Governo federal tentará encerrar concessão da Enel em SP
O Ministério de Minas e Energia abriu um processo disciplinar contra a empresa. Ainda há 100 mil imóveis às escuras após temporal de sexta-feira
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
O temporal seguido de apagão que atingiu São Paulo e região metropolitana no último final de semana gerou dores de cabeça e revolta em mais de 2 milhões de moradores. Ainda nesta quarta-feira (16), há 100 mil imóveis às escuras. Mas isso pode não sair barato também para a Enel, concessionária de energia que cada vez mais se prova inepta para o serviço. Na segunda-feira, o Ministério de Minas e Energia abriu um processo disciplinar contra a empresa – e a medida pode levar à perda da concessão.
Não é a primeira vez que a hipótese de caducidade do contrato é aventada, mas como esta saída nunca foi testada no Brasil, houve embaraços técnicos. Porém, o titular da pasta, Alexandre Silveira, disse estar preparado.
“Temos vários caminhos para lidar com eventual caducidade. Não posso quebrar contrato, preciso instaurar processo administrativo, e foi o caso da Enel. Não tivemos nenhuma caducidade de distribuição”, afirmou.
Fato é que algo precisa ser feito. O episódio do último final de semana foi o terceiro grande apagão em São Paulo e região em menos de um ano – o de novembro de 2023 e o de março deste ano deixaram milhões de moradores de São Paulo sem luz por mais de sete dias. À época, Silveira classificou os episódios como “transgressões reiteradas” da Enel e revelou que as multas aplicadas na empresa pelas interrupções do serviço ainda não haviam sido pagas.
“Foram mais de R$ 300 milhões de multas aplicadas à Enel, nenhuma delas paga. A Enel tem reiteradamente prestado serviço de qualidade muito aquém do que determina inclusive a regulação”, disse.
Auditoria na Aneel
Também na segunda-feira, a Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou que haverá uma auditoria no processo de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre a Enel. O titular do órgão, ministro Vinícius Carvalho, diz ser inaceitável a demora da concessionária restabelecer o serviço de energia – visto que na terça-feira (15) ainda havia moradores sem luz.
A decisão chega em momento que pairam suspeitas sobre a fiscalização feita pela Aneel. Reportagem recente da Folha de S.Paulo revelou que a agência reguladora pediu à Justiça para ser assistente na defesa da concessionária, alvo de uma ação judicial movida contra a Enel após o apagão de novembro. O Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado, que movem a ação, dizem que a medida da agência travou o andamento do processo, que já poderia ter sido julgado.
No processo, MP e Defensoria enumeram as negligências da concessionária – como número insuficiente de funcionários e a inexistência de um plano de contingência para essas situações. A ação exige que a Enel reduza tanto os episódios de apagão quanto sua duração, além de dar respostas mais ágeis no atendimento aos clientes. A Justiça deferiu, em decisão liminar, o pedido de melhorias na qualidade do atendimento, mas a Enel recorreu.
Em julho passado, a Aneel pediu para entrar como assistente da concessionária alegando a intenção de “evitar a usurpação de suas atribuições regulatória e fiscalizatória”. Segundo a agência, a Promotoria e a Defensoria estariam criando regras para o serviço de distribuição de energia, o que não seria sua atribuição. Essa aparente disputa de responsabilidade pareceu estranha até mesmo para a Justiça, que negou o pedido do órgão federal. Em seu despacho, o juiz Fabio de Souza Pimenta, da 32ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que a solicitação era “incomum” e “incompatível” com suas atribuições de reguladora.
“Causa estranhamento o fato da Aneel apresentar-se nos autos justamente como assistente da parte requerida”, escreveu. “Soa absolutamente incompatível com a sua própria destinação regulatória e fiscalizatória das atividades da ré, a exigir-lhe imparcialidade e equidistância”.
Apesar disso, Aneel e Enel estão recorrendo da decisão em segunda instância – e, ao que tudo indica, estão dispostos a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na segunda-feira (14), a Aneel chegou a publicar um ofício em que se defende de cobranças feitas pelo Ministério de Minas e Energia em relação a Enel, citando fiscalizações in loco e aplicações de multas milionárias por falhas no atendimento a ocorrências emergenciais. Em entrevista à Folha, o promotor Denilson de Souza, diz que dadas as falhas na atuação da concessionária, não faz sentido essa “parceria” com uma empresa que presta um serviço tão precário
“Se não tivesse a participação da agência, esse processo estaria pronto para sentença. Então isso está atrasando o trâmite do processo. Isso ao mesmo tempo em que a agência reconhece que o serviço não é adequado. Tanto é que autuou, reconhecendo que o serviço não estava sendo prestado a contento”, reclamou.
E o governo?
O blecaute em São Paulo, como era de se esperar, gerou um jogo de empurra entre Enel, prefeitura e os governos estadual e federal A empresa diz que o apagão foi causado por queda de árvores sobre a fiação e diz que cabe à prefeitura fazer a poda adequada. Candidato à reeleição, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) se defendeu dizendo que a Enel dificultava esse trabalho Por fim, o prefeito acusou o Ministério de Minas e Energia, responsável pela concessão
Adversário de Nunes no segundo turno da eleição, o deputado Guilherme Boulos (PSOL) criticou o prefeito por omissão, tal como a vereadora reeleita Luana Alves (PSOL). Em vídeo nas redes sociais a parlamentar lembrou que no ano passado, o prefeito sugeriu um plano infalível para evitar que árvores arrebentem fios durante as tempestades: fiação subterrânea, mas com os custos pagos pela população. Evidentemente, a ideia de custear um serviço concedido a uma empresa privada por uma fortuna causou revolta. A ideia foi esquecida e, aparentemente, nada mudou de lá para cá.
“A incompetente da Enel e o incomepetente do Ricardo Nunes tem de ser responsabilizados e a população, indenizada”, afirma Luana