O assassinato de Leon Trotsky
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O assassinato de Leon Trotsky

Texto escrito em 1999 pelo neto de Trotsky, Esteban Volkov. Esteban faleceu no ano passado, em 16 de junho de 2023

Esteban Volkov 21 ago 2024, 15:50

Foto: La Tinta/Reprodução

Via CEIP Leon Trotsky

59 anos se passaram desde aquela tarde quente de 20 de agosto de 1940 em uma velha casa cercada por árvores frondosas e cactos no tranquilo subúrbio de Coyoacán, na capital do México. Lev Davidovich Bronstein, mais conhecido como Leon Trotsky, revolucionário marxista e, ao lado de Lênin, um dos líderes mais destacados da revolução de 1905 e da Revolução de Outubro na Rússia, foi vítima de um assassinato ordenado expressamente por Josef Stalin.

Naquela tarde de 20 de agosto, um assassino profissional da famigerada GPU, ou NKVD, cuja simples menção de suas iniciais fazia estremecer qualquer cidadão soviético, executou um plano pérfido e traiçoeiro que havia sido minuciosamente elaborado. Sob o pretexto de corrigir um artigo, ele conseguiu acesso ao criador do Exército Vermelho. Enquanto os dois homens estavam sozinhos, o assassino atacou por trás, empunhando um picador de gelo de aço afiado usado por montanhistas, com cabo encurtado. Em poucos segundos, o cérebro de um dos mais brilhantes lutadores do socialismo foi destruído.

Com o assassinato de Leon Trotsky – este inimigo implacável da burocracia que havia usurpado o poder das mãos do proletariado revolucionário – completou-se o extermínio contrarrevolucionário por Stalin de uma longa lista de líderes e participantes da Revolução de Outubro. Assim, Stalin foi confirmado como o coveiro da revolução bolchevique – um título concedido a ele por sua vítima muito antes.

Para mim, aquela tarde sangrenta e trágica de 20 de agosto ainda parece ter acontecido ontem. Eu era, então, um jovem de 14 anos, Vsevolod (Seva) Esteban Volkov, neto de Trotsky por parte da mãe, e havia chegado ao México apenas um ano antes, após um período morando com os Rosmer, amigos íntimos de Natalia e Lev Davidovich. Deram-me o quarto ao lado dos meus avós e já tinha provado a pólvora e sentido o calor de uma bala a roçar-me o pé direito durante o primeiro ataque à família pelo pintor stalinista Alfaro Siqueiros e seus asseclas nas horas iniciais do dia 24 de maio de 1940.

Quase três meses depois, eu estava voltando para casa da escola em um estado de espírito animado, caminhando pela longa rua Vienna, no final da qual ficava a velha casa. De repente notei algo inusitado ao longe: um carro obviamente mal estacionado se arrastava pelo caminho empoeirado e vários policiais fardados de azul marinho e boinas militares pareciam estar parados na entrada da casa. Tal perturbação era um pouco incomum. Uma pontada aguda de angústia apertou meu peito quando tive um pressentimento de que algo terrível havia acontecido na casa e que desta vez não teríamos tanta sorte.

Instintivamente apressei o passo, passando rapidamente pelo portão que estava aberto, correndo pelo jardim, onde topei com um camarada americano, Harold Robins, um dos secretários e guarda-costas de meu avô. Ele estava muito agitado, com um revólver na mão, e só conseguiu gritar para mim com voz desesperada: “Jackson! Jackson!”

No momento, não consegui entender o significado dessa exclamação apressada. O que o marido ou namorado da trotskista americana Sylvia Ageloff e amigo dos Rosmer e dos guardas tinha a ver com o que estava acontecendo? Mas, ao atravessar o caminho do jardim em direção à casa, encontrei um homem com o rosto coberto de sangue, que não reconheci imediatamente, sob a custódia de dois policiais. O homem que eu supus ser o Jackson mencionado por Harold fazia muito estardalhaço, gritando e chorando, o que se fundia em uma espécie de uivo. Ele estava verdadeiramente abalado.

