricultores e pecuaristas. Os trabalhadores rurais são responsáveis por pelo menos 53% (6.083) das mortes dos 11.290 agricultores que morreram por suicídio.

Isso é significativo porque, ao longo do tempo, os salários agrícolas se tornaram cada vez mais cruciais para a renda das famílias rurais médias, em vez da produção agrícola direta. Isso é sublinhado por uma pesquisa nacional, publicada em 2021, que incluiu dados sobre terras e animais de propriedade das famílias e avaliação da situação das famílias agrícolas [7]. A pesquisa revelou que a maior parte da renda de uma família agrícola (4.063 rúpias, ou 45 euros) provinha de pagamentos recebidos em troca de trabalho agrícola. A agricultura ficou em último lugar, seguida pela pecuária. Esta última sofreu um declínio acentuado de 48% em 2013 para 38% em 2019. Em geral, a renda dos agricultores não aumentou muito. A pesquisa, que se baseia nas estatísticas governamentais mais recentes, indica que o salário médio mensal em 2019 foi de ridículas 10.218 rúpias (113 euros). Em 2012-2013, era de 6.426 rúpias.

Danças da morte

Estudos demonstraram uma correlação entre os desastres relacionados às mudanças climáticas e os suicídios entre a força de trabalho agrícola indiana.
As secas também se tornaram mais frequentes e generalizadas no país. De acordo com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, quase dois terços do país foram ameaçados pela seca em 2020-2022. Enquanto isso, um estudo publicado em maio de 2023 revelou que os anos com pouca chuva eram geralmente marcados por um aumento no número de suicídios de agricultores. Uma onda de calor sufocante no início de 2022 levou a um aumento incomum das temperaturas em abril e maio, o período de colheita. O resultado foi uma quebra de safra generalizada, especialmente de trigo.

De acordo com um relatório do Conselho Indiano de Pesquisa Agrícola, a onda de calor afetou a produção de trigo do país, bem como a produção de frutas, vegetais e animais em pelo menos nove estados. O Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizou um estudo intitulado “Urgent Preventive Action on Climate-Related Suicides in Rural India” [8], que examina a relação entre o número de suicídios de agricultores e a diferença de precipitação em relação à média.

Nesse contexto, os agricultores voltaram para as estradas. Com a renda agrícola terrivelmente baixa, a dívida do setor está aumentando. É uma verdadeira dança da morte para as fazendas. Com a renda estagnada ou em queda, não há sinal de mitigação da tragédia agrícola.

O debate sobre um MSP

No dia em que os protestos começaram, um jornal conhecido [9] publicou um artigo citando fontes oficiais que estimavam o custo da implementação de um MSP em US$ 241 bilhões. De acordo com vários economistas agrícolas pró-establishment, a legalização do MSP para 23 culturas é impraticável devido ao enorme ônus financeiro que isso acarretaria e ao fato de que o governo já está fornecendo subsídios à agricultura.

Entretanto, essas duas avaliações não têm fundamento. O principal objetivo dos números apresentados sobre os custos financeiros é criar uma psicose do medo. Os agricultores estão pedindo que o MSP seja definido como o preço mínimo abaixo do qual o comércio é proibido. Isso não significa que todas as compras devam ser feitas pelo governo. Além disso, as estimativas de custos adicionais de fontes independentes variam de US$ 18 bilhões, de acordo com um ex-presidente da Comissão de Preços Agrícolas de Karnataka, a US$ 2,53 bilhões, conforme relatado pela Crisil. É um equívoco comum pensar que a agricultura é altamente subsidiada. De acordo com os relatórios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os agricultores indianos perderam dinheiro desde 2000. Das 54 principais economias pesquisadas, a Índia é a única em que não há apoio financeiro para perdas agrícolas.

MSP, uma opção de sociedade

A Comissão de Agricultores [11] (também chamada de Comissão Swaminathan) do governo nacional propôs uma nova fórmula [12] que os agricultores querem que seja usada para melhorar o impacto do MSP. O governo indiano reconhece a necessidade e o desejo legítimos dos agricultores de obter um preço mínimo para seus produtos. Ele estabeleceu um sistema para determinar e anunciar esse preço, embora imperfeito e controverso. Ele também reconhece que tem a obrigação de “apoiar” os agricultores com um preço mínimo, mesmo que não o faça legalmente. Parece que, enquanto o MSP permanecer teórico, um reconhecimento de dívida que nunca é cobrado, ninguém parece se opor. Assim que os agricultores começam a exigir, ou pior, a esperar que o Estado honre seus compromissos, surgem os problemas. Então, é o próprio conceito de MSP que é questionado.

A ideia do MSP está enraizada em um contrato moral entre os agricultores e o Estado. Um estado pós-colonial pobre que enfrenta uma explosão populacional tem o dever moral e político de alimentar sua população de maneira razoável e suficiente. A produção e a venda de alimentos não é uma atividade econômica típica que deve estar sujeita à oferta e à demanda no mercado.

