A economia da Martinica é baseada em um modelo herdado do modelo econômico colonial 
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 A economia da Martinica é baseada em um modelo herdado do modelo econômico colonial 

Sobre a situação política na colônia francesa de Martinica

Marcel Sellaye 16 out 2024, 10:10

Foto: CLPRESS/Reprodução

Via Inprecor

No último mês, o movimento popular contra o alto custo de vida na Martinica vem ganhando força. Marcel Sellaye, militante do GRS (Grupo Revolução Socialista) e que liderou a lista Respé (Resistência, Esperança, Emancipação) nas eleições territoriais de 2021 explica os motivos da cólera e as perspectivas do movimento.


Como surgiu o movimento contra o alto custo de vida?

Já teve mobilizações impressionantes da população das Antilhas Francesas contra o alto custo de vida nos últimos anos: em 2009, elas foram iniciadas pelo LKP (Lyannaj Kont Pwofitasyon que em língua crioula significa Colletivo contra a exploração abusiva) na Guadalupe e pelo K5F (Coletivo 5 de Fevereiro) na Martinica e, mais recentemente, no contexto da pandemia de covid-19 e da menos espetacular de 2021. O movimento lançado em 1º de setembro de 2024 pela RPPRAC (Reunião para a Proteção dos Povos e Recursos Afro-Caribenhos) visa especificamente os preços dos alimentos, que subiram… 40%, de acordo com o INSEE!

Na realidade, o alto custo de vida nas Antilhas, nesse caso na Martinica, deve-se inteiramente à estrutura da “economia da Martinica”, que foi integrada à economia global em 1957 (como parte do Mercado Comum Europeu). O alto custo de vida estrutural é agravado pelas mudanças no contexto inflacionário global.

A economia da Martinica é uma economia de dependência do mercado francês – um legado do modelo econômico colonial baseado no princípio do comércio exclusivo com a “França metropolitana” em detrimento da produção local.

Portanto, não apenas 80% dos alimentos são importados, mas também passam pelas mãos de… 14 intermediários preocupados com seus lucros!

Esse modelo econômico é muito caro para a população, especialmente para as classes trabalhadoras (35% das quais vivem abaixo da linha da pobreza).

O mercado da Martinica é dominado pelo oligopólio GBH (Grupo Bernard Hayot), líder no varejo de massa desde 1960 e cujo proprietário béké [branco descendente de colonos escravocratas- NdT] é uma das 500 pessoas mais ricas da França. Essa mesma dependência também beneficia a multinacional CMA CGM (que detém o monopólio do transporte marítimo), o que contribui para o aumento do custo de aquisição de produtos, que oficialmente está em torno de 7%!

Quais são as reivindicaçoes do movimento?

E preciso voltar a 2012, quando foram tomadas medidas para regular esse mercado por meio de um sistema de promoções permanentes sobre produtos básicos (Escudo Qualidade Preço). Um sistema gerenciado exclusivamente pelos… fornecedores e distribuidores sob o olhar benevolente do Estado.

Em 2023, diante do aumento constante dos preços, uma “comissão de inquérito sobre o custo de vida nas coletividades territoriais regidas pelos artigos 73 e 74”, liderada pelo deputado da Martinica Johnny Hajjar (Partido Progressista Martiniquense, um partido cesarista1), revelou a opacidade do sistema e as margens exorbitantes acumuladas pelos supermercados. Foi nesse cenário que surgiu o RPPRAC, cujo equivalente seriam os Coletes Amarelos franceses de 2018.

Nascido nas redes sociais, sua ambição é mobilizar simultaneamente, no dia 1º de setembro, os povos das colônias (Martinica, Guadalupe, Guiana, Reunião) e os e os antilhanos que vivem na França.

Mas é na Martinica, ao lado de seus líderes (Rodrigue Petitot e Aude Goussard), que ele está reunindo o maior número de pessoas (cerca de 800 responderam à convocação em 1º de setembro) e, desde então, tem liderado bloqueios de supermercados – em especial os pertencentes ao grupo GBH (Carrefour).

O movimento, sem dúvida, conseguiu destacar essa preocupação legítima da população, mas é uma pena que, em nome da “eficiência”, ele tenha deixado de lado as questões de baixos salários e pensões, saúde, serviços públicos e assim por diante. Foi possível provocar várias reuniões oficiais de “negociação” sobre cortes de preços, principalmente na prefeitura e na Assembleia Territorial. Depois de mais de um mês de mobilização, os líderes reconheceram oficialmente que não haviam sido bem-sucedidos. De qualquer forma, esse fracasso temporário levou seus líderes a modificar seu discurso hegemônico e a rever sua relação com o movimento sindical, do qual eles inicialmente diziam prescindir, sob o pretexto, principalmente, de seu “fracasso no movimento de 2009” e de sua responsabilidade pela situação atual.

Como as autoridades, incluindo o governo francês, reagiram?

O governo não podia fingir ignorar a questão do alto custo de vida após o fracasso comprovado das medidas anteriores – das quais foi cúmplice – e especialmente após a publicação do relatório da comissão parlamentar de inquérito liderada pelo deputado Hajjar!

Além disso, o prefeito teve o cuidado de não convidar o deputado para nenhuma reunião sobre o assunto na prefeitura. Ele foi inflexível em sua oposição à demanda da RPPRAC por transparência e transmissão ao vivo dos debates.

Ele foi rápido em impor um toque de recolher, após a violência noturna perpetrada nas franjas do movimento e as trocas de tiros entre a polícia e os manifestantes no bairro operário de Sainte-Thérèse em meados de setembro!

Mas o fato mais marcante foi o retorno no nosso solo dos CRS [os batalhões de choque do estado francês], os mesmos pessoas que haviam sido consideradas indesejáveis depois dos malfeitos cometidos em Fort-de-France em dezembro de 1959! Em um cenário de alto custo de vida, desemprego, emigração forçada, demandas por autonomia e revoltas populares urbanas, três jovens foram mortos a tiros pelo CRS.

Que medidas o movimento planeja tomar no futuro próximo?

O que parecia impensável até então (devido à posturas antissindicalistas) aconteceu em 28 de setembro, em um comício organizado pelo CDMT (Centro Democrático dos Trabalhadores da Martinica) num contexto de greve geral convocada pela CGTM (Martinica) na Maison des syndicats: a reunião “oficial” entre os líderes da RPPRAC e os militantes e líderes das duas centrais sindicais, os ativistas da UFM (União das Mulheres da Martinica) que), os militantes da lista Respé (Resistência, ESPerança, Emancipação durante uma reunião realizada no mesmo local diante de uma centena de pessoas! No momento, não há perspectivas concretas e imediatas de trabalho.

A reunião lançada por iniciativa de 3 sindicatos (CGTM, CDMT e UNSA) em 4 de outubro foi uma primeira tentativa de iniciar uma discussão coletiva e aprofundada sobre o relacionamento com a RPPRAC, mas também, e acima de tudo, para pensar na reconstrução de relacionamentos deteriorados (no topo da intersindical) e para preparar uma mobilização popular, proporcional aos riscos sociais e ambientais, com garantia de eficácia!

(Entrevista realizada pela redação de revista Anticapitalistes-NPA)

Nota

  1. O martiniquense Aimé Césaire (1913 —2008) foi um poeta, dramaturgo, ensaísta e político anticolonialista. Aimé Césaire foi, juntamente com Presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, o ideólogo do conceito de negritude, sendo a sua obra marcada pela defesa de suas raízes africanas ↩︎

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