Quando entrei na biblioteca e olhei pela porta entreaberta da sala de jantar, compreendi imediatamente a magnitude da tragédia. Meu avô estava caído no chão com um ferimento na cabeça, em uma poça de sangue, com Natalia e um grupo de camaradas ao seu redor, aplicando gelo no ferimento para estancar o fluxo de sangue.

Então Jackson – o marido generoso e atencioso da camarada trotskista Sylvia Ageloff, o homem que levou os Rosmer em seu carro para Veracruz quando eles voltaram para a Europa, e que entreteve alguns dos guardas em bons restaurantes no centro da cidade do México, o homem que mostrava total indiferença pela política, e que fingia ter uma rica mãe belga que sempre zelava por seu bem-estar material, e um patrão no exterior que pagava suculentas comissões por seus negócios – não passava de um vulgar agente da famigerada GPU que se infiltrou na vida do líder revolucionário.

Ele pertencia àquele exército de assassinos e torturadores que exercia seu reinado de terror sobre o povo russo. Estas eram as tropas de choque da contrarrevolução, o principal pilar da ditadura de Stalin e sua burocracia. Eles dispunham de recursos ilimitados derivados da riqueza extraída da classe trabalhadora soviética pela burocracia. Eles eram a elite da elite e os mimados favoritos do ditador.

“Minha mãe está nas mãos deles! Eles me forçaram a fazer isso!” Jackson deixou escapar entre lamúrias e queixas, enquanto os guarda-costas, alertados pelos primeiros gritos ensurdecedores do “Velho”, correram para a cena do assassinato e contiveram e espancaram o assassino. “Jackson!”, disse Lev Davidovich, enquanto se agarrava ao batente da porta de seu escritório, coberto de sangue, apontando o agressor a Natalia que chegou apressada. Era como se ele estivesse tentando dizer: aqui está, o ataque de Stalin que estávamos esperando. Gesticulando, ele tentou apontar para o escritório, “Não o matem – ele deve falar!” conseguiu dizer deitado no chão da sala de jantar aos que o rodeavam. E ele estava certo. Esta foi a melhor maneira de lançar luz sobre o caráter do crime.

Agora não há segredos. A trama prosseguiu em etapas: Stalin, Beria, Leonid Eitingon, sua amante Caridad Mercader e seu filho, o catalão, Ramón Mercader (também conhecido como Jackson) foram as pessoas que assassinaram o fundador do Exército Vermelho e o companheiro de armas de Lênin.

“Nos foi dado mais um dia de vida, Natasha!”, Lev Davidovich costumava exclamar alegremente para sua inseparável companheira Natalia Sedova todas as manhãs, enquanto a luz do dia se infiltrava em seu quarto escuro – o mesmo local de onde eles escaparam milagrosamente com vida na noite de 24 de maio, quando a casa foi metralhada por Siqueiros e vinte outros assaltantes. Mas a trégua foi breve! “Morrer não é um problema quando um homem cumpriu sua missão histórica”, disse Trotsky certa vez a um grupo de jovens camaradas.

Leon Trotsky não era o tipo de homem que morreria pacificamente de velhice na cama. Ele caiu na linha de frente da luta pelo socialismo genuíno – o socialismo que foi concebido por Marx, Engels, Lênin e pelo próprio Trotsky. É assim que os heróis da revolução proletária dão suas vidas – com uma bandeira vermelha em uma mão e um rifle de combate na outra. Saiu desta vida com a serenidade imutável de quem cumpriu o seu dever e cumpriu a sua missão histórica.

