Para Lula e Galípolo, é preciso aumentar o desemprego?
Galípolo

Para Lula e Galípolo, é preciso aumentar o desemprego?

Qual o significado da decisão de alta de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros votada por Gabriel Galípolo, o “menino de ouro” do presidente Lula?

Pedro Micussi 19 set 2024, 16:01

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A última quarta-feira foi marcada por dois eventos importantes na economia brasileira e mundial. Em primeiro lugar, o FED, o Banco Central dos EUA, anunciou um corte de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros de seu país, levando-a a 5% ao ano. É a primeira vez que a taxa sai da casa dos 5,5% desde julho do ano passado e, notoriamente, o primeiro movimento de diminuição dos juros nesse país desde março de 2020, no início da pandemia, quando a autoridade monetária estadunidense concluiu um ciclo de queda dos juros que os levaram ao patamar de 0,25% ao ano.

Poucas horas depois, foi a vez do Banco Central brasileiro, por meio de seu Comitê de Política Monetária, o Copom, anunciar uma alteração no patamar dos juros no país. Ao contrário do Banco Central americano, entretanto, o BC brasileiro optou por uma subida dos juros, em 0,25 ponto percentual, elevando a Selic a 10,75% ao ano. Trata-se de um aumento que não ocorria, por sua vez, desde agosto de 2020, sendo, portanto, o primeiro aumento de juros deste Governo Lula. Ele ocorre justamente após a primeira reunião do Copom que tem o seu diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, anunciado como futuro presidente do Banco pelo presidente da República.

Este último fato é relevantíssimo, pois já que é Galípolo quem é hoje, de fato, o principal personagem do Banco Central brasileiro. Ainda que a presidência de Roberto Campos Neto vá até o final deste ano, é sobre Galípolo que recaem todos os holofotes a respeito da condução da política monetária atual. Esta seria, portanto, a primeira reunião do Copom em que o “menino de ouro” de Lula demonstraria sua visão sobre os rumos da economia brasileira e o papel do Banco Central em aquecê-la ou refreá-la de acordo com indicadores a respeito do crescimento do PIB e do mercado de trabalho. Galípolo e Campos Neto votaram juntos pelo aumento da Selic. O que isso significa?

Antes de mais nada, o aumento de 0,25 ponto da Selic representa um acréscimo imediato das despesas do governo federal da ordem de R$ 7 bilhões ao ano, conforme cálculos realizados pelo professor José Luis Oreiro da Universidade de Brasília. Montante este que vai direto para o pequeno número de famílias ricas que detêm a maior parte dos títulos da dívida pública brasileira.

Mas muito mais do que isso, ele demonstra que Galípolo e Campos Neto compartilham de uma visão comum sobre o atual estágio da economia brasileira e, conforme prevíamos em artigo anterior, entendem que seu atual ritmo de crescimento é alto demais. Olhando pela ótica do emprego, quer dizer que Galípolo, assim como Campos Neto e outros economistas do mercado, acredita que a atual taxa de desemprego, hoje em 6,9%, está baixa demais. Na sua visão, portanto, é preciso aumentar o contingente dos atuais 7,5 milhões de brasileiros desempregados. Ainda que Galípolo não o diga abertamente, é exatamente isso que visa com o aumento da Selic. Para que não haja dúvidas em relação a isso, vale retomarmos como o Banco Central objetiva controlar a inflação.

É lugar comum no noticiário econômico que, para controlar a inflação, deve haver um aumento na taxa de juros. O que pouquíssimos jornalistas e economistas têm coragem de vir a público dizer é que, para que isso ocorra, o Banco Central precisa aumentar o desemprego. Os modelos a partir dos quais operam os bancos centrais ao redor do mundo pressupõem a existência do que se entende ser um trade-off entre inflação e desemprego. Isso quer dizer que entendem que os formuladores de política econômica precisam fazer uma escolha: ou optam por ter a inflação controlada, ou diminuir o desemprego. Não se pode ter ambos.

Assim, é papel do Banco Central escolher, em cada ciclo de decisão sobre a taxa de juros, se prefere, tudo o mais constante, manter o nível de emprego no mesmo patamar, diminuí-lo, ou aumentá-lo. Grosso modo (e desconsiderando as inúmeras outras variáveis de política econômica de um país que não estão sob a alçada do Banco Central, como a política fiscal), alterações na taxa básica de juros visam responder a esse objetivo. Mas como a taxa básica de juros afeta o desemprego?

