48h de terror no MS: a verdadeira face do agronegócio (Parte 1)
Dourados

48h de terror no MS: a verdadeira face do agronegócio (Parte 1)

Notas explicativas sobre o genocídio indígena na região da Grande Dourados

Foto: Agência Brasil

A região da Grande Dourados, localizada no sul do estado de Mato Grosso do Sul (MS), engloba trinta cidades que tem na cidade de Dourados a maior provedora de bens e serviços para as demais, incluindo serviços públicos de saúde e educação. A região se destaca por possuir as terras mais férteis do estado, onde o agronegócio atua com mais força na produção de commodities agrícolas como cana-de-açúcar, milho e soja transgênicos. Trata-se de uma matriz econômica extrativista lucrativa e altamente concentradora de renda.

A atual configuração fundiária da região remonta ao período do pós-Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (final do século XIX), no qual grande parte do território acabara de ser cedido por aquele país ao final do conflito bélico. As terras passaram a ser de propriedade do Estado brasileiro, que as arrendou para uma companhia produtora de mate, a Matte Larangeira, formando um extenso monopólio latifundiário de mais de cinco milhões de hectares.

No início do século XX, com o fim do monopólio de terras concedido pelo Estado brasileiro à Companhia Matte Larangeira, o governo Getúlio Vargas iniciou um plano de colonização agrária da região, loteando áreas para colonos vindos sobretudo do Sul e do Sudeste do país. Com o passar dos anos, fazendeiros foram adquirindo e concentrando os lotes para formar novos latifúndios, muitas vezes se valendo de expedientes como grilagem, corrupção de agentes públicos e intimidação com pistoleiros. 

Ocorre que o Estado brasileiro, naquele momento controlado por oligarquias latifundiárias, decidiu ignorar a existência dos povos originários Guarani e Kaiowá naquelas terras. Na época da Companhia Matte Larangeira, os indígenas foram cooptados para trabalhar nos ervais, não raro em condições de trabalho análogo à escravidão, vez que possuiam o conhecimento ancestral sobre o cultivo e preparo da erva mate, tradicional na sua cultura e ingrediente básico do tereré, até hoje a bebida símbolo do estado sulmatogrossense e do Paraguai. Já no início do século XX, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPI), órgão antecessor a Funai, o Estado brasileiro adotou uma política integracionista ostensiva, partindo da premissa que o modo de vida e a cultura tradicional dos povos indígenas seria inevitavelmente extinguida pela marcha do “progresso”. No âmbito da política indigenista de então, isso significava que os indígenas deviam ser “integrados” ao modo de produção capitalista na condição de trabalhadores rurais assalariados, por isso o órgão trazia em seu nome “Localização dos Trabalhadores Nacionais”.

Para que tal intento se concretizasse, era preciso remover os Guarani e Kaiowá de suas terras ancestrais, operando uma espécie de cercamento e expropriações com a finalidade de criar e garantir as condições para a acumulação de capital, destinando as terras agricultáveis às lavouras valorizadas no mercado e para a criação de gado. É exemplificativo o caso da Reserva Indígena de Dourados (RID), a maior reserva indígena em área urbana do Brasil, com cerca de três mil hectares e população em torno de dezessete mil pessoas abarcando duas aldeias: Jaguapiru e Bororó. A RID foi delimitada arbitrariamente pelo SPI para ser um espaço destinado aos indígenas removidos de suas terras tradicionais, onde deveriam ser disciplinados ao trabalho em moldes capitalistas. Para tanto, além dos Guarani e Kaiowá, o SPI também removeu membros do povo Terena para o mesmo espaço, como forma de criar animosidade e divisão entre os povos. O resultado disso foi a superpopulação e extrema vulnerabilidade social, diante da fome e da falta de acesso à água, visto que o Estado, em todas as suas esferas de poder, adota uma postura de total descaso, empurrando a responsabilidade da resolução dos problemas da RID entre diversas instâncias.

Os Guarani e Kaiowá historicamente possuem uma relação com a terra não mediada pela forma-mercadoria. Para eles, a terra tradicional é sagrada e possui um significado espiritual próprio, sendo por eles chamada de tekoha, que costumeiramente é traduzido do guarani como “lugar onde se é” ou “lugar onde se pode ser”. Isso leva em consideração as características ambientais necessárias à perpetuação do modo de ser Guarani Kaiowá, ou ñandereko, como a presença de matas e riachos onde se possa caçar, coletar e pescar, enquanto possibilidade de bem-viver, ou teko porã. A terra é propriedade comunal, tradicionalmente não existe para os Guarani e Kaiowá como se dividir e se apossar privativamente de um pedaço de terra, visto que isso seria dividir uma parte de si mesmo, vez que esses povos se compreendem enquanto parte da natureza, e não fora dela. 

Também por isso, não faz sentido para os Guarani e Kaiowá a compra de uma fazenda qualquer para assentá-los, como recentemente alardeou o Presidente Lula (PT) em visita ao estado, sendo aplaudido pelo governador Eduardo Riedel (PSDB), não à toa um dos latifundiários mais ricos de Mato Grosso do Sul e adepto da chamada “tese de Copacabana”, a qual se contrapõe aos direitos originários dos povos indígenas sob a alegação que isso daria margem para que os povos pleiteassem todo o território nacional, mais uma tese juridicamente falsa dos ruralistas. Aos Guarani e Kaiowá só interessa a demarcação de suas terras originárias, dos tekoha, e não um local aleatório desprovido de significado social, cultural e espiritual. 

Todo esse preâmbulo é importante para contextualizar o estágio em que estamos atualmente quanto ao verdadeiro genocídio que há décadas é praticado contra os Guarani e Kaiowá. O avanço do agronegócio, a partir do pacto neoliberal iniciado nos anos 1990, com a financeirização da propriedade privada da terra, traz consigo os imperativos expansionistas inerentes à reprodução ampliada do capital. No sul de MS, a classe latifundiária busca expandir a fronteira agrícola sobre os biomas do Cerrado e do Pantanal, e as terras dos povos originários, sendo o caso mais emblemático justamente o dos Kaiowá e Guarani, vez que seus territórios de ocupação tradicional localizam-se nas terras mais férteis e cobiçadas pelo agronegócio.

MORTE AO LATIFÚNDIO!

DEMARCAÇÃO JÁ!


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Pedro Micussi