É preciso apostar na mobilização e na força do programa para derrotar a extrema direita em São Paulo
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É preciso apostar na mobilização e na força do programa para derrotar a extrema direita em São Paulo

A frente encabeçada por Boulos é a nossa melhor chance de derrotar o bolsonarismo, mas se engana quem acha que a ida ao centro é remédio contra a extrema direita

Diogo Dias e Giovanny Ferreira 31 jul 2024, 09:14

Foto: Pablo Albarenga/Flickr 

Ao redor do mundo a luta contra a extrema direita se acirra, e derrotá-la segue sendo nossa tarefa mais importante. Não nos faltam exemplos de que essa segue sendo a prioridade da esquerda internacionalmente: os arranjos das eleições europeias, os deslocamentos políticos em torno da campanha contra Trump nos EUA e a necessidade de impor uma derrota ao projeto neoliberal e conservador de Milei na Argentina. Em 2024 as eleições municipais serão o palco principal dessa queda de braço no Brasil: pela concretude que têm as cidades na vida do povo, mas sobretudo porque o pleito será um termômetro da força e capacidade de mobilização dos diferentes atores políticos, sendo também um ensaio sobre a disputa nacional.

A cidade de São Paulo tem peso estratégico para nós e também para o bolsonarismo. A presença de Tarcísio no governo do estado e a possibilidade de dirigir a maior cidade da América Latina, abre a esperança para a reconfiguração política desse setor nacionalmente. Nesse sentido, o confronto na capital paulistana é emblemático: de um lado a aliança do bolsonarismo com as velhas elites da cidade, que apostam na figura de Ricardo Nunes; do outro o que pode – e precisa –  vir a ser um movimento democrático, organizado numa frente partidária com partidos do chamado campo progressista (e até mesmo a presença do PMB, partido fisiológico externo a esse espectro político), encabeçado pelo PSOL na figura de Guilherme Boulos.

São Paulo reflete a crise do capital que passa o mundo e o Brasil. A cidade mais rica do país tem concentração de renda gritante e abriga o principal centro financeiro – símbolo do rentismo, ao passo que amarga índices assombrosos de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade e pobreza. Governada por um prefeito privatista e conservador – que agora se bolsonariza para se cacifar junto à extrema direita, é também palco de muita luta. Dos atos massivos contra o PL do Estupro; das gigantescas marchas da maconha; da maior Parada LGBTQIAPN+ do mundo; da derrota eleitoral de Bolsonaro e vitória de Lula no segundo turno de 2022.

A centralidade da mobilização e do programa

A frente encabeçada por Boulos é a nossa melhor chance de derrotar a extrema direita em São Paulo, por isso somos e seremos parte dos que apostam nessa frente como tática eleitoral. Mas não podemos incorrer em vacilações diante da magnitude de nosso desafio: para vencer a máquina da prefeitura e do governo do estado, enfrentar as fakenews dos nossos inimigos, e até mesmo para fazer da campanha um instrumento para a luta de longo prazo contra os ideais do bolsonarismo, temos que apostar numa campanha a quente, que seja convidativa, alcançando amplos setores da cidade e chamando a responsabilidade coletiva de derrotarmos o pior prefeito da sua história. Para isso, é preciso altivez na apresentação das bandeiras históricas que nos levaram ao segundo turno de 2020.

Em 2020, o PSOL e Guilherme Boulos foram ao segundo turno, pois reivindicamos uma candidatura que se propunha a fazer uma mudança radical na cidade. Nesse sentido, a figura do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), movimento de moradia popular, era evidência da necessidade de promover uma nova política urbana em que os interesses da especulação imobiliária não teriam espaço. No ano de 2024, vemos um Guilherme Boulos mais contido, que tenta diluir parte do seu passado de luta para dialogar com o público da centro-direita e se furta de falar em pautas extremamente caras a um programa da esquerda socialista. Se engana quem acha que a ida ao centro tem sido o principal remédio à extrema direita mundialmente, na verdade, a radicalização das pautas populares é que tem contribuído para esse combate.

Tomemos como exemplo a lição recente do processo eleitoral francês, onde Le Pen e a extrema direita saíram derrotadas. A vitória da esquerda só foi possível pela construção de um sentido de urgência da derrota do projeto ultraliberal, autoritário e reacionário – que inclusive tomou as ruas durante todo o processo eleitoral – somada à existência de um programa consistente com razões pelas quais o povo deveria se mobilizar, o que resultou num pacto de unidade entre diferentes partidos e movimentos. Em São Paulo, muito mais do que apenas nomes ou compromissos firmados em gabinetes, é preciso expressar um programa que construa maioria social, que concretize os anseios mais urgentes do povo, e que antagonize de maneira firme com o bolsonarismo e combata o neoliberalismo que há décadas governa a cidade.

Nossa esperança não cabe em teleprompters elaborados por marketeiros!

