O assassinato de Ismail Haniyeh
Episódio se insere num contexto de ofensiva israelense para escalar a guerra para todo o Oriente Médio
Foto: Reprodução
No mais importante acontecimento desde o lançamento da ofensiva sobre Gaza, o Estado de Israel assassinou de forma covarde Ismail Haniyeh, principal líder público do Hamas, que estava na condição de estadista participando da posse do novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, ao lado de outros chefes de estado. O Brasil esteve representado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, tendo sido fotografado na tribuna cerimonial da posse do novo presidente iraniano, próximo de Ismail, horas antes de seu assassinato.
A eliminação física de Ismail Haniyeh foi levada a cabo por uma operação especial, na residência onde estava dormindo, com um míssil balístico de precisão. A responsabilidade de Israel e do Mossad, seu braço para operações desse tipo, é evidente.
Enterrado no Catar na manhã de 2 de agosto, Ismail Haniyeh assumiu a liderança do Hamas nas duas últimas décadas, tendo como principal responsabilidade, a partir de 2007, dirigir o território da Faixa de Gaza. Uma série de países árabes da região enviaram representações oficiais; o Irã, na figura de seu líder supremo, o Aiatolá Khamenei, fez honras e declarou luto oficial. O líder turco Erdogan acusou Israel de estar ampliando o “fogo de Gaza” para uma guerra regional sem precedentes. O assassinato foi condenado por uma dezena de países pela evidente violação total e completa de quaisquer regras do direito internacional.
O assassinato de Haniyeh se insere num contexto mais amplo: uma ofensiva para escalar a guerra no âmbito de todo Oriente Médio, com outros dois assassinatos de dirigentes centrais do próprio Hamas e do Hezbollah. Foi morto em Gaza, o número 3 do Hamas, responsável pelo setor militar, Mohamed Delf; sob argumento de uma resposta aos acontecimentos das Colinas de Golã, Israel assassinou no sul de Beirute o dirigente do Hezbollah, Fuad Shukr.
A resposta imediata do movimento de massas foi a convocação de uma greve geral unificada em todos os territórios palestinos. Marchas e atividades de massas aconteceram em todo mundo árabe, convulsionando ainda mais a tensa semana. Em declaração comum, Hamas e a FPLP instaram a redobrar a resistência, a partir de reunião datada de 31 de julho
“A reforma e desenvolvimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e do sistema político palestino é um interesse nacional urgente que todas as organizações nacionais concordaram, mais recentemente na China. Isso garante a participação de todos os palestinos e suas forças, tornando-os capazes de alcançar as esperanças e aspirações do povo por libertação, liberdade e estabelecimento de um Estado palestino independente com Al-Quds como sua Capital. Pede-se ao povo, à nação palestina e aos seus apoiadores em todo o mundo que considerem o dia 3 de agosto como um dia global de apoio massivo ao povo palestino e aos corajosos prisioneiros.”
Tanto o já citado Aiatolá Ali Khamenei quanto o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, prometeram uma resposta “real e estudada”.
Dentro desse quadro, dois elementos centrais se apresentam:
– Um clima de instabilidade quanto ao desenlace da crise imediata;
– Resposta a um momento de encruzilhada que o Estado de Israel parecia caminhar, após a combinação da reunião de unidade dos setores palestinos em Pequim e os sinais de fadiga e isolamento, no terreno político, militar e diplomático do sionismo.
Resumimos esses argumentos no presente artigo, do começo da semana, à luz da unidade palestina.
A resposta do estado sionista, em colaboração direta com os Estados Unidos, é uma medida defensiva para passar novamente a ter a iniciativa.
Lembremos que o objetivo militar era “destruir o Hamas”. Em outras palavras, destruir a capacidade política e logística da resistência armada de Gaza, buscando uma espécie de protetorado de um governo internacional em acordo com o Al Fatah; isso em consonância para abrir caminho para uma frente de “guerra total” na Cisjordânia, com as milícias fundamentalistas dos colonos de ultradireita tendo “licença para matar”, escudados no aparelho militar central de Israel.
Seus dois objetivos não foram alcançados até aqui, com um custo político sem proporções, gerando o isolamento dos sionistas internacionalmente e levando a tensões e fissuras dentro do estado de Israel, que poderiam derivar numa crise orgânica geral, desprovendo de sentido o próprio projeto de Netanyahu. As fissuras internas chegam a descontentamento maior, com alas da extrema direita militar questionando o governo, como bem descreveu Gilbert Achcar em seu artigo sobre os eventos de Majdal Shams, povoado de maioria drusa das Colinas de Golã:
“Portanto, é provável que Netanyahu se contente com um ataque retaliatório doloroso, mas limitado, visando o Hezbollah, e que ele não lance uma guerra abrangente contra o Líbano, sabendo muito bem que seria mais severo no interior israelense do que a guerra sionista em Gaza. As prováveis limitações do próximo ataque foram indicadas pela abstenção dos dois ministros neonazistas, Smotrich e Ben-Gvir, na votação para autorizar Netanyahu e o ministro da Guerra Galant a administrar a retaliação, especialmente porque Smotrich havia pedido para aproveitar a oportunidade do massacre de Majdal Shams para matar o Secretário-Geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah.”
Tudo isso somado as contradições crescentes do imperialismo estadunidense em declínio – e dos choques cada vez mais abertos com o eixo geopolítico do Irã -, outros atores pesados do mundo árabe e mesmo uma Turquia buscando protagonismo por fora da aliança ianque-sionista.