Lado a lado com Lênin, ele forneceu uma base ideológica marxista tanto para a derrotada revolução de 1905 quanto para a vitoriosa Revolução de Outubro de 1917. Nesta última, a intervenção de Trotsky foi decisiva. A fim de remover quaisquer dúvidas ou resquícios de falsificação stalinista, reproduzimos as observações do especialista militar suíço, comandante E. Léderray: “O Exército Vermelho, criado e liderado por Leon Trotsky, foi um fator chave no triunfo da revolução bolchevique.” Foi eleito duas vezes presidente do Soviete de Petrogrado, em 1905 e 1917. Também foi nomeado ministro das Relações Exteriores do Estado soviético.

Mas as páginas que ficarão para sempre gravadas nos anais da história estão no último período de sua vida: a indômita e heroica luta de morte que travou, junto com um pequeno grupo de camaradas, contra uma das mais sanguinárias e bestiais ditaduras conhecidas pela humanidade, que surgiu da usurpação e traição da primeira revolução socialista do mundo.

Inicialmente, a partir de 1923, Trotsky travou a luta dentro do Partido Comunista da União Soviética através da Oposição de Esquerda, na tentativa de redirecionar o Partido para longe do caminho da degeneração burocrática e do abandono do marxismo-leninismo, e de volta às tradições da revolução proletária e de Outubro. Mas os discursos inflamados e as declarações do organizador do Exército Vermelho caíram em ouvidos surdos. O Partido já estava completamente infiltrado pelas criaturas de Stalin. O clima predominante era de carreirismo e de busca de ganhos pessoais, ou de medo do nascente ditador.

Em 1927 Trotsky foi expulso do Partido e deportado para Alma-Ata. A Oposição de Esquerda praticamente deixou de funcionar. Em 1929 ele foi expulso da Rússia. Começando com a Turquia, ele iniciou sua longa jornada pelo que chamou de “Planeta sem visto”. Mais tarde, ele foi para a França, Noruega e, finalmente, México. Ele tinha plena consciência de que seus dias estavam contados. Desde o início de seu exílio, acompanhado por sua esposa Natalia e seu filho Leon Sedov, e com a ajuda de leais colaboradores, Trotsky aproveitou cada minuto de sua existência para manter aceso o farol do pensamento revolucionário marxista e para denunciar perante a opinião pública internacional e as massas trabalhadoras todos os crimes e traições do stalinismo.

Após a terrível derrota da classe trabalhadora alemã e o triunfo do fascismo e a ascensão de Hitler ao poder como resultado das capitulações, traições e erros do Partido Comunista Alemão e da Terceira Internacional stalinizada, que Trotsky caracterizou como um “cadáver fedorento”, concluiu que a tentativa de regenerá-la era uma causa perdida e, a partir desse momento, dedicou-se ao que considerava a tarefa mais importante de sua vida – a criação de uma nova guarda avançada revolucionária na forma da Quarta Internacional, que ele conseguiu lançar apenas dois anos antes de seu assassinato por Stalin.

Marx e Engels realizaram um estudo exaustivo e magistral da sociedade capitalista que Lênin desenvolveu em sua análise da fase imperialista do capitalismo. Trotsky também, seguindo o método marxista, fez uma análise magistral do período de transição após a derrubada do capitalismo. Ele explica como o stalinismo surgiu como uma contrarrevolução política, na forma do bonapartismo burocrático na União Soviética. Suas análises e definições em A Revolução Traída – obra escrita há mais de 60 anos – são extremamente rigorosas e totalmente válidas hoje. Aqui temos a descrição de uma sociedade em transição – nem capitalismo nem socialismo – sob o domínio de uma casta de usurpadores burocráticos.

Tal formação social não tinha nenhum papel funcional na produção, nem poderia ter qualquer significado permanente e, portanto, em si mesma, não ascendeu à categoria de classe no sentido marxista da palavra. Só poderia manter-se no poder pela falsificação da história e pelo terror. O resultado final foi a restauração do capitalismo na Rússia. Trotsky defendeu urgentemente uma revolução política na Rússia, na qual a classe trabalhadora reconquistaria o poder dela usurpado pela burocracia, salvaria o que tivesse sobrevivido das conquistas de outubro, e reconstruiria as bases para o socialismo genuíno, baseado na democracia operária com sovietes genuínos, na abolição do regime de partido único e na introdução do controle democrático dos trabalhadores e na gestão da economia planificada.