Em evento recente, que oficializou a chapa Boulos-Marta à prefeitura, chamou a atenção alguns elementos: num discurso excessivamente aparado, nosso candidato não foi enérgico sobre o combate ao bolsonarismo. Um contraste com o apelo constante de seu círculo mais próximo sobre o fato de Lula ter vencido na cidade de São Paulo em 2022. Erra quem se apega ao formalismo da “transferência natural” de votos, fundamentalmente porque a vitória de Lula só foi possível pelo senso de urgência em derrotar Bolsonaro, que tomou o país. Quando Boulos abre mão de grifar essa mesma urgência contra Nunes em seu principal evento de pré-campanha, perde a oportunidade de preparar o terreno junto aos milhares de apoiadores reunidos, que desde já poderiam ser multiplicadores desse mesmo senso de urgência.

De forma igual, o discurso foi desprovido de qualquer elemento programático, numa cidade marcada pelas constantes disputas entre os mais diversos segmentos da luta social e o projeto neoliberal levado a cabo por Nunes. Oportunidade perdida de falar sobre a nossa perspectiva para a tarifa zero no transporte público, contra as Organizações Sociais (OSs) nos serviços de saúde, a revogação das privatizações, por projetos de moradia popular, instituição de mecanismos de participação popular e o fortalecimento dos serviços públicos com valorização dos servidores. Esses seriam bons subsídios para dar concretude ao antagonismo à péssima gestão que fez Nunes, cativando no povo os motivos para se mobilizar.

Não é menos importante constatar que até aqui a campanha teve uma tônica e método muito próximos aos partidos da ordem. Infelizmente a mobilização de pessoas para a convenção, apesar de grande, estava muito restrita aos partidos e respondia visivelmente aos interesses políticos dos candidatos ao pleito proporcional. Ainda não se concretizou uma mobilização social ampla na cidade para eleger Guilherme Boulos, que extrapole o controle do aparato e se espalhe até mesmo – e principalmente – para lugares e setores que não tenham tradição de relação partidária. Achamos que esse não é o caminho. Limitar-se aos aparatos e fazer uma campanha tradicional não irá desafiar o peso e a força que a extrema-direita colocará na candidatura de Nunes. É necessário força social e mobilização de rua para derrotar o atual prefeito. Por isso mesmo, a campanha de Boulos tem que partir do próprio exemplo de 2020 e buscar referência até mesmo na aposta na mobilização popular que fez Luiza Erundina em 1988, para efetivar sua candidatura e mais tarde sua eleição. Precisamos ampliar a campanha e adentrar nos setores mais diversos que sabem que é necessário uma mudança na cidade. Também como parte da luta para que o sentimento de mudança se canalize na radicalização à esquerda, não dando espaço para a confusão que cria propositalmente a extrema direita.

Eles dobraram a aposta

Recentemente, em sabatina à Folha de São Paulo, Ricardo Nunes negou a tentativa de golpe no 8 de janeiro, a fim de angariar apoio mais robusto do bolsonarismo. Não surpreende em nada vindo do prefeito que participou e incentivou de atos golpistas e mandou fechar o serviço de aborto legal no Vila Nova Cachoeirinha. Mas nos serve de lição: o confronto com a extrema direita, aos moldes do que se desenha para este ano, vai exigir ousadia da nossa parte. Mais do que o apelo à continuidade de gestões passadas, um repeteco de 2022, ou a abstração dos chavões de amor pela cidade, nossos principais catalisadores devem ser o ineditismo da inversão de prioridades e a sinceridade sobre as dificuldades que o paulistano passa. O abandono e a destruição do patrimônio público são visíveis do centro à periferia, e a indignação com esse estado de coisas é um sentimento legítimo que pode movimentar amplos setores.

Do lado de lá, a tentativa de fazer de São Paulo a proa do atraso, o refúgio dos negacionistas e golpistas, a continuidade dos esquemas de corrupção com superfaturamento de obras, a máfia das creches, o SampaPrev, a privatização da SABESP e até dos cemitérios. Do lado de cá, um movimento calcado em valores democráticos, que quer promover justiça social, direitos fundamentais e que precisa combater privilégios e lutar junto ao povo contra a lógica neoliberal no coração do capitalismo brasileiro.

Nosso compromisso é com a derrota da extrema direita, por isso estamos com Boulos sem titubear. Mas, para almejarmos a vitória, é preciso relembrar as razões que projetaram o PSOL ao segundo turno na última eleição e o consolidaram como o porta-voz dessas bandeiras. Através do método de uma campanha quente, com um chamado à mobilização pela mudança, permeável às reivindicações dos movimentos sociais, com um programa vivo e agitado de maneira objetiva em todos os canais possíveis.

É preciso repetir o espírito das carreatas em meio à pandemia e das panfletagens nos bairros com comitês de campanha autônomos, do ato espontâneo no último fim de semana de campanha que tomou a Avenida Paulista. E ir além: apostar na força do povo para tirar São Paulo das garras dessa gente. É dela que vem a nossa esperança!


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