O agro tem futuro! Sobre a mais recente crise climática
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O agro tem futuro! Sobre a mais recente crise climática

As recentes queimadas demonstram o impacto ecológico do agronegócio exportador no interior do país

Israel Dutra 25 ago 2024, 09:09

Imagem: MetSul/Reprodução


O céu voltou a arder. Por todo país se verificou um estranho pôr-do-sol, nessa sexta-feira, 23 de agosto. A onda de calor castigou por completa todas as regiões, no mais grave acontecimento climático verificado depois das enchentes que destruíram parte do Rio Grande do Sul.

A seca traz efeitos devastadores. O Cânion do Jatobá, no Mato Grosso, conhecido por sua água cristalina ficou seco. Uma das principais atrações turísticas do estado ilustra o que ainda deve piorar, segundo as previsões meteorológicas. O Rio Solimões, um dos maiores do Amazonas, intensifica a sua seca.

Em São Paulo, contudo, a crise escalou. Dada a falta de visibilidade, várias estradas na região de Ribeirão Preto e Sertãozinho foram fechadas. A região é conhecida como capital do Agro e motor do corte de cana. Tarcísio conflagrou um “gabinete de crise”. 30 cidades estão em alerta. Dois trabalhadores morreram, em Urupês, tentando combater o fogo.

Na capital paulista, o céu ficou vermelho, coberto de fuligem e poluição. Parece uma “distopia real”, mas é uma amostra do perigo que já estamos vivendo. Apenas compreendendo as raízes profundas do fenômeno climático – que são políticas – poderemos lutar contra a barbárie que chega sem pedir licença.

Lembranças do dia que virou noite

Impossível não recordar a trágica data (há exatos cinco anos, em agosto de 2019), quando a combinação de uma frente fria e as queimadas na Amazonia levou a um precoce entardecer na metrópole paulistana.

Esse dia marcou um ponto de inflexão na luta contra Bolsonaro, ativando ainda mais o setor ambientalista para a urgência de combater o governo da extrema direita. Ao longo dos anos seguintes, além da pandemia e da corrupção, seria a defesa da Amazônia, do Pantanal e nossos biomas que teria centralidade na agenda política para derrotar o genocida. O tempo passou, Bolsonaro não está mais no governo, mas estamos às voltas com os mesmos problemas.

Se antes foram as enchentes, hoje são as queimadas. Nos quatro primeiros meses de 2024, tivemos um recorde de queimadas, com 17.182 focos de queimadas, o maior número para o período janeiro-abril desde 2003, quando 16.988 focos foram registrados. As queimadas sempre são motivadas pela combinação do fenômeno El Nino com a devastação causada pela ação humana. O Agro segue empurrando e disputando seu projeto, por todas as vias possíveis.

As imagens das queimadas são impressionantes. Na beira das estradas, por todo “corredor da cana”, foram registradas dezenas de focos de queimadas, apenas na sexta-feira, 23.

O “Dia do Fogo” em SP registrou o mais alto número de queimadas, com o registro de 1886 focos de intenso calor; o número divulgado pelo INPE é igual ao dobro da média histórica de agosto inteiro.

Na outra ponta do país, a PF enfrentar os garimpeiros, num violento conflito armado, na cidade de Humaitá, coração do garimpo predatório nas margens do Rio Madeira.

Dar nomes aos bois, ou melhor, aos donos dos bois

Os responsáveis por essa distopia são os dirigentes econômicos e políticos do que convencionamos chamar de Agronegócio. O conceito foi popularizado no começo desse século, para dar uma nova roupagem aos velhos latifundiários, que agora combinam elevadas técnicas agrícolas voltadas para a exportação de seus produtos primários – que corresponde a 4,2 do PIB mundial – imbricadas com a financeirização do capital.

Apesar das suas diferentes frações – como qualquer classe social – há uma ordem unida quando se trata de desmatar, devastar e conquistar terras de interesse público. Salles foi a “consciência crítica” do agro, quando levantou a famosa palavra-de-ordem de “passar a boiada”. Ou seja, desregulamentar e destruir toda a legislação, instituições e entidades que pudessem inibir ou mediar a sanha devastadora dos grandes latifundiários do Agro brasileiro.