Até hoje, isso não foi implementado, como resultado da inércia política da classe trabalhadora russa após 70 anos de sufocante ditadura burocrática. Segundo o historiador Volkogonov, a publicação de A revolução Traída em 1936 (que foi imediatamente traduzida ao russo para Stalin) levou a uma aceleração dos planos de assassinato de Trotsky a partir de dezembro daquele ano. Volkogonov – que teve acesso aos arquivos da KGB – afirma que Stalin sempre temeu Trotsky. Portanto, a publicação de sua biografia de Stalin, que estava sendo preparada em 1939-40, não pode ter feito muito para acalmar a fúria assassina do mestre do Kremlin. Ao contrário do que se possa pensar, Trotsky escreveu este livro sem muito entusiasmo, por necessidade econômica, a pedido de uma editora americana, deixando de lado uma biografia de Lênin, obra que o interessava muito mais.

A contribuição de Trotsky ao arsenal do movimento operário é vasta: teoria marxista, polêmicas, obras históricas, autobiografia, para citar apenas as principais. O professor inglês Sinclair publicou um índice bibliográfico de mais de 400 páginas que contém apenas a lista dos títulos por ele coletados. Como disse Ernest Mandel, que morreu recentemente: “Trotsky ficará para a história como o estrategista mais importante do movimento socialista”.

Em sua luta tenaz e ininterrupta contra a ditadura burocrática stalinista, que o transformou no revolucionário mais caluniado e perseguido do mundo, uma coisa se destaca por sua importância histórica: o contra-julgamento que organizou em resposta aos Expurgos de Stalin. Após seu breve período de exílio na Escandinávia, que se transformou em seis meses de silêncio forçado e prisão domiciliar imposta pelo governo “socialista” da Noruega, por insistência de Stalin, Trotsky finalmente foi para o México. Tendo recebido asilo do presidente mexicano, general Lázaro Cárdenas, imediatamente após sua chegada em janeiro de 1937, Trotsky começou a trabalhar. Ele agora tinha total liberdade para preparar sua defesa, e também a de seu filho, Leon Sedov, e de todos os outros revolucionários falsamente acusados na sangrenta farsa dos Julgamentos de Moscou. Por esses meios, Stalin e sua camarilha do Kremlin esperavam encontrar uma folha de parreira legal para justificar o extermínio de todos aqueles que pudessem fornecer testemunho vivo das tradições de Outubro.

Por sugestão de Trotsky, foi criada uma comissão de investigação, presidida pelo célebre filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, e composta por pessoas de absoluta integridade, sem ligação com o acusado. Trotsky anunciou sua disposição de se entregar aos carrascos da GPU se alguma das acusações fosse comprovada. Seu objetivo ao organizar este contra-julgamento não era apenas salvar sua honra e reputação como revolucionário e denunciar perante a humanidade e perante a história os crimes do stalinismo, mas também tornar difícil para Stalin e a burocracia realizar novos julgamentos e extermínios. Após 13 dias de exaustivas sessões, com a apresentação de 18 acusações e respostas decisivas, a comissão proferiu o veredicto de “inocente” e caracterizou os Processos de Moscou como a falsificação mais monstruosa de toda a história.

A brilhante carreira revolucionária de Leon Trotsky – na preparação da revolução e na sua realização; para depois defendê-lo contra seus inimigos e usurpadores – sempre se baseou no marxismo, fornecendo provas irrefutáveis de sua vitalidade e veracidade até os dias atuais. A correção de sua análise é ainda enfatizada pelo colapso dos regimes stalinistas e neo-stalinistas, que Trotsky previu com confiança inabalável até o fim. Sua vida heroica continua sendo uma fonte de inspiração e um grande exemplo para todos os revolucionários.

Esteban Volkov

Cidade do México, agosto de 1999


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