Há uma justificativa econômica, mesmo sem levar em conta a justificativa moral. A agricultura é uma atividade necessária, mas arriscada. Além disso, a maioria dos agricultores indianos é periférica e pequena, e tende a praticar a agricultura de sequeiro, que tem suas desvantagens. A agricultura é um dos setores mais expostos aos riscos de produção e comercialização. O agricultor não tem controle sobre nenhum fator ou variável, incluindo condições climáticas, terras herdadas e os caprichos dos mercados doméstico e global.

Devido aos muitos riscos relacionados à agricultura, a oferta logicamente varia, enquanto a demanda é praticamente constante devido à sua baixa elasticidade.
Isso resulta em volatilidade de preços. Além disso, a elasticidade da renda é menor no setor de alimentos, o que significa que a demanda por produtos agrícolas cresce mais lentamente do que a economia como um todo. Esses fatores tornam indispensável a intervenção para garantir preços justos aos produtores.

Por fim, o MSP tem uma justificativa ecológica. Espera-se que os agricultores indianos estejam entre os mais atingidos pelas mudanças climáticas, o que pode levar a uma queda de 25% em suas rendas. Eles precisam de apoio. Os agricultores precisam diversificar suas práticas agrícolas, mas só podem fazer isso se tiverem certeza de que as novas culturas produzirão rendimentos respeitáveis.

A política de fornecimento atual incentiva a dependência insustentável do trigo, do arroz (arroz não descascado) e da cana-de-açúcar. Um MSP abrangente incentivará os agricultores a diversificar e levará a economia agrícola do país à sustentabilidade. Uma discussão detalhada dos argumentos econômicos, financeiros e técnicos a favor do MSP está além do escopo deste artigo. No entanto, vários cálculos mostram que isso é perfeitamente possível. Além disso, já existe um projeto de lei para garantir legalmente o MSP. Em 2018, cerca de 30 sindicatos de agricultores colaboraram na preparação de um projeto de lei sobre a garantia legal da MSP sob os auspícios do All India Kisan Sangharsh Coordination Committee (Comitê de Coordenação de Toda a Índia para a Luta dos Agricultores). É interessante observar que quase todos os 21 partidos políticos do bloco INDIA [13] estavam envolvidos na elaboração da estrutura legislativa da organização.

E o movimento camponês?

O fermento na fronteira entre Punjab e Haryana é uma reminiscência dos protestos de 2020, quando os agricultores caminharam até os limites de Delhi em resposta a três leis controversas. No entanto, é incerto se o movimento dos agricultores pode se espalhar diante do crescente nacionalismo hindu e da atual legitimidade de Modi.

Vários sindicatos pretendiam continuar a agitação até que garantias oficiais sobre as MSPs fossem implementadas, mesmo depois que o governo de Modi disse em novembro de 2021 que as três leis seriam revogadas. No entanto, a liderança do SKM [14] como um todo decidiu não fazer isso. A SKM, que atualmente lidera a luta, é uma coalizão residual. Está claro que a resposta feroz do governo é uma confissão aberta de medo de seus próprios cidadãos diante de um protesto não violento.

A manifestação bem-sucedida dos agricultores em 2020-21 evoluiu para um movimento mais amplo que exige que o governo tome medidas imediatas para resolver o problema agrário estrutural e preservar os meios de subsistência das populações rurais. A diversidade social do movimento pode e tem inspirado movimentos em todo o mundo.

Os agricultores indianos não estão isolados: manifestações de agricultores eclodiram em Bordeaux, Varsóvia, Cardiff, Bruxelas, Madri e outras cidades da Europa. Proprietários de tratores queimaram palha, invadiram praças municipais e estacionaram seus veículos em frente a prédios legislativos. No entanto, nenhum país bloqueou o acesso dos agricultores à capital como fez a Índia.

Rumo a um confronto político?

Por motivos que vão além do imediato, as elites políticas da Índia estão profundamente preocupadas com os protestos dos agricultores. De fato, as reivindicações de justiça social por parte de grupos marginalizados correm o risco de reduzir o apelo do Hindutva (ideologia hegemonista indiana) e, portanto, sua capacidade de unir diversos eleitores hindus, mantendo as divisões comunitárias na sociedade.

Isso representa um perigo para os cálculos eleitorais do BJP, que se expandiu ao acrescentar à sua base de apoio de castas catalogadas uma série de grupos de castas de “outras classes atrasadas” (OBC, Other Backward Classes) que não têm vínculos históricos com o partido. Compreendendo essa linha de ruptura, o Congresso e outros atores da oposição elaboraram suas campanhas eleitorais para priorizar as preocupações dos OBCs. Se o seu partido vencer as eleições, Rahul Gandhi garante às “outras classes desfavorecidas” (OBCs) que explorará as possibilidades de melhorar suas cotas em empregos públicos e educação. Seja deliberadamente ou por acaso, o mar de agricultores acampados nas ruas por várias semanas ou até meses antes das eleições gerais, previstas para os próximos dois meses, ajuda a oposição, pois dá mais substância e mostra a urgência de sua agenda de justiça social, chamando a atenção para a desigualdade e as dificuldades econômicas.