O Agro, com seus braços armados, como a antiga UDR e o recente movimento “Invasão Zero”, constrói um bloco político e social para disputar em todos os terrenos, atraindo madeireiros, garimpeiros e outros “desclassados” que migram para o campo para roubar terras indígenas, de ribeirinhos, de preservação ambiental, entre outras. Além do terreno “paramilitar”, o Agro tem uma potência econômica, uma bancada (com a alcunha da bancada do Boi) nutrida e articulada e disputa a hegemonia cultural, deslocando o centro dinâmico do capitalismo brasileiro para o Oeste, se entrincheirando e extensos municípios rurais, agora repaginados e ressignificados.

Portanto, a tragédia do Rio Grande do Sul, as secas, as presentes queimadas, a destruição dos biomas tem um ponto em comum: são fruto da ação predatória do Agro, com seus representantes apelando ao negacionismo climático para defender seus interesses materiais.

O que nos espera, sem alterar a relação de forças e combater o poder do agro, são novas tragédias, em regiões e cenários diferentes. O ruralismo vertebra, a partir da sua bancada, articulada com os outros “Bs”(Bíblia e Bala, simbolizando os neopentecostais conservadores e os deputados ligados às forças de repressão). As relações históricas no campo brasileiro, na figura dos “coronéis” trazem séculos de opressão e violência, com raízes profundas desde a escravidão.

Há uma ampla consciência difusa em defesa da preservação ambiental e das riquezas naturais do nosso país. Por outro lado, o Agro mantém, com a disputa de hegemonia, investindo pesado em propaganda, uma imagem positiva, como grande produtor de riqueza e alimento do Brasil. A hegemonia no âmbito cultural elevou a marca “Agro é Pop”, também levada adiante nos inúmeros festivais que buscam impor sua cultura e visão de mundo, através do entretenimento. Parte dessa batalha cultural pode ser vista analisando fenômenos como o “sertanejo ostentação”, como parte da expansão dos valores e da visão de mundo dos ruralistas.

É preciso passar à ofensiva contra o Agro, responsabilizando-o pelo desastre ambiental que está em curso, apoiando-se na defesa da preservação do ambiente comum. A força que a luta contra a privatização das praias teve na opinião pública é um indicativo. Resta confrontar com os pesos pesados do Agro.

Emergência climática e tarefas urgentes

Não se pode calar ou fingir que nada está acontecendo. A gravidade passou de todos os limites.

O Brasil deve discutir um plano urgente de emergência climática que passe pelo imediato combate à atividade predatória, dos ruralistas, dos garimpeiros e madeireiros; por uma transição ecológica pensada para os próximos anos, onde se possa diminuir a utilização dos combustíveis fósseis, a fim de “descarbonizar” a vida coletiva.

Organizar entre os jovens iniciativas como as greves climáticas; apoiar os movimentos do campo como o MST, o MAB, o MPA, MPL e outros para opor ao Agro, uma reforma agrária com incentivo à pequena e média produção agroecológica, ligada às crescentes cooperativas de consumo e alimentação saudáveis, nas cidades.

Nas eleições municipais que já começaram, o PSOL e a esquerda devem ter centralidade na questão climática, como vários de nossos parlamentares já vem fazendo. Além de temas programáticos concretos, envolvendo sugestões para as cidades, é preciso apostar na disputa da grande política contra o Agro e seus representantes. Combater os projetos de Tarcísio em São Paulo, fazer a disputa em importantes polos como Ribeirão Preto, Sorocaba, Presidente Prudente e Ourinhos.

O futuro que o Agro nos está conduzindo é uma distopia, onde poucos e muito ricos vão sobreviver as insuportáveis condições climáticas. É preciso combatê-lo para puxar o freio de emergência da locomotiva da morte pilotada pelos latifundiários brasileiros de extrema direita.


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Pedro Micussi