Greve da Educação Pública Federal: Balanço e Perspectivas
A greve da educação federal demonstrou a importância da organização da classe trabalhadora e do sindicalismo de luta
Desde março de 2024, as trabalhadoras e os trabalhadores da educação pública federal, a partir das bases da FASUBRA, SINASEFE e ANDES-SN, vêm construindo uma das maiores greves unificadas da história das categorias docente e técnico-administrativa (TAE) das Universidades e Institutos Federais.
Este fato, por si só, já torna o movimento grevista vitorioso. É preciso considerar que estamos em um período histórico marcado pelo avanço da ideologia neoliberal, saída encontrada pelo capital para tentar reverter a queda das taxas de lucro ocorrida no contexto da crise pós-fordista. Desde os anos 1970, diversos governos neoliberais implementam privatizações, ajustes fiscais e medidas para preservar os ganhos da burguesia rentista, ao mesmo tempo em que tentam desarticular as organizações da classe trabalhadora. Os casos de Reino Unido, Estados Unidos e Chile são paradigmáticos, mas desde os anos 1980 o Brasil não foge a essa regra, o que inclui os governos petistas.
Os governos Temer e Bolsonaro aprofundaram os ataques, congelando nossos salários, retirando direitos previdenciários, privatizando patrimônio público e cortando orçamento da saúde e da educação. Ainda, de 2020 a 2022, enfrentamos a pandemia de COVID-19, um verdadeiro genocídio ocorrido no Brasil, que causou a morte de mais de setecentas mil pessoas no país, muitas das quais poderiam ser evitadas, não fosse o governo neofascista do presidente anterior. Não podemos esquecer que muitos dos nossos colegas trabalharam na linha de frente, principalmente nos Hospitais Universitários, sem até hoje receberem o devido reconhecimento por parte do Estado brasileiro. Ainda, vivemos atualmente em plena crise climática, com a catástrofe das enchentes no Rio Grande do Sul, culpa dos capitalistas e de seus representantes nos governos, e mais recentemente com as queimadas no Pantanal sulmatogrossense. Nesse contexto, a ascensão do movimento grevista na educação pública federal é uma vitória e nossas companheiras e nossos companheiros gaúchos merecem menção honrosa pela organização da greve solidária em seu estado.
Em 2023, com a posse do novo governo Lula, iniciaram-se negociações das categorias. Naquele ano, obtivemos reajuste emergencial de 9%, ainda insuficiente para recompor as perdas inflacionárias acumuladas dos governos anteriores, na casa dos 40%. Após cerca de um ano de negociações, o governo Lula não demonstrou interesse em avançar nas nossas pautas. O descaso do governo gerou indignação nas bases e levou as categorias à greve. No dia 11 de março, a maior parte dos sindicatos de base da FASUBRA deflagrou greve, sendo logo seguidos pelos demais. Em 3 de abril foi a vez do SINASEFE e, em 15 de abril, a do ANDES.
Em unidade, as categorias construíram uma forte greve, com ampla mobilização e adesão, surpreendendo até mesmo as suas direções. Nesse ponto, não podemos deixar de falar do papel exercido pelas direções cutistas, as quais desde o início têm atuado como verdadeira correia de transmissão do Governo Federal, a princípio tentando evitar a greve, o que não conseguiram devido a enorme indignação das bases e, posteriormente, atuando para desarmar a greve e blindar o governo Lula, e da Travessia/Resistência, que na última proposta construíram uma narrativa de “ultimato” que contribuiu para enfraquecer a greve. No caso da categoria docente, ainda houve a postura equivocada do governo de assinar com o PROIFES, sindicato paralelo de pouca expressividade, como forma de desarticular a greve, o que também trouxe reflexos para a greve da categoria técnico-administrativa. Isso demonstra a necessidade de superarmos a velha burocracia e a aparelhagem, construindo uma alternativa para o movimento sindical.