O principal objetivo de Modi, portanto, é evitar que o movimento se espalhe para além do Punjab, como aconteceu em 2020-21, quando os agricultores do oeste de Uttar Pradesh e Haryana se juntaram a ele e lhe deram mais força e alcance. Os problemas que enfrentamos não são peculiares ao Punjab. Agricultores de outros estados fizeram reclamações semelhantes, apontando que, na ausência de salvaguardas legais, os MSPs do governo eram apenas poeira para os olhos.

O governo está ciente de que o uso excessivo da força contra manifestantes não violentos poderia prejudicar a imagem cuidadosamente construída pelo primeiro-ministro de ser um líder que defende os desfavorecidos e oprimidos. Portanto, ele recorreu à sua tática favorita, ou seja, a demagogia racista e a tentativa de retratar os manifestantes como partidários do Khalistão (o nome do estado reivindicado pelos combatentes da independência sikh do estado indiano de Punjab), para evitar qualquer avaliação objetiva e imparcial dos protestos.

Nesse contexto, os agricultores indianos precisam de nosso apoio e solidariedade. Também é importante que a classe trabalhadora apoie ativamente o movimento dos agricultores. Isso não apenas fortalecerá a resistência, mas também ajudará os trabalhadores a tirar proveito da situação e conquistar suas próprias demandas. Somente assim poderemos dar um duro golpe nos fascistas no poder.

Notas

(1) A Seção 144 do Código de Processo Penal de 1973 autoriza o magistrado executivo de um estado ou território a emitir uma ordem proibindo a reunião de quatro ou mais pessoas em uma área específica. Cada membro de tal reunião pode ser acusado de participar de um tumulto.

2) Para obter mais informações, consulte “Peasant mobilisations in a context of agrarian crisis” (Mobilizações camponesas em um contexto de crise agrária), Inprecor, 683-684 – março-abril de 2021.

3) Os grupos marginalizados aqui são OBCs (Other Backward Classes, outras classes atrasadas), principalmente pessoas da casta Jath. Essa comunidade formou um forte eleitorado para o BJP e foi o soldado raso do Hindutva, a ideologia hindu hegemônica, contra os muçulmanos nas áreas rurais. Portanto, a oposição desses grupos coloca em risco o cálculo eleitoral do BJP.

4) O Planalto de Deccan é um grande platô que cobre a maior parte do sul da Índia. De formato triangular, é cercado por três cadeias de montanhas. Ele abrange oito estados https://inprecor.fr/node/3981#footnoteref6_1nfplyd Página 8 de 9 e Retorno das mobilizações camponesas | Inprecor 21/4/24 21&56.

5) The State of Food Insecurity in the World (O estado da insegurança alimentar no mundo), 2003.

6) “Crime na Índia em termos anuais”.

7) “Assessment of the situation of agricultural households and livestock and land holdings in rural India” (Avaliação da situação das famílias agrícolas e das propriedades de gado e terra na Índia rural), 2019.

8) “Urgent preventive action for climate-related suicides in rural India” (Ação preventiva urgente para suicídios relacionados ao clima na Índia rural), 15 de março de 2024.

9) “A garantia do MSP custará Rs10 lakh cr adicionais, quase igual aos gastos com infraestrutura”, Business Today, 13 de fevereiro de 2024.

10) CRISIL, anteriormente Credit Rating Information Services of India Limited, é uma empresa indiana de análise que fornece serviços de classificação, pesquisa, consultoria de risco e política e é uma subsidiária da S&P Global, sediada nos EUA.

11) Comissão Nacional para Agricultores.

12) Sugeriu que o MSP deveria ser calculado com base em uma margem mínima de 50% em relação ao custo total de produção, que inclui o custo imputado do aluguel da terra e os juros sobre os custos de investimento. Em uma linguagem técnica, esse é o “conceito de custo C2” do CACP. Mas não é isso que o governo está aplicando atualmente. Atualmente, o SPM do governo baseia-se em um custo que cobre apenas as despesas pessoais (A2) mais a avaliação da mão de obra familiar (FL). A demanda dos agricultores para que a MSP seja de pelo menos C2+50% garante a eles que, como em qualquer outro trabalho, receberão uma margem razoável acima do custo de produção. De fato, um governo ágil e responsável deveria interpretar essa solicitação como “pelo menos C2+50%” e oferecer uma margem maior para determinadas culturas que deseja incentivar em nome da equidade social ou da sustentabilidade ambiental.

13) A Inclusive National Alliance for India’s Development (Aliança Nacional Inclusiva para o Desenvolvimento da Índia), comumente conhecida como INDIA, é uma frente de oposição anunciada pelos líderes de 28 partidos para disputar as eleições parlamentares de 2024.

14) Samyukt Kisan Morcha, que pode ser traduzido como “força comum dos agricultores”, é uma coalizão de mais de quarenta sindicatos de agricultores.


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Pedro Micussi