Quatro comentários sobre o Oscar 2024
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Quatro comentários sobre o Oscar 2024

Uma análise dos diversos temas políticos envolvidos durante a grande premiação do cinema mundial

Israel Dutra 2 abr 2024, 16:04

Foto: American Muslim Today/Medium

A cerimônia de premiação do Oscar, realizada na noite de 10 de março, refletiu, a seu modo, o ambiente político que vive a sociedade estadunidense. Sua expressão é distorcida, por óbvio, pelo peso das grandes corporações cinematográficas, dominantes em Hollywood; contudo, dada a autonomia relativa que o mundo da arte conserva, comento quatro aspectos que parecem ser os mais interessantes, do ponto de vista político.

Um evento que tem a dimensão do Super Bowl, assistido, comentado e compartilhado por milhões no Planeta, o Oscar não ficou imune às discussões mais polêmicas da sociedade.

Como antecedentes, tivemos um ano de 2023 marcado por greves importantes no setor da indústria cultural de massas. A greve dos roteiristas e a greve dos atores marcaram o ano.

E se atravessam, a partir de aí, três grandes questões que os Estados Unidos discutem hoje: a retomada do trumpismo, a onda de greves (além de Holywood, greves metalúrgicas, de trabalhadores da saúde) e recentemente o tema da Palestina.

A política apareceu, ainda que de forma limitada, na noite de entrega do Oscar. Oppenheimer foi o maior vencedor da noite, levando sete estatuetas, entre elas a de melhor filme, diretor (C.Nolan) e ator (Cillian Murphy). Emma Stone ganhou o prêmio de melhor atriz, por sua atuação em ‘Pobres Criaturas’, que ainda levou mais três prêmios. ‘Zona de Interesse’ foi laureado com o prêmio de melhor filme internacional.

A questão Palestina esteve presente

Diversas personalidades utilizaram um adereço em favor da causa Palestina, seja na plateia, seja no palco. Um “pin” ou broche vermelho, distribuído pela campanha Artists 4 Ceasefire (Artistas pelo Cessar-fogo) foi usado para denunciar o massacre em Gaza. A cantora Billie Eilish, que foi vencedora no quesito melhor canção com “What Was I Made For”, da trilha sonora de ‘Barbie’ subiu ao palco aludindo ao broche.

A maior polêmica se fez sentir no discurso do diretor de “Zona de Interesse’”, Jonathan Glazer. Sua fala foi direta: “ Nosso filme mostra para onde leva à desumanização, no seu pior. Moldou todo o nosso passado e presente. Agora estamos aqui como homens que negam sua judaicidade e o Holocausto sendo sequestrado por uma ocupação, que levou ao conflito para tantas pessoas inocente”.

A resposta de setores sionistas foi agressiva. Justamente, porque Glazer fez um filme sobre a banalização do mal, tendo repercussão enorme. Alfonso Cuaron afirmou que foi o filme mais importante do século; Steven Spielberg disse que foi o filme mais importante acerca do holocausto depois do seu ‘A Lista de Schindler’.

Oppenheimer e as guerras

O grande vencedor da noite foi o filme que conta a história do homem apontado como responsável pela invenção da bomba atômica. O ano de 2023 foi marcado pelo maior gasto militar global desde o fim da II Grande Guerra. Coincidência?

O filme de Christopher Nolan retrata, a partir de traços biográficos, o sentido da trajetória do físico Andres Oppenheimer, seu envolvimento com o projeto Manhattan, seus dilemas existenciais e suas relações com outros intelectuais, cientistas e políticos. A interpretação de Cillian Murphy, brilhante, lhe rendeu o Oscar de melhor ator. Murphy é um ator irlandês engajado, amigo do diretor Ken Loach, sendo protagonista de um dos seus filmes mais importantes, ‘ Ventos da liberdade’.

O ascenso da extrema-direita e o retorno da perspectiva da polarização militar volta a colocar sentido nos aspectos que envolvem a biografia de Oppenheimer. Pela primeira vez, em décadas, o discurso sobre a hipótese nuclear reapareceu na boca de um chefe de Estado, quando Putin ameaçou o Planeta, mesmo que no âmbito da retórica. A solução nuclear, contudo, já não é a única ameaça à vida no Planeta como a conhecemos. O colapso socioambiental em curso alerta para novas emergências. A humanidade vive à sombra de uma crise existencial.

Do ponto de vista fílmico, uma das melhores resenhas de Oppenheimer foi publicado no número 47 da Revista Movimento, na lavra de Eduardo Carniel, professor da USP, doutorando e especialista em Cinema. Carniel postula uma série de temas, como

“(…) a presunção de mostrar “o lado humano da guerra”, essas narrativas transformam as guerras em ímpetos irracionais entre líderes poderosos, às custas do sofrimento das vítimas, que é mostrado como desnecessário e fruto de uma “falta de empatia” desses líderes. É claro que os senhores da guerra não se importam com a morte de inocentes, mas uma segunda violência é perpetrada contra as vítimas dos conflitos armados quando as causas da sua miséria não são trazidas à luz como o que são: interesses econômicos e políticos de classe, com ramificações na economia internacional.”

Emma Stone. Controvérsias em Pobres Criaturas

A premiação de melhor atriz foi para Emma Stone, pelo desempenho em ‘ Pobres Criaturas’. Favoritíssima, Emma foi quase uma unanimidade num filme que despertou debates e controvérsias.

A crítica se dividiu quanto ao sentido geral de ‘pobres criaturas’, filme de Yanos Lanthimos. Parte celebrou a criatividade dos cenários e fotografias- eu particularmente destaco a Lisboa distópica, ao som da grande artista Carminho- e o enredo afirmativo das ‘leis do desejo’. Houve uma crítica sobre a inversão da condição feminina, como uma espécie de “Frankenstein às avessas”, numa alusão ao brilhante romance de Mary Shelley- uma das grandes escritoras da humanidade.

Sem entrar nas polêmicas sobre a natureza do filme, creio que a interpretação de Emma Stone é um ponto alto para além das apreciações sobre roteiro e sentido geral. A personagem de Bella Baxter afirma uma autonomia diante de um cenário repressivo que lhe é imposto, seja pelo discurso cientificista, pelo patriarcado recorrente, revolucionando a leitura dos desejos.

Trocando em miúdos

O Oscar de 2024 retratou os dilemas políticos do presente, ainda que com as lentes “deformadas” do mainstream. As mudanças que ocorrem a passos largos no mundo da arte, seja na produção (efeitos da IA) ou no consumo(o deslocamento definitivo das salas de cinema para os streamings das casas) aparecem aos poucos no teatro da “Academia”.

As crises da política- num país cada vez mais polarizado entre Trump e a defesa dos direitos democráticos e das liberdades civis- evidenciam a crise mais geral da sociedade, com o campo “progressista” de atores e produtores culturais se postulando como oposição ao projeto da extrema-direita.

Confesso que senti falta de uma menção mais direta à ‘Vidas passadas’. Foi o filme mais profundo que vi sobre conexão, escolhas e afetos. Me fez pensar sobre o aleatório e a “corrente subterrânea do materialismo do encontro”.

O Oscar esteve sintonizado com as contradições do tempo, ainda que sem a mesma contundência que o antológico discurso de Vanessa Redgrave, atriz e militante trotskysta, em 1978, quando criticou o sionismo abertamente, ao receber a estatueta de melhor atriz por ‘Julia’.


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