Quantas foz do Amazonas “pagam” a catástrofe climática no RS?
Apostar na exploração de mais combustíveis fósseis para promover desenvolvimento social e econômico é ignorar o imenso custo das mudanças climáticas provocadas pelos mesmíssimos combustíveis
Foto: Secom/Defesa Civil RS
Via ClimaInfo
A Petrobras registrou um lucro líquido de R$ 124,6 bilhões em 2023, o segundo maior nos 70 anos da companhia. O lucro recorde da história da estatal ocorreu no ano anterior, em 2022, quando bateu 188,3 bilhões de reais. Nos últimos anos, a estatal brasileira tem sido uma das maiores pagadoras de dividendos entre as petroleiras do planeta. Inclusive para reforçar o caixa do governo brasileiro, seu acionista controlador, que abocanha cerca de um terço dos recursos distribuídos a detentores de seus papéis.
De 30 de abril a 10 de junho deste ano, o mesmo governo federal que recebe uma fatia considerável dos lucros da Petrobras desembolsou R$ 85,7 bilhões para ajudar o Rio Grande do Sul, estado atingido pela maior catástrofe climática de sua história. Mas, como as águas que cobriram boa parte do território gaúcho ainda estão recuando, o custo final da tragédia ainda é uma incógnita. Cálculos preliminares apontaram para um gasto de R$ 120 bilhões pelo governo federal somente neste ano. Algo equivalente ao que a Petrobras lucrou no ano passado, mas que não vai integralmente para os cofres da União.
A vulnerabilidade extrema do Rio Grande do Sul a tempestades, inundações e secas foi mostrada em 2015 por um estudo encomendado pelo próprio governo federal. Eventos que, indicou o estudo, se tornarão cada vez mais frequentes e intensos, não apenas no Sul, mas em todo o Brasil, devido às mudanças climáticas. Eventos que não se restrigirão ao Sul, como as cada vez mais graves inundações no nordeste e sudeste do país têm mostrado. E que, como já comprovado por um sem-número de outros estudos científicos, são provocadas majoritariamente pela queima dos combustíveis fósseis, os mesmos que a Petrobras produz e comercializa.
O caminho para frear esses estragos já é conhecido: é urgente eliminar petróleo, gás e carvão da matriz energética mundial, de modo a conter as mudanças climáticas. O que envolve acelerar a implantação de fontes renováveis de energia e reduzir a produção e o consumo de combustíveis fósseis – o “transitioning away” acordado por todos os países do mundo, incluindo o Brasil, no documento final da 28ª edição da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), realizada em Dubai em novembro do ano passado.
No entanto, no mesmo país da catástrofe climática do Rio Grande do Sul, cujo custo ainda é incerto, e que tem possibilidades reconhecidas de liderar a transição energética do planeta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende a ampliação da exploração de petróleo. Pior: na foz do Amazonas – uma região de alta sensibilidade ambiental, onde não se conhece os impactos socioambientais da atividade petrolífera, mas que, já se sabe, pode contaminar o litoral de países vizinhos ao Brasil em poucas horas em caso de vazamento de petróleo. E onde a mesma Petrobras já teve de interromper a perfuração de um poço por causa de um acidente mecânico causado pelas fortíssimas correntes marítimas da região.
Mas, para Lula, explorar petróleo na Foz do Amazonas fará o Brasil “dar um salto de qualidade extraordinário”. Lula ainda disse que”não vamos jogar fora nenhuma oportunidade de fazer esse país crescer”.
O problema é que a conta não fecha. Ainda mais porque, no mesmo dia em que Lula e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, defenderam os combustíveis fósseis, a Agência Internacional do Petróleo (AIE) divulgou números mostrando que a demanda mundial por petróleo atingirá um pico em 2029 e começará a cair gradualmente a partir do ano seguinte. Além disso, a Agência calcula que já em 2030 haverá um grande excedente de petróleo no mercado, de cerca de 8 milhões de barris por dia – 2 vezes e meia o volume produzido atualmente pelo Brasil. Isso significa queda dos preços, com consequente redução de receitas, impostos e royalties oriundos do combustível.
Também é preciso destacar que não precisamos sair do Brasil para verificar que atividade petrolífera é concentradora de renda. Mesmo a maior arrecadação governamental com base no petróleo não se traduz em redução das desigualdades sociais – vide o estado do Rio de Janeiro e cidades beneficiadas com grande volume de royalties, como São Sebastião, no litoral paulista. No entanto, os estragos derivados da queima dos combustíveis fósseis, como os eventos climáticos extremos, atingem a todos, mas principalmente a população preta e pobre. O Rio Grande do Sul é a prova mais recente disso. Mas não a única.
A catástrofe gaúcha escancarou a urgência que temos de acelerar medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas no Brasil, sem falar nos investimentos em recuperação depois da porta climática arrombada. Isso custa dinheiro, e não é pouco. Mas não é a suposta renda da exploração de mais combustíveis fósseis que cobrirá essa conta, nem bancar a transição energética, nem promover desenvolvimento social e econômico. Apostar nisso é colocar o cachorro correndo atrás do rabo, e com o imenso risco de não sobrar nada do cachorro. As cifras – e as crescentes tragédias climáticas – estão aí para comprovar.