Entre várias pautas, os principais motivos que nos levaram a greve foram a necessidade de reajuste salarial, reestruturação das carreiras e recomposição do orçamento das universidades, pautas que foram conquistadas, ainda que parcialmente, com muita luta. No caso da categoria técnico-administrativa, buscamos também o atendimento à chamada “pauta democrática”, sem impacto financeiro imediato, com reivindicações como a paridade, fim da lista tríplice, jornada de trabalho de 30h, e possibilidade de TAEs concorrerem a cargos de Reitoria e da alta administração das universidades.
A greve vem contando com o apoio da opinião pública e de parlamentares aliadas da luta, como Fernanda Melchionna e Sâmia Bomfim. A força da nossa greve fez com que o Presidente da República tivesse que mencioná-la em reunião com reitoras e reitores de universidades públicas, tentando impor um ultimato. Nesta mesma reunião, Lula anunciou investimento de 5,5 bilhões nas universidades via Novo PAC. Consideramos que este anúncio só foi possível devido à pressão exercida pela nossa greve, mas não nos esquecemos que o PAC é um programa que historicamente favoreceu mais as grandes empreiteiras, ou seja, transferiu mais dinheiro público para os capitalistas, enquanto que a categoria TAE continua a receber o pior piso do funcionalismo público federal.
A força da nossa greve pode ser sentida nas sucessivas mesas de negociação com o MEC e MGI. Nesta última, foi possível perceber a mudança de postura do negociador do governo, no início nos tratando com empáfia e desdém, mas depois mudando para uma postura mais razoável. A cada mesa de negociação foi possível arrancar mais um pouco, mas ainda não tivemos atendidas a integralidade das nossas demandas, principalmente no que se refere aos companheiros aposentados e companheiras aposentadas. Mesmo assim, é importante ressaltar que tudo que conquistamos foi com muita luta, nada nos foi dado de graça pelo governo.
Nesse momento, nos aproximamos do desfecho do nosso movimento grevista. Tivemos conquistas importantes e mostramos ao conjunto da classe trabalhadora brasileira que só a luta coletiva garante vitórias. Ainda faltam amarrar algumas questões, como a jornada de 30h, o reposicionamento de aposentados e aposentadas e a forma de compensação dos dias parados, para finalizar o acordo com o governo, garantindo que contemple todas as pautas conquistadas. Porém, novas batalhas virão nos pós-greve. O Novo Arcabouço Fiscal, política neoliberal capitaneada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nos coloca o desafio de lutar contra a desconstitucionalização dos pisos da saúde e da educação. Ao mesmo tempo, continuam a avançar a terceirização, a privatização, com a transferência de recursos públicos para instituições privadas de ensino e, além disso, precisamos derrotar definitivamente qualquer proposta de reforma administrativa que vise retirar direitos dos servidores públicos e das servidoras públicas. Por isso, mesmo no pós-greve, devemos ter atenção e estarmos em mobilização permanente contra os ataques neoliberais.
A greve demonstrou a importância da organização da classe trabalhadora e de fortalecermos os nossos sindicatos. Muitas pessoas se aproximaram do movimento sindical, e a greve também se tornou um espaço privilegiado de formação política. Por outro lado, é grande a decepção com o governo Lula, dada sua recalcitrância em atender as pautas da greve e sua nítida adaptação ao capital. Isso comprova que não podemos ter ilusões com governos e que somente podemos nos apoiar na luta coletiva e na auto-organização da classe trabalhadora, pois enquanto houver capitalismo, o Estado continuará sendo o balcão de negócios da burguesia.
Ainda há muito que avançarmos, tanto em termos das nossas carreiras quanto no funcionamento e na estrutura das Universidades e Institutos Federais, os quais carecem de mais investimentos para atender plenamente seus objetivos de fornecer educação pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referenciada. Porém, novas lutas virão e, certamente, nossa organização estará mais forte e mais preparada.
Nós, Trabalhadoras e Trabalhadores na Luta Socialista (TLS Sindical), continuaremos a manter o nosso objetivo de não nos submetermos às burocracias sindicais, debatendo a crise do sindicalismo com vistas à necessária renovação do movimento sindical. Não deixaremos de empunhar as bandeiras da solidariedade de classe, do internacionalismo, do ecossocialismo, antirracismo, antilgbtfobia, antimachismo, anticapacitismo, rumo a uma sociedade livre de todas as formas de exploração e opressão.