Um aumento na taxa de juros implica, por exemplo, na redução de investimentos por parte das empresas (fica mais caro, afinal, tomar dinheiro emprestado para isso) e na diminuição do consumo das pessoas (o crédito encarece ou pode se tornar mais vantajoso manter o dinheiro aplicado em um banco do que gastá-lo no presente). Se empresas passarem a investir menos e famílias a consumir menos hoje, o impacto disso, no futuro, só poderá ser a diminuição da produção a nível agregado. Se se produz menos, trabalhadores antes empregados se tornarão desnecessários, e, portanto, serão demitidos. Então, com mais trabalhadores desempregados, o poder de barganha da classe nas disputas salariais também será diminuído, o que permitirá a celebração de contratos de trabalho com salários mais baixos do que antes. Os salários rebaixados, portanto, permitem às empresas reduzir seus custos. Isso fará com que elas deixem de aumentar os preços de seus produtos, diminuindo a inflação. Podemos ver, com esse exemplo, que em geral é falso o argumento de que uma inflação alta “prejudica os mais pobres”. Ao contrário, ela pode ser exatamente o resultado de maior poder de barganha dos trabalhadores nas disputas salariais.

É certo que, além dos salários, há alguns outros mecanismos importantes na forma pela qual juros impactam a inflação, como mudanças na taxa de câmbio, por exemplo. Mas seu impacto no nível de emprego está longe de ser desprezível. Tanto é assim que, nos últimos meses, uma série de analistas do mercado financeiro vêm argumentando que o Brasil está se aproximando, com seus 7,5 milhões de desempregados, daquela que chamam de taxa de desemprego que não acelera a inflação. Clamam, já há algum tempo, portanto, pelo aumento da Selic.

A este respeito, a importância do desconforto com o mercado de trabalho brasileiro parece ser ainda mais importante se considerarmos que o Banco Central do Brasil aumentou a Selic, como dissemos, no exato momento em que o FED dos EUA baixava a sua taxa. Dadas as assimetrias monetárias entre países, tipicamente uma diminuição dos juros dos títulos públicos dos EUA (que têm risco zero pelo fato do país ter o poder de emissão da moeda chave do mundo, o dólar) permite a redução das taxas básicas dos países da periferia. Isso porque investidores e especuladores internacionais se veem dispostos a depositar suas riquezas em países de maior risco que os EUA desde que eles ofereçam maior retorno. Essa diferença entre os juros de um país ante os EUA é conhecida como risco país e, no geral, não costuma ter volatilidades em curtos períodos de tempo. Se os juros nos EUA caem, portanto, os demais países, como o Brasil, ganham uma margem para também diminuírem suas taxas, já que o diferencial entre os juros daqui e de lá aumentou. Em outras palavras, o risco país do Brasil não parece ter aumentado nas últimas semanas de modo a justificar um aumento da Selic quando o FED diminui suas taxas de juros.

Dessa forma, não parece ser um exagero entender a atual decisão de aumento da Selic como uma resposta do Banco Central aos dados recentemente divulgados pelo IBGE de crescimento acima do esperado da economia brasileira. Uma resposta, portanto, a um mercado de trabalho supostamente “aquecido demais”. Que esta fosse a tônica do bolsonarista Campos Neto, nenhuma novidade. É notável que a decisão tenha sido tomada no contexto de ascensão de Galípolo ao comando do BC, numa clara demonstração de seu alinhamento à visão dominante das ciências econômicas e da condução da política econômica no país que, da forma como é operada, impõe ao Brasil conviver com altíssimo número de desempregados.

Entender a maneira como é conduzida a política monetária e seus impactos na economia e na vida real de milhões de brasileiros é fundamental para sermos capazes de discernir as aparências e essências da cena política brasileira contemporânea. Se, neste grande teatro, Lula não cansou de denunciar Campos Neto quando votava por manter a Selic no mesmo patamar, ou não a diminuir mais drasticamente, o que explica seu silêncio no momento em que Galípolo, seu indicado, vota a favor de aumentá-la? Está também o presidente desconfortado com o fato de o país ter trabalhadores empregados